23 anotações sobre 2023 [vi]

Este é o sexto de uma série de textos curtos, de uns poucos parágrafos e alguns links, sobre o que pode acontecer, ou se tornar digno de nota, nos próximos meses e poucos anos. Como há uma tradição de, no fim do ano, pensar sobre as possibilidades do ano que vem, o título fala de… 23 anotações sobre 2023. O primeiro texto [Guerra. Eterna?] está no link bit.ly/3B0mysO, o segundo [Inflação. Recessão? E Investimento?] em… bit.ly/3ir4PUR, o terceiro [Energia e Descarbonização] em… bit.ly/3gUdD5w, o quarto [Sociedade & Política], em bit.ly/3FrM50P, o quinto [Pessoas & Costumes] em… bit.ly/3H7CAFb, o sétimo [Efeitos de Rede, Escala e Sustentabilidade]. em bit.ly/3BjJUK1, o oitavo [O Mundo é Figital], em bit.ly/3FEmMJ2, o nono [Marketing é Estratégia, Figital], em bit.ly/3FfDJrI, o décimo, [5G & Internet das Coisas], em bit.ly/3W8yVLC e o décimo primeiro, [Indústria… 4.0?], em bit.ly/3BpZuUK.

Plataformas & Ecossistemas

Segundo Marc Andreesen, plataformas são sistemas [de informação] que podem ser programados e personalizados por desenvolvedores externos -usuários- e adaptados a necessidades e demandas que seus desenvolvedores originais não contemplaram por falta de tempo, recursos, conhecimento ou, talvez até mais apropriadamente, por opção estratégica, de adicionar ou não. Bora lembrar, daqui pra frente, que “se não é programável… não é uma plataforma”. Então… quase todas as auto-intituladas “plataformas” que você conhece… não são plataformas, mas meros “sistemas de informação” em rede… sobre os quais normalmente não dá pra criar uma… economia “de plataforma”, por razões agora absolutamente evidentes e óbvias.

Pra deixar mais claro e ainda mais explícito, plataformas são camadas de [1] infraestrutura -hardware, quase sempre, de processadores e repositórios de informação a prédios e veículos-, [2] serviços -software, quase sempre, como listas [ou catálogos], busca, pagamento, roteamento, atendimento…-, mediados por [3] sistemas de governança, que estabelecem como [de protocolos a direitos de acesso, uso e custos] as [4] interfaces para 1+2 poderem ser usadas por quem está dentro e fora do provedor da plataforma para criar [5] as aplicações que usam a infraestrutura e os serviços para possibilitar as conexões e relacionamentos que formam as redes que, por sua vez, habilitam [6] comunidades, onde em última análise se dão as interações e transações que formam os [7] ecossistemas de criação, entrega e captura de valor para todos os agentes em rede, sejam eles pessoas, organizações ou coisas.

Esta anotação poderia terminar nos dois parágrafos acima, com este último adicionando apenas que, para competir em 2023 e depois… ou seu negócio é uma plataforma que habilita um ecossistema [como o magalu…] ou seu negócio faz parte de um ecossistema habilitado por uma plataforma. Mas é muito mais complexo do que esta pretensa simplicidade. Pra começar, certas plataformas [e seus ecossistemas] dão mais certo do que outras. E há razões [quase] filosóficas pra isso: durante décadas, competição se deu em e entre cadeias de valor, como se a estratégia rolasse num tabuleiro de xadrez. O espírito era de “capturar, ordenar e controlar” parceiros e fornecedores num molde fixo, definido pelo “dono” da cadeia, que literalmente prendia por lá todos os outros participantes. No universo de plataformas e ecossistemas, a filosofia é de “descobrir, habilitar e empoderar” os mesmos agentes [bit.ly/3ueZyD5]. Em ecossistemas habilitados por plataformas, estratégia é criada e se desenrola em redes, escritas em código, o tempo todo, por muitos agentes, e todos ao mesmo tempo. Inclusive, caso sua turma tenha competência, estratégia e sorte, você.

E as plataformas que interessam são figitais, ao invés de simplesmente digitais: incluímos as dimensões física e social das infraestruturas e serviços e, aí, as possibilidades e combinações aumentam significativamente, porque não se trata de usar apenas as interfaces digitais de programação das plataformas, mas de, através delas, acionar agentes nas três dimensões do espaço figital. E eles incluem, para começar, tudo o que faz parte da internet das coisas, objetos físicos, suas propriedades e conexões, dentro do escopo da plataforma.

As infraestruturas e serviços que servem de base para a plataforma devem ser interdependentes, devidamente orquestradas, livres de burocracia, para que possam ser usadas para realizar outras ações de forma elegante, o que demanda times, ágeis e flexíveis, parte de uma organização em rede, que aprende continuamente com o que percebe dentro e fora dela. O uso da plataforma pelo ecossistema deve, o tempo todo, causar processos de adaptação, evolução e transformação na própria plataforma. Isso quer dizer que a dinâmica do seu negócio rola em tempo quase real com o que acontece no seu mercado… que está dentro de um ecossistema habilitado por plataformas, inclusive a sua, se você tiver uma.

