Este é o 19° de uma série de textos curtos, de uns poucos parágrafos e alguns links, sobre o que pode acontecer, ou se tornar digno de nota, nos próximos meses e poucos anos. Como há uma tradição de, no fim do ano, pensar sobre as possibilidades do ano que vem, o título fala de… 23 anotações sobre 2023. O 1° texto [Guerra. Eterna?] está no link bit.ly/3B0mysO, o 2° [Inflação. Recessão? E Investimento?] em… bit.ly/3ir4PUR, o 3° [Energia e Descarbonização] em… bit.ly/3gUdD5w, o 4° [Sociedade & Política] em bit.ly/3FrM50P, o 5° [Pessoas & Costumes] em… bit.ly/3H7CAFb, o 6° [Plataformas & Ecossistemas] em bit.ly/3VEcxK3, o 7° [Efeitos de Rede, Escala e Sustentabilidade] em bit.ly/3BjJUK1, o 8° [O Mundo é Figital] em bit.ly/3FEmMJ2, o 9° [Marketing é Estratégia, Figital] em bit.ly/3FfDJrI, o 10° [5G & Internet das Coisas] em bit.ly/3W8yVLC, o 11° [Indústria… 4.0?] em bit.ly/3BpZuUK, o 12° [Inteligência Artificial e Grandes Algoritmos] no link bit.ly/3FJMKdS, o 13° [DADOS, Análises e DECISÕES] em bit.ly/3VXR678, o 14° [BLOCKCHAIN e aplicações] no link… bit.ly/3BAEMBy, o 15° [SEGURANÇA de Informação] em bit.ly/3j0yjct, o 16° [Destruição Criativa, xTech… & Mídia] em bit.ly/3Ysy3Dq, o 17°, [VAREJO, FIGITAL], no link… bit.ly/3Yu0LE3 e o 18°, [METAVERSO, pra quê?], em bit.ly/3j7Zr9z.
Educação & Aprendizado: em Transformação
De volta à sala de aula, do fundamental menor à pós-graduação, há professores se perguntando, e uns aos outros, se algum dia a escola voltará ao “normal”. Ao mesmo tempo, alunos se perguntam por que voltaram pra sala de aula, pra assistir à mesma exposição que viam do conforto de suas casas -e com uma segunda tela pra conversar com os amigos e jogar. O normal dos professores é aquele tempo antigo, antes da pandemia, quando aulas eram presenciais. Na verdade, o normal era o tempo quando havia… aulas, que persistem até hoje por um sem-número de razões.
Aliás, a tradição ocidental do aprendizado [social] começa com a escola aberta [bit.ly/escolafigital]: a Academia de Platão [Ἀκαδημία, Atenas, 387AC, bit.ly/3WbyvEq] criava conhecimento debatendo em espaços abertos, sem muros, o que era um problema a menos, para um aprendizado baseado em… problemas. PBL [bit.ly/3I5nvof], há 2400 anos. Quase inacreditável, tanto o quanto o tempo quanto durou a Akademia, até 83AC. Crível, mesmo, é que tenha sido destruída por um ditador, Lucius Cornelius Sulla Felix. Típico, até hoje, inclusive aqui.
Aristóteles foi aluno da Akademia por 20 anos antes de fundar o Liceu, sua escola peripatética, em 334AC [bit.ly/3V5aUUB]; o filósofo caminhava com os discípulos ao ar livre, nas passagens sob os portais do Lykeion, lendo em voz alta e dando preleções. Aristóteles pode ser considerado o primeiro cientista ocidental; herdamos seu repertório intelectual, a forma de avaliar os problemas do mundo e investigá-los de maneira estruturada.
Descobrir, seja por uma perspectiva empírica ou especulativa, estava na essência das escolas gregas, espaços abertos, tanto do ponto de vista material, físico, quanto conceitual, da possibilidade do não saber a priori. E perguntar[-se] por que, sempre.
A escola era um espaço de descobertas, tentativa de constituir princípios, transcendente a tudo que é mutável. Com uma teoria basicamente empírica, Aristóteles começava a pensar a partir de fatos, correspondentes a experiências. E hoje temos humanos resistentes a fatos… e dados. Pense.
