O Metaverso, Discado [2]

Este é o segundo post de uma série dedicada ao metaverso. É muito melhor ler o primeiro [aqui: bit.ly/3yTWa3g] antes de começar esta leitura. Se puder, vá lá, e volte aqui.
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O que é o metaverso?

O metaverso é um fluxo de experiências intensivo em presença, identidade e continuidade. É uma definição simples, daquelas que a gente entende todas as palavras na lata. Mas o que ela quer dizer? Qual é a complexidade que tem que estar por trás desta simplicidade para que, pela frente, role um metaverso de verdade? Isso demanda outras definições e a conjunção delas para ser entendida em todas as suas implicações. Neste segundo post da série, a gente vai tratar o metaverso de uma forma bem abstrata -e histórica. Começando por definir fluxos.

Um fluxo, usando a clássica definição de Castells [em 1996, bit.ly/3O5CpK9] para o que acontece na [e cria a] sociedade em rede… “são sequências de trocas e interações propositais, repetitivas e programáveis, realizadas por atores sociais [pessoas, organizações, coisas…] situados em posições potencialmente disjuntas do ponto de vista físico, sobre as estruturas econômicas, políticas e simbólicas da sociedade”. Plataformas digitais [e figitais, bit.ly/futurosfigitais] são boa parte das “estruturas econômicas, políticas e simbólicas da sociedade” que tornam o mundo, hoje, o que ele é.

As plataformas -conectadas em rede- habilitam a rede e seus efeitos, o que transforma um espaço de lugares em um espaço de fluxos, que dependem de e demandam novas formas de conexão, relacionamento e interação para transformar agentes potencialmente em rede em atores sociais. As interações levam à criação de significados compartilhados, base para o estabelecimento de comunidades e mercados em rede. Na sociedade em rede imaginada por Castells, as redes emergem das fundações, deixam de ser a infraestrutura da realidade [“abaixo da superfície”] e se tornam a ser a superestrutura dela [“acima da superfície”].

A rede [“abstrata”], acima da superfície [o “concreto”], captura a superfície e a transforma, embutindo [e às vezes descartando] o concreto no abstrato e habilitando novos fluxos, desenhando o espaço digital-social para e com novos agentes. Para ter ideia da magnitude desta transição de fase ao nosso redor, há pelo menos cem brasileirxs [julho de 2022, bit.ly/3Psq7wR] que, como agentes [“abstratos”] em rede digital, têm mais conexões e relacionamentos no Instagram do que a Rede Globo, indubitavelmente o maior e mais poderoso agente de rede analógica [“concreta”] do país em todos os tempos.

Quase toda literatura da transição digital falha quando estabelece uma dicotomia entre o real e o virtual, como se o mundo “virtual” não fosse “real”; os dois, no entanto, não são opostos. Esse é o caso entre o concreto e seu virtual, o abstrato. Mas os dois são reais e, claro, há simulações [ou abstrações…] de “coisas” concretas, como um avatar que me representa num jogo digital.

Antes que a gente tropece e caia noutro debate… não, “games” não são metaversos, por mais fiéis os simulacros -os abstratos- criados por código em game engines e apresentados pelas melhores e mais cara$ placas gráfica$ e monitore$. A tentativa do texto, aqui, é cercar o conceito de metaverso -quase do ponto filosófico- pra simplificar, muito, as respostas a outras perguntas como… “onde fica” o metaverso?…

Bem antes de se pensar em internet, redes sociais, mundos virtuais e -óbvio- metaverso, um dos maiores filósofos contemporâneos [Jean Baudrillard, em Simulacres et Simulation, 1981, bit.ly/3aytBz0], ao falar sobre o concreto e o abstrato, dizia: “a abstração de hoje não é mais a do mapa, do dual, espelho ou conceito. A simulação não é mais de um território, um ser referencial ou uma substância. São modelos gerando um real sem origem nem realidade: um hiper-real. O território já não precede o mapa, nem sobrevive a ele. É o mapa que antecede o território -a precessão dos simulacros- é o mapa que engendra o território e se reavivarmos hoje a fábula [de Borges, abaixo] seriam os fiapos do território a apodrecer lentamente sobre o mapa. É o real, e não o mapa, cujos vestígios subsistem aqui e ali, nos desertos que não são mais os do Império, mas os nossos. O deserto do próprio real.”

