aaron swartz: viveu por uma rede livre, aberta, de todos. morreu muito antes.

Quantas pessoas, entre as que você conhece, escreveram um testamento aos 15 anos? quem conheceu aaron swartz sabia de pelo menos um. o conjunto de seus últimos desejos foi publicado em 2002, nesta página. caso seja atingido por um caminhão, swartz pede que o conteúdo de seus discos seja amplamente divulgado e que o software que escreveu seja entregue à free software foundation. swartz não foi atingido por um caminhão. mas, sexta passada, deu fim à própria vida.

Lawrence Lessig and Aaron Swartz

[na foto, Lawrence Lessig and Aaron Swartz (2002) / Rich Gibson / CC BY]

não vou escrever um obituário, não tenho conhecimento para tal. para saber quem foi swartz, basta procurar por aaron swartz aqui e aqui. aaron era um destes gênios que a humanidade só vê muito de vez por outra. o que dizer de quem foi um dos autores do protocolo RSS aos 14 anos de idade? antes dos 26, havia sido parte do grupo que fez creative commons, tinha fundado reddit, estava por trás de um esforço para abrir ao público os registros legais e processuais dos EUA e foi uma das mais ativas resistências às propostas SOPA e PIPA, as “leis azeredo” dos EUA?

larry lessig, que sempre esteve muito perto de aaron, escreveu sobre sua morte e as circunstâncias dela, criadas por um estado onde arquitetos da crise financeira continuam jantando na casa branca [e no planalto…] sem que lhes seja atribuída a mínima responsabilidade pelo estado de coisas do planeta, enquanto alguém que, gozando de seus direitos legais, ao copiar textos acadêmicos de valor discutível, sofre um processo de quatro milhões de dólares e possíveis cinquenta anos preso. o texto está neste link… e passa por:

In that world, the question this government needs to answer is why it was so necessary that Aaron Swartz be labeled a “felon.” For in the 18 months of negotiations, that was what he was not willing to accept, and so that was the reason he was facing a million dollar trial in April — his wealth bled dry, yet unable to appeal openly to us for the financial help he needed to fund his defense, at least without risking the ire of a district court judge. And so as wrong and misguided and fucking sad as this is, I get how the prospect of this fight, defenseless, made it make sense to this brilliant but troubled boy to end it.

Fifty years in jail, charges our government. Somehow, we need to get beyond the “I’m right so I’m right to nuke you” ethics that dominates our time.
That begins with one word: Shame.

One word, and endless tears.

o poder dos estados, segundo charlie nesson, fundador do berkman center, deve ser limitado, proibindo penas e recompensas que sejam tão severas e opressivas ao ponto de serem totalmente desproporcionais à ofensa e obviamente sem razão de ser. não seria este o caso do processo contra swartz? acusações que não tinham o aval de quem tinha direito sobre as cópias dos artigos [JSTOR, veja este link]? processo onde o MIT, um pilar da academia americana, parece ter deixado de lado seus princípios? a investigação ordenada pelo seu reitor, horas depois da morte de swartz, tentará descobrir o papel da instituição no processo e nos eventos que levaram ao suicídio de swartz. e o clima, ao redor do instituto de tecnologia mais famoso do planeta, não é calmo: este domingo, ao meio dia, houve um protesto por lá, deixando claro que muitos vêem o MIT como um dos responsáveis, senão culpado, pelas circunstâncias que levaram à morte de swartz.

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há sempre os que acham que a lei deve ser cobrada e cumprida a qualquer custo. mesmo que leve vidas como swartz. eu discordo. a maioria dos sistemas legais do planeta está voltando à insalubridade dos que mataram tiradentes e tantos outros, desde sócrates e bem antes. sócrates –hoje um herói da civilização ocidental- foi condenado à morte porque era um crítico social e moral, discordava de poderosos e punha o poder em cheque o tempo todo, em especial exatamente o que foi usado no caso de swartz, might makes right. em outras palavras, para quem tem a força, tudo que se quer e pode fazer está certo.

há muitas diferenças entre as gêneses e vida de sócrates e swartz. mas as condições das mortes de ambos são muito similares: sócrates, condenado por corromper os jovens com suas ideias, teve por sentença o exílio definitivo ou o corte da língua. ou então a morte, caso não aceitasse os dois primeiros castigos. decidiu-se pela terceira opção, pois não mais seria sócrates se aceitasse um dos primeiros. foi coerente até o fim, o filósofo.

swartz, o ativista, não esperou. sabia que o “sistema” iria fazer dele o exemplo para centenas de milhões que fazem o mesmo, ou muito mais do que ele fez. um laptop, com acesso legítimo a uma rede aberta, fazendo downloads legais?… ninguém foi atingido, nenhum mal maior foi feito. cinquenta anos de cadeia por isso?… era o sistema, ávido atrás de um de seus maiores e mais brilhantes críticos, querendo vingança a qualquer custo. para swartz, que sofria de depressão, a perspectiva de uma vida atrás das grades, por um mal que ele tinha certeza não ter causado, não era aceitável. nem por ele nem por ninguém consciente. por isso que ele se foi.

no brasil, no auge da discussão sobre o marco civil para a internet, se combateu o erro de legislar sobre a criminalização de comportamentos antes de determinar os direitos e os deveres de todos, sob todos os aspectos, neste novo espaço social, político, filosófico e econômico definido pela internet e suas consequências. a lei sob a qual se processava swartz, nos EUA, é uma radicalização da original, de 1986, intencionalmente modificada para deixar vago o que é um “crime” online. é um caso de might makes right, da parte do estado, com colaboração de agências federais e de incumbentes e suas associações, como a RIAA. interpretando a lei, o poder federal em massachussets “achou” 13 acusações a swartz, tornando quase impossível sua absolvição.

aqui, já estamos correndo riscos como o de swartz, nos EUA. já estamos definindo crimes antes de estabelecer direitos e as consequências… e veremos com o tempo quão errados estamos, agora, ao ceder à pressa, ao casuísmo, à pressão de grupos de interesse por mais “força” [might makes right!] para tornar a rede teoricamente mais segura para “todos”. parece que vamos precisar de eventos tão trágicos como a perda de pessoas tão preciosas para, depois, mudar as regras. infelizmente. pena.

uma coisa é certa: antes, ao tempo de tiradentes, quem queria mudar o brasil olhava para os EUA com esperança. a inovação representada por uma federação de estados americanos era óbvia inspiração para a época e muito se fez, no mundo, a partir dela. hoje, tenho minhas sérias dúvidas; parece que, ao invés de manter a dianteira na inovação institucional, os EUA estão se subdesenvolvendo em grande velocidade… e vão chegar ao nível brasileiro em muitas coisas, em breve. isso se a gente conseguir ficar no mesmo lugar e não regredir ainda mais rapidamente que eles, como muitos de nossos representantes deixam bem claro que querem.

a aaron swartz, o devido tributo por ter tentado evitar justamente isso, lá. tomara que muitos, aqui, em rede, façamos sempre a nossa parte. para que não tenhamos que lamentar as perdas de nossos swartz, como tantos na américa o fazem agora.

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“We need to take information, wherever it is stored, make our copies and share them with the world. We need to take stuff that’s out of copyright and add it to the archive. We need to buy secret databases and put them on the Web. We need to download scientific journals and upload them to file sharing networks.”

aaron swartz, guerilla open acces manifesto, 2008.

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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