A escola foi se fechando com o fim da Antiguidade [que contrassenso…] e fechou de vez com a Idade Média: os muros das escolas de hoje -inclusive os virtuais, como as grades curriculares– são herança das escolas medievais, monásticas e episcopais. Espaços para ensinar, treinar pessoas que seguem um pensamento, repetem verdades estabelecidas a priori. E querem ouvi-las de volta.
Junto com os muros vieram os princípios do ensinar como uma ação monológica: uns poucos falam para muitos que ouvem, assimilam e repetem. Esse é o modelo da escola desde a Europa do séc. VI, com a Regula Sancti Benedicti [bit.ly/3FCgfgF] recomendando que para aprender [a repetir] os aprendizes [monjes] deveriam estar todos em um mesmo lugar e sob obediência ao abade.
Nessa escola não há espaço para descobertas, mas apenas para repetir informação já codificada, consolidada, certificada pelo poder. Especialmente nos livros sagrados, ensinado pelos donos do saber. Os livros, copiados manualmente, principal fonte de informação, eram guardados a sete chaves, para uns poucos privilegiados.
Uns poucos professores, hoje, já estão além do embate entre o Zoom e a sala de aula e bem mais preocupados com problemas reais da educação e do aprendizado. Um deles, filósofo especializado na Antiguidade, resolveu passar como dever de casa, para seus alunos do primeiro ano de Pedagogia na universidade, no primeiro dia de aula, a pergunta…
Qual é a relevância de Platão, da Academia e de Aristóteles e do Liceu, para a educação e aprendizagem de hoje?
Um aluno respondeu que…
Platão e Aristóteles são dois dos filósofos mais influentes da tradição ocidental, e suas ideias continuam a ser estudadas e debatidas até hoje. Platão fundou a Academia, a primeira instituição de ensino superior no mundo ocidental, na antiga Atenas, que foi. A Academia era conhecida por seu foco no estudo filosófico e científico, e foi lá que Platão desenvolveu e ensinou muitas de suas ideias, incluindo sua teoria das formas.
Aristóteles, que foi aluno de Platão na Academia, mais tarde fundou o Liceu em Atenas. O Lyceum também era um centro de estudos filosóficos e científicos, e Aristóteles ensinou e realizou pesquisas lá.
Tanto Platão quanto Aristóteles tiveram um impacto significativo no desenvolvimento da educação e da aprendizagem, e suas ideias continuam a ser relevantes hoje. As ideias de Platão sobre a importância da investigação filosófica e a busca da verdade continuam a influenciar a educação e o aprendizado, e seu conceito de “Formas” ou “Ideias” teve um impacto duradouro na maneira como pensamos sobre o conhecimento e a realidade.
Da mesma forma, as ideias de Aristóteles sobre a importância da observação empírica e do método científico tiveram um impacto duradouro na maneira como abordamos o estudo do mundo natural. Além disso, suas ideias sobre a natureza do conhecimento humano e o papel da lógica e da razão na busca da verdade continuam a ser estudadas e debatidas hoje.
No geral, o legado de Platão e Aristóteles continua a moldar nossa compreensão da educação e da aprendizagem, e suas ideias continuam a ser relevantes no mundo moderno.
E à segunda pergunta do mesmo “dever de casa”…
Podemos dizer que as atuais estratégias de educação e aprendizagem se beneficiariam de um renascimento dos métodos de Platão e Aristóteles para elicitar e criar conhecimento?
E o mesmo aluno respondeu…
Certamente é possível que as atuais estratégias de educação e aprendizado possam se beneficiar de uma compreensão e apreciação mais profundas dos métodos de investigação e criação de conhecimento desenvolvidos por Platão e Aristóteles. Ambos os filósofos estavam profundamente preocupados com a busca da verdade e a natureza do conhecimento, e suas ideias continuam a ser relevantes e influentes no mundo moderno.
Por exemplo, a ênfase de Platão na investigação filosófica e na busca da compreensão por meio do diálogo e do debate pode ser útil para ajudar os alunos a desenvolver habilidades de pensamento crítico e a capacidade de pensar profundamente sobre questões complexas. Da mesma forma, a ênfase de Aristóteles na observação empírica e no método científico pode ser útil para ajudar os alunos a desenvolver as habilidades necessárias para se engajar na investigação baseada em evidências e na solução de problemas.
