celulares e cérebro: a [longa]discussão continua

em 2006 escrevi [no meu antigo blog] sobre celulares e câncer cerebral, seguindo a pista de um estudo sueco coordenado por lennart hardell, que anunciava uma catástrofe de proporções bíblicas:

usuários contumazes de celular têm 240% mais chance de contrair um tumor maligno no lado do cérebro onde usam o celular. usuário contumaz é definido como alguém que já usou mais de 2.000 horas de celular [cerca de uma hora por dia, no trabalho, por dez anos seguidos].

este link leva a uma apresentação de hardell na royal society e este outro a uma cópia do texto original da pesquisa, pooled analysis of two case–control studies on use of cellular and cordless telephones and the risk for malignant brain tumours diagnosed in 1997–2003.

parte da comunidade internacional de oncologia rebateu o texto de hardell et al. de forma severa, questionando o estudo de cabo a rabo. apesar disso, e no mesmo ano, hardell e mild viram confirmadas seus estudos de 2002 e 2003 apontando uma correlação entre o uso intenso de celulares e neuromas acústicos, fato que discutem neste texto.

aqui no terra, o assunto apareceu pelo menos tres vezes: em junho de 2008, relatando um estudo australiano dizendo que…

o risco de desenvolvimento de câncer de cérebro é duplicado pelo uso constante de celulares em longos períodos de tempo, tipo dez anos ou mais.

em outubro de 2008 foi realizada no rio de janeiro uma conferência sobre o impacto dos campos eletromagnéticos sobre coisas vivas [inclusive nós] e o blog deu conta da discussão neste texto, citando o site do evento:

Os riscos potenciais da exposição a campos eletromagnéticos (CEM) devido a instalações como linhas de transmissão e estações radio-base de telefonia celular móvel representam um difícil conjunto de desafios para os tomadores de decisão.

Esses desafios incluem determinar se existe ameaça na exposição aos CEM e qual seu impacto potencial sobre a saúde, isto é, avaliar o risco, o que envolve pesquisas sobre efeitos biológicos e estudos epidemiológicos; reconhecer as razões que levam à preocupação por parte do público, ou seja, percepção de risco; e implementar políticas que protejam a saúde pública e respondam às preocupações do público, o que significa gerência de risco.

Esse tema é de extrema relevância não somente pela larga utilização de fontes emissoras de campos eletromagnéticos, tais como as linhas de transmissão de energia elétrica, instalações e aparelhos de telefonia celular e outros equipamentos eletro-eletrônicos, mas também pelo impacto causado na sociedade pelas notícias acerca de possíveis efeitos sobre a saúde humana veiculadas pela mídia.

naquele tempo, o assunto era quente e o evento idem. esta apresentação, de maria feychting, comparava todas as evidências epidemiológicas e concluía que…

Taken together, evidence support that short term mobile phone use (<10 years) do not affect risk. For long term mobile phone use, >10 years, most data speak against an increased risk. Some uncertainty regarding ipsilateral use –recall bias is likely to affect findings. No data available for use more than 15 – 20 years. Mobile phones are still relatively new. No data available on children.

resumo? excetuando o estudo de hardell et al., os outros dizem que não há aumento de risco de tumores para uso intenso de celular em períodos de dez anos. e que nada se pode dizer sobre crianças e celulares. e a dra. feychting [e muita gente mais] não levou em conta o estudo australiano.

em novembro do mesmo ano, estava para sair o estudo INTERPHONE e o blog voltou ao assunto:

…talvez esteja para ser publicado, depois de oito longos anos, o maior estudo mundial sobre o assunto, o relatório final do INTERPHONE, esforço conjunto de 13 países e dezenas de pesquisadores estudando mais de 6.000 usuários de celulares que contraíram câncer. o estudo tinha o objetivo de decidir se o uso continuado de celulares, por um longo período de tempo [mais de 10 anos], aumenta ou não o risco de alguns tipos de câncer, incluindo glioma e neuroma acústico.

a data de publicação do estudo, na verdade, já passou e o resultado não saiu ainda porque os pesquisadores se dividiram em três grupos: os que acham que SIM, celulares aumentam significativamente o risco de câncer, que inclui, entre outros, pesquisadores de israel e austrália, os que dizem que NÃO, a coisa é segura [com cientistas do canadá e inglaterra liderando esta versão] e os que não se manifestaram, achando que a evidência existe em certas situações e não em outras.

a situação é, para dizer o mínimo, confusa: as facções SIM e NÃO se separaram de tal maneira, no correr do estudo, que muita gente já nem mais se fala. nem de celular!… e há quem diga que, apesar de haver resultados alguns resultados locais irrefutáveis [100% de aumento de risco para alguns tipos de câncer em certos países], é capaz de, por isso mesmo, acabar se chegando a nenhuma conclusão. e tem mais: duvida-se, hoje, da seleção da amostra e da corretude dos procedimentos da pesquisa adotados pelos grupos de estudo.

ou seja: maior rolo. quando foi publicado em maio de 2010, o estudo concluía que…

This is the largest study of the risk of brain tumours in relation to mobile phone use conducted to date and it included substantial numbers of subjects who had used mobile phones for >=10 years. Overall, no increase in risk of either glioma or meningioma was observed in association with use of mobile phones. There were suggestions of an increased risk of glioma, and much less so meningioma, at the highest exposure levels, for ipsilateral exposures and, for glioma, for tumours in the temporal lobe. However, biases and errors limit the strength of the conclusions we can draw from these analyses and prevent a causal interpretation.

