Este é o quinto de uma série de textos curtos, de uns poucos parágrafos e alguns links, sobre o que pode acontecer, ou se tornar digno de nota, nos próximos meses e poucos anos. Como há uma tradição de, no fim do ano, pensar sobre as possibilidades do ano que vem, o título fala de… 23 anotações sobre 2023. O primeiro texto [Guerra. Eterna?] está no link bit.ly/3B0mysO, o segundo [Inflação. Recessão? E Investimento?] em… bit.ly/3ir4PUR, o terceiro [Energia e Descarbonização] em… bit.ly/3gUdD5w, o quarto [Sociedade & Política], em bit.ly/3FrM50P, o sexto [Plataformas & Ecossistemas], em bit.ly/3VEcxK3, o sétimo [Efeitos de Rede, Escala e Sustentabilidade]. em bit.ly/3BjJUK1, o oitavo [O Mundo é Figital], em bit.ly/3FEmMJ2, o nono [Marketing é Estratégia, Figital], em bit.ly/3FfDJrI, o décimo, [5G & Internet das Coisas], em bit.ly/3W8yVLC e o décimo primeiro, [Indústria… 4.0?], em bit.ly/3BpZuUK.
Pessoas & Costumes
Quando a pandemia começou, alguém muito importante disse que o efeito era como se o mundo tivesse sido atingido por um meteoro. Mas não. Nada era nada parecido. Tínhamos sido atingidos por um vírus, mesmo, e o sistema operacional da humanidade, que estamos construindo desde o Neolítico, não tinha -e não tem, e há sérias dúvidas se terá, algum dia- um antivírus. Há algo como 1,7 milhão de vírus desconhecidos em repositórios animais. De cada mil, um é um coronavírus. Então… há 1,7 mil coronavírus que não conhecemos, nos esperando por aí. E estamos provocando o ecossistema o tempo todo, cada vez mais intensamente e criando as condições para que eles se espalhem no ambiente e nos ataquem. E nós… sem um antivírus.
Estamos numa nave -que também pode ser pensada como uma armadilha- chamada Planeta Terra. Nosso comportamento, na nave, quando consideramos os efeitos de longo prazo, é bizarro, insano. O uso indiscriminado de antibióticos gera bactérias que resistem absolutamente a tudo [exceto radiação]. O uso indiscriminado de conservantes e defensivos cria novos tipos de câncer que não conseguiremos tratar no sistema de saúde que temos hoje. Achamos que é “mais barato” destruir o meio ambiente para produzir carne mais barata; é “mais barato” destruir florestas para ter palmito no prato. Essa história de pensar e agir com o que é “mais barato”, no curto prazo, ferra tudo no longo prazo. Porque sempre -até bem próximo do fim do mundo- será “mais barato” fazer de um jeito que não leva em conta o ecossistema. Esse é o problema. Quando deixar de ser mais barato… talvez não tenhamos mais tempo para rever o que estamos fazendo.
Temos algo muito mais complicado para lidar do que COVID19, um problema inteiro que vem se desenvolvendo há 200 anos: o aquecimento global. As petroleiras sabiam das consequências há 50, 70 anos, mas continuaram incentivando o uso de combustíveis fósseis como se não houvesse amanhã. Há hipóteses [tratadas como dogmas] totalmente estúpidas de um certo capitalismo de imbecis, aceitas por muitos tipos de pessoas, tipo “como a Terra está ferrada, vamos colonizar Marte…”. O custo de habitar Marte, minimamente, é muuuitas ordens de magnitude maior que o de desenvolver uma humanidade coerente e sustentável na Terra. Marte, agora, é uma das maiores ideias de jerico do universo. De todos os tempos.