Plataformas não são um novo tipo de silo. Nem uma torre de castelo figital, no centro da organização, onde o poder incumbente se protege do mundo ao redor e tenta se defender da influência e da contaminação do que está rolando “lá fora”. Muito pelo contrário. A velha noção de propriedade dos equipamentos digitais da empresa, lá dos porões dos velhos CPDs, não tem lugar no espaço-tempo das plataformas, onde CTO quer dizer muito mais chief transformation officer do que chief technology officer. Porque tudo é software, e a transformação do negócio começa pela transformação das competências e habilidades para [re]escrever o negócio em código, e de fora pra dentro, ao invés do histórico de dentro para dentro ou, no máximo, de dentro para fora [veja Fundações para os Futuros Figitais, em… bit.ly/3Uygxui].

Uma transformação baseada em plataformas não é simplesmente a introdução de novas tecnologias numa empresa, é uma mudança radical na arquitetura, métodos e processo de criar valor na casa, o que muda a organização… e o poder. Se der certo, claro. Se nada do que falei aí atrás mudou, é porque deu errado. Lembre-se disso. Uma transformação acaba com a noção de que há um “pessoal de tecnologia”, quase sempre chamado de “a TI”, a serviço dos donos dos outros departamentos do negócio, pra “implementar” e “rodar” o que “eles” querem, sempre com uma fila quase infinita de coisas a fazer. Times de genspecialistas passam a ser, em organizações em transformação, quem toca a coisa, sua plataforma, orquestram o ecossistema, em conjunto, em rede, de forma ágil.

Mas… que são genspecialistas? Um especialista, como sabemos, é uma pessoa que sabe quase tudo sobre quase nada. E a vasta maioria deles tem certeza de o quase nada do qual sabem quase tudo é a solução não para um problema qualquer, mas para todos os problemas da humanidade. Um caso particular dos especialistas são pessoas afetadas pela síndrome de recém doutor, que se dá nos primeiros 5 a 10 anos depois da conclusão de um doutorado. Um generalista, como sabemos, é uma pessoa que sabe quase nada sobre quase tudo. E a vasta maioria deles tem certeza de que, não um problema qualquer, mas todos os problemas da humanidade são rasos e simples o suficiente para serem definidos e resolvidos como o quase nada que sabem sobre quase tudo. As redes sociais são habitadas por uma abundância destes seres, que por sua vez se arvoram a especialistas em tudo, em plena luz do dia.

Genspecialistas são pessoas que sabem quase tudo do quase nada que é a sua especialidade, mas têm o bom senso de saber que isso, por si só, não resolve [quase] nenhum problema e a capacidade de atrair, cooperar e colaborar com outros genspecialistas em outras competências e habilidades é o que define a capacidade de resolver os problemas da vida real. Se seu negócio [de plataformas e ecossistemas ou não] já tiver uma rede deles, parabéns. Trate de fazer o impossível para mantê-los, porque o possível, que foi atraí-los, voce já fez. Se você não tem uma turma dessas… e não consegue atrair uma… rapaz, seu negócio está a caminho do grande cemitério dos CNPJ.

E o que os times de genspecialistas vão -principalmente- fazer na sua “firma”? Simples: criar, manter, adaptar e evoluir sua [presença numa] plataforma e inverter seu modelo de negócios. O bê-a-bá dessa parada está em Digital Transformation Changes How Companies Create Value, [de Alstyne+Parker, na HBR 2021, bit.ly/3K5dzZm] e o resumo esta nos poucos pontos a seguir: [1] transformação figital [eles falam digital, lá, mas é figital, aqui] afeta quem, como e onde se cria valor, e como o modelo de negócios é estruturado; [2] o maior valor da transformação figital vem de coordenar a criação de valor externo, não de [melhor] automação; [3] plataformas que habilitam ecossistemas provêem ferramentas e mercado para empoderar a rede de parceiros e intermediários; [4] a regra de ouro, em todos os casos, é… “crie mais valor do que você captura”; [5] isso exige uma transformação de mentalidade… de “como eu ganho dinheiro?” para “como nós criamos valor juntos?”… o que leva a uma [6] inversão do modelo de negócios: quanto mais valor criado de fora para dentro do negócio, melhor. O que leva ao último ponto do resumo… [7]: nos negócios invertidos, a chave da estratégia está nos efeitos de rede [quanto mais gente usa alguma coisa, mais gente quer e vai usar a mesma coisa]. A gente vai falar disso -efeitos de rede- noutro episódio desta série.

Plataformas, ecossistemas e sua economia são tão relevantes para o futuro dos negócios, das pessoas, das comunidades, dos governos [isso!] e das relações entre todos -e não só em 2023, mas daqui pra frente- que vamos sair da informalidade destas notas e recomendar a leitura de um trabalho acadêmico muito citado e ao mesmo tempo inteligível pra quem quer saber mais. Clique em bit.ly/3P5hd9m e vá ler, de Andreas Hein et al., Digital Platform Ecosystems.

Se você precisar de mais leitura [espero que sim…], sugiro Carmelo Cennamo, Competing in digital markets: A platform-based perspective, no link bit.ly/3h52w9U.

Em algum lugar, lá, você vai ler que… mercados baseados em plataformas estão alterando criticamente a maneira como as empresas geram e entregam valor aos clientes e, portanto, a forma como as empresas competem no mercado. Com o valor mudando cada vez mais de um produto autônomo para sistemas de plataforma, os limites do mercado [de produtos] não são mais relevantes para definir o tipo e a intensidade da concorrência e identificar concorrentes relevantes. Tomara que, no seu negócio, o entendimento dessas duas frases e suas consequências não passe de 2023.

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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