…não se encontrou evidência científica de aumento de risco de tumores, além de "sugestões" de que tal era o caso para alguns tipos de câncer… mas erros e polarização de experimentos limitavam tais conclusões.

imagefim de semana passado o new york times magazine publicou uma história sobre o assunto [longa, 10 páginas] escrita por siddhartha mukherjee, professor de oncologia da universidade de colúmbia, que cita um estudo –este aparentemente conclusivo- liderado por nora volkow [diretora do NIDA americano] dando conta de que a intensidade de uso e proximidade de celulares aumenta o metabolismo de glucose na área do cérebro imediatamente adjacente à antena. a conclusão do estudo de volkow et al. é…

In healthy participants and compared with no exposure, 50-minute cell phone exposure was associated with increased brain glucose metabolism in the region closest to the antenna. This finding is of unknown clinical significance.

a última frase quer dizer que não se sabe o que o achado significa. aumento do metabolismo de glucose no cérebro pode ser bom ou ruim. mais ainda, pode ser bom para uns e ruim para outros, ou ainda bom e ruim em diferentes fases da vida do mesmo indivíduo, e por aí vai.

ainda mais, continuamos sem saber ao certo quais são as consequências de longo prazo do uso de celulares, especialmente de forma muito intensiva e perto do cérebro. talvez seja interessante lembrar que a penetração cada vez maior de smartphones talvez leve grande parte das pessoas a se comunicar mais através de chat, twitter, facebook, twitter e coisas do tipo e o uso do celular por longos períodos de tempo perto do cérebro diminua. quem sabe.

imagemas parece que há um conjunto de relações entre certas mudanças no cérebro e a presença de celulares em sua proximidade. lá no meu velho blog, em 2007, citei um estudo em animais de laboratório realizado por salford et al, em 2003, concluindo que a exposição contínua a radiação equivalente a celulares causa o rompimento da barreira sangue cérebro [BBB, em inglês]. e isso pode [como na síndrome de sanfilippo] ter implicações complexas, no longo prazo, para a saúde do cérebro.

mas a complexidade pode estar do lado bom… como citamos neste texto publicado aqui no blog em janeiro de 2010:

…gary arendash, da university of south florida, expôs ratos geneticamente modificados para terem a doença de alzheimer a duas horas diárias de radiação similar a dos celulares, por períodos de sete a nove meses.

o que ele e seus colegas esperavam era que a exposição intensa ao “celular” aumentasse os efeitos do mal de alzheimer, mas o que aconteceu foi exatamente o contrário: mesmo com alzheimer, ratos “banhados” por radiação de celulares mostraram ser tão capazes, em testes de raciocínio e memória, quanto ratos saudáveis. por que? aparentemente porque a radiação celular controla [ou zera] o nível de beta amilóide no cérebro, diminuindo e até revertendo os efeitos da doença.

resultado? arendash acredita que é preciso investir em um novo campo da neurociência, o de efeitos de longo prazo do eletromagnetismo na memória. pode ser. e pode ser que a radiação de celulares seja mesmo benéfica para seres humanos com alzheimer.

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e você diria: juntando todas as peças do quebra-cabeças, como fico nessa?

não se sabe. é fato que quase todo mundo vai usar celular. a penetração global já está nos 80% da população. uma descoberta definitiva de que o uso intenso de celulares, no longo prazo, teria um efeito maléfico sobre o cérebro causaria um problema de tal ordem de magnitude que levaria a uma revolução inovadora, tanto do ponto de vista tecnológico como de costumes.

para muitas empresas e negócios, uma descoberta deste tipo seria fatal. até por isso, há quem suspeite da manipulação da maioria dos estudos que aponta a falta de provas científicas que leve celulares a causarem tumores cerebrais, mesmo sem haver qualquer evidência concreta para tal acusação.

se você quiser apostar no lado ruim da força, só use celular para o absolutamente necessário, seja lá pra que for, perto de seja lá que parte do corpo for.

olhando pelo lado bom, mesmo que apareçam evidências mais conclusivas de efeitos no cérebro, você pode apostar este aumento do metabolismo de glucose é uma vacina contra alzheimer, que a quebra da barreira sangue cérebro não é lá tão importante assim… e, caso role uma complicação maior como efeito colateral, vai ser daqui a tanto tempo que você não vai estar nem aí. literalmente, e por outras e mais letais razões.

só que isso não resolve tudo. com crianças de 10 anos e menos usando intensivamente seus celulares, cortesia de planos que permitem ligar para a família "de graça"… quais serão as consequências em 50…70 anos?

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ninguém sabe. os blogs do futuro têm uma pauta quase infinita sobre este tema. é esperar pra ver.

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