Até aqui, boa parte do texto vem de uma entrevista que dei pro Colabora [bit.ly/3mtJDLS], no começo de 2021. Não é que eu estava particularmente pessimista sobre o comportamento das pessoas e o futuro do planeta. Era um dia normal, uma conversa normal, o sol brilhava lindamente, ignorando, impávido colosso, os devaneios do Silicon Valley. Acontece que, como dizia Ariano Suassuna, sou um realista esperançoso. Entendo [acho] pelo menos parte da complexidade e complicação em que vivemos. E tenho a real, verdadeira esperança de que não destruiremos tudo, por nada. Mas o fato é que nossa velocidade [conjuntural] de destruição da Terra inviabiliza o planeta no curto prazo. Levando isso em conta, nossa velocidade [estrutural] de construção de alternativas à Terra inviabiliza a humanidade, também no curto prazo. Aí, é preciso trabalhar para que a gente não destrua o planeta, no curto prazo, e crie alternativas locais -quer dizer, na Terra- sustentáveis, no curto prazo, para que no médio prazo [em escala solar, bit.ly/3FqgvAg] seja possível preservar a humanidade.
Perto disso, qualquer outra discussão sobre pessoas e comportamentos parece irrelevante. E é. Mas… mesmo assim, o mundo gira, a rede conecta, e não só cada um, mas o todo: 81% da população do planeta tem um smartphone e uma conta de dados, meros 15 anos depois do primeiro equipamento de computação e comunicação para informatização pessoal [sim, um smartphone] aparecer numa prateleira em qualquer lugar do mundo. Hoje, 76% de quem está conectado se envolve em comunidades online e, destes, 81% aumentou sua participação nos grupos durante COVID19 [bit.ly/3Fqpz8j]. Este é um dos sinais de que os humanos continuam funcionando como desde sempre: conectados uns aos outros, interdependentes, gregários, fazendo alianças, procurando pontos comuns, de associação. E mesmo com tanta intensidade das conexões virtuais, muita gente quer ir nos espaços físicos, mesmo que não precise: 44% das pessoas prefere uma experiência de compra em loja física [bit.ly/3FpAtep]. Isso quer dizer que não vamos nos isolar em casa, fechados para sempre, vendo uns aos outros numa telinha.
Por outro lado, sair de casa -hoje- exige atrações especiais do lado de fora: mais gente prepara comida em casa [44%], cortando comida fora de casa [34%] e férias [24%, bit.ly/3gZwWu5]. Os dados dos EUA mostram que a venda de ingressos para sessões de cinema ainda estão 30% abaixo da média de antes da pandemia [bloom.bg/3iyJclI]. Quem faz cinema argumenta que os filmes “de” cinema são melhores e maiores do que os “de” streaming, quase sem mencionar que os primeiros remuneram quase todo mundo bem melhor do que os segundos. Mas os críticos dizem que menos gente está indo ao cinema porque os produtores estão criando menos e sequências e historias em quadrinhos na tela têm seus limites óbvios. Junte os efeitos da pandemia e [talvez] o que passa na tela e, no Brasil, onde as carteiras estão mais apertadas, a presença nas salas de cinema hoje é só 50% do que era antes da pandemia [glo.bo/3VvcfoM].
Na pandemia, as pessoas investiram nas suas casas; TVs de mais de 55 polegadas venderam 40% mais em 2020, em relação ao ano anterior [bit.ly/3Vxqb1H]. No primeiro bimestre de 2021, as vendas de telas entre 56 e 59″ cresceram 76% em relação ao mesmo período de 2020 [glo.bo/3uof6UD]. Um dos resultados é que, no fim de 2022, 57% das casas brasileiras têm TVs conectadas. Ficar em casa, na pandemia, fez as pessoas investirem nas casas e usar bem mais tudo o que têm em casa, até por falta de alternativa ou percepção de insegurança fora de casa. E uma boa parte desta mudança de comportamento se estabeleceu definitivamente depois da pandemia.