Baudrillard também caiu na armadilha de opor o real ao virtual; Tivesse dito… “É o concreto, e não o mapa [abstrato], cujos vestígios subsistem aqui e ali…”, tudo ficaria muito mais elegante. Mas vamos deixar o grande mestre em paz, até porque outros simulacros [de moedas!] estão na agenda e associados a múltiplas definições e pilotos do metaverso… e ele também [Hype, Hope, Repeat: Cryptocurrency and Symbolic Value, em bit.ly/3OZi0b7] tem muito a dizer sobre o assunto.

E a fábula?… Em 1946, Jorge Luis Borges escreveu uma estória de um parágrafo, intitulada “Del Rigor em la Ciencia”; redescoberta nos anos 1970/1980, uma parábola fundamental para descrever simulacros extremos de forma concisa e que captura a imaginação dos leitores e estudiosos. No original…

“…En aquel Imperio, el Arte de la Cartografía logró tal Perfección que el mapa de una sola Provincia ocupaba toda una Ciudad, y el mapa del Imperio, toda una Provincia. Con el tiempo, estos Mapas Desmesurados no satisficieron y los Colegios de Cartógrafos levantaron un Mapa del Imperio, que tenía el tamaño del Imperio y coincidía puntualmente con él. Menos Adictas al Estudio de la Cartografía, las Generaciones Siguientes entendieron que ese dilatado Mapa era Inútil y no sin Impiedad lo entregaron a las Inclemencias del Sol y los Inviernos. En los desiertos del Oeste perduran despedazadas Ruinas del Mapa, habitadas por Animales y por Mendigos; en todo el País no hay otra reliquia de las Disciplinas Geográficas.”

Theatrum Orbis Terrarum,  Abraham Ortelius, bit.ly/3IzdXjq.

Se o mapa rigoroso de Borges, uma abstração que representava todo o espaço concreto do império em escala 1:1… fosse escrito em código, encantado como resultado da performance de uma rede de plataformas figitais que habilitavam ecossistemas coopetitivos, onde -por sua vez- as ações dos habitantes do império pudessem ser realizadas de forma possivelmente coerente, consistente e até sincronizada com sua presença concreta no espaço físico… preservando sua identidade num nível de detalhe que tornasse a representação indistinguível da pessoa concreta [com você, leitor] e tal existência tivesse uma continuidade tal[como abstração]que sua interrupção significasse, ao mesmo tempo, o colapso do espaço físico correspondente, aí, sim, estaríamos “dentro” de um metaverso.

Um “mapa”, digital e social, encapsulando todo o espaço físico e tudo o que de “concreto” lá existe, para lhe dar uma “vida” abstrata… e formas de transitar entre o concreto e o abstrato… carregando um sentimento intenso de presença [#comofaz?], com identidade soberana [o que?] e intencionalidade e continuidade [como assim?…] das experiências nos fluxos dos quais os agentes em rede participam.

Essa série continua. O próximo episódio… Há sinais do metaverso? Onde?… está no link bit.ly/3oqM1VG.

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Eu vou dar um mini-curso sobre o METAVERSO na academy.TDS.company começando no dia 3 de agosto. Muito mais conceito do que hype, muito mais hipóteses do que certezas, mas muito mais realidade do que virtual, pra gente discutir como chegar de verdade, MVP a MVP lá no metaverso, a partir de agora. Vá ver; não há pré-requisitos, todos são bem vindos.

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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