Faz parte: a gente passou -pelo menos eu passei- mais de um ano só em casa, e meu domínio do fogão aumentou consideravelmente. Isso me levou a “aprimorar” minha versão de ovos shakshuka para o café da manhã [bit.ly/3Uy4AVp] e tentar mais receitas, mais complexas. Imagina quem já sabia cozinhar… Esse “quem já sabia” é algo de que falamos nas 21 anotações sobre 2021 [no link bit.ly/21notas21]: lá, a gente disse que as pessoas haviam dado um salto [de comportamento digital e social] de 2020 para 2025, enquanto as empresas continuavam, em sua vasta maioria, antes de 2020 [isso em 2021]. Em resumo… parece óbvio que as pessoas, que não têm as amarras das regras e hierarquias, necessidade de adaptar métodos e processos dos negócios, aprendem muito mais rápido, até porque podem tentar e errar sem o risco de sofrer o que sofrem nas empresas.
Na verdade, falando do texto de 23/12/2020 sobre 2021, não há muita coisa que mudou de lá para cá… inclusive sobre blockchain e bitcoin [veja as anotações 8 e 9: bit.ly/21notas21]. Ainda mais sobre pessoas e comportamento: o que estamos vendo, agora, é a absorção do choque de realidade e percepção causado pela pandemia -aí incluído o risco real de vida, combinado com o aprendizado e transformação dos hábitos, da vida caseira à do trabalho, da diversão e da escola.
Em quase tudo, há um aprofundamento do que a gente aprendeu e se tornou útil e relevante na pandemia, combinado com um descarte de quase tudo que a gente descobriu que não precisava mais. O quase tudo que quase todo mundo já fazia e continua fazendo passou a ser cada vez mais articulado pela dimensão social da realidade, e a porta de entrada -quando não a busca e descoberta dela- passou a ser cada vez mais digital. Não que a realidade física tenha sumido; ninguém nunca fez um download de água [em bits] e, de resto, bits não matam sede, nem resolvem fome [mesmo que bits possam ser usados para programar o cérebro e zerar a sensação de sede e fome].
Aí… entram “tendências” para 2023 que alguém “descobre”, tipo “marketing de criadores” [bit.ly/3unai1J]. Pera… desde que se começou a ter redes sociais de verdade [depois de smartphones, a partr de 2007, e em escala, a partir de 2010…] e até antes, com blogs, qualquer um era, se quisesse, um criador. Tudo bem que as ferramentas eram mais rudimentares, mas… rolava.
Com a escala das redes sociais, a capacidade da infraestrutura, as contas de dados muito mais baratas que passaram a permitir vídeo de qualidade mínima para quase todos os 6,5 bilhões de pessoas que têm um smartphone no mundo inteiro, “criadores”… muitos dos quais vindos da TV, passaram a abrir “canais” [e não, diga-se de passagem, “comunidades”] que, nas plataformas que deveriam habilitar redes sociais, funcionam como os antigos “canais” analógicos de TV, tendo até mais impacto do que os “canais” legados que transmitem, hoje, na TV aberta, de forma digital. De certa forma, não mudou nada, até porque a “produção” de muitos dos “criadores” com maior “audiência” parece muito com a da TV, deixando para trás os salamaleques e o formalismo da época de Jota Silvestre e Flávio Cavalcanti. Também, não era para menos…
Em resumo? Os dados que temos agora mostram que adoção de novos comportamentos, habilitados pelas dimensões digitais e sociais do espaço digital [bit.ly/futurosfigitais] foi acelerada pela pandemia, por pelo menos 3 a 4 anos em média, em quase todos os mercados, só na primeira metade de 2020 [mck.co/3unKhPU]. Do outro lado do balcão, a pandemia acelerou a adoção de tecnologias digitais pelos negócios em 3 a 7 anos em meses, até 2021 [mck.co/3gZEJIe].
Competir neste contexto demanda novas estratégias e práticas, onde tecnologias de informação e comunicação e suas aplicações no negócio passam a ser críticas, não apenas uma fonte de eficiência e redução de custos. Do ponto de vista dos negócios, 2023 vai ser mais um ano de mudanças radicais nas plataformas que habilitam performance e competitividade. Quem não conseguir estabelecer suas novas e renovadas soluções no espaço figital não será economicamente viável. E é para isso que existe o grande cemitério dos CNPJ…