No entanto, é importante notar que Platão e Aristóteles viveram e trabalharam em um contexto histórico e cultural muito diferente, e seria difícil simplesmente “reviver” seus métodos de elicitar e criar conhecimento em um ambiente educacional moderno. Em vez disso, pode ser mais útil considerar os insights e ideias duradouras desses filósofos e pensar sobre como eles podem ser incorporados às abordagens contemporâneas de educação e aprendizagem de maneiras que sejam significativas e relevantes.
Aluno do primeiro ano. Original [passou em detetores de plágio: bit.ly/3HNMzjb]. Nota 10. O que o professor não sabia é que a resposta foi criada -a partir das perguntas do professor- por ChatGPT [vá ver: bit.ly/3YqTWmP] usando uma técnica que o aluno não aprendeu na escola [prompt engineering, ou como fazer perguntas para inteligências artificiais conversacionais: bit.ly/3W8i4c4], que ele ainda por cima usou em DALL-E [um transformador de texto em imagem: bit.ly/3BMsRkf] para ilustrar seu “dever de casa” [vide abaixo].
Se faltava um incidente pra nos fazer repensar a educação medieval levada ao extremo pela era industrial [treinar pra repetir, sem refletir, em escala, sem questionar] e informatizada pelos sistemas digitais contemporâneos…. inteligência artificial na escala de bilhões [go.aws/3W990nu] e trilhões de parâmetros [pesos e desvios usados para fazer previsões] chegou pra ser o pingo que faltava no copo d’água dessa história.
No mínimo, ao invés de aprender respostas, parte significativa da educação vai tratar de aprender perguntas. E olha que a gente tá falando de uma pequena parte do universo de coisas que já estão por aí, e não do que vai existir, sem dúvida, em breve. você já usou WolframAlpha, por exemplo? Não é uma máquina de buscas, mas de respostas. Na imagem abaixo, parte da resposta à demanda “compare Brasil e Argentina” [que está no link… bit.ly/3WuuH0Z].
Do jeito que está, a educação é a burocracia do aprendizado. E as burocracias suspendem, temporariamente, a segunda lei da termodinâmica. Numa burocracia, é mais fácil criar um novo empecilho do que remover outro, já existente. Numa burocracia, é mais fácil tornar um processo mais complexo do que mais simples [Clay Shirky, The Collapse of Complex Business Models, 2010: bit.ly/9cZJ5v]. A complicação da educação faz os que deveriam ser os aprendizes perderam o ânimo com a vasta maioria dela. Até porque o mundo fora da escola é muito mais atraente -mesmo que seja só por diversão- porque a escola descolou, em boa parte, da realidade.
Em Rupturas, atuais e futuras, no Ensino Superior [bit.ly/rupturas-ensino] escrevo que… uma pesquisa recente [abril/2021, veja em glo.bo/3e8BWai] mostra só 15% dos recém-formados de 2019 e 2020 conseguindo vagas em suas áreas até 3 meses depois da diplomação. dos 43% que estão trabalhando, só 20% estão em atividades relacionadas às suas graduações; 52% não têm trabalho; 28% estão desempregados há mais de um ano. e só 3% dos entrevistados conseguiram vagas de trainee. é complicado; 66% dos formados diz que a maior dificuldade é a empresa exigir experiência que eles não têm.
Em resumo: a universidade não prepara para uma carreira. Então… por que eu deveria ir para lá?… Será que a universidade não deveria seguir o “dever de casa” do aluno de pedagogia e considerar os insights e ideias duradouras de Platão e Aristóteles e pensar sobre como eles podem ser incorporados às abordagens contemporâneas de educação e aprendizagem de maneiras que sejam significativas e relevantes para os aprendizes? Vai ver, ChatGPT tem ideias mais interessantes, práticas e úteis sobre como reverter a irrelevância de parte do sistema educacional, hoje, do que muita gente do sistema.
Quem analisar os cursos e departamentos da maior parte das universidades públicas e privadas vai descobrir que o maior problema da formação de graduação é a combinação de grades curriculares [normalmente ultrapassadas] e diplomas [associados a silos profissionais regulados], que deveriam dar lugar a aprendizado [de competências e habilidades] e flexibilidade [no mercado de trabalho]. Mas… a explosão de cursos de graduação de fácil oferta [de baixa complexidade acadêmica, em conteúdo e laboratório], desconectados do mercado [“ensinam” o que não tem demanda no mercado] não só leva a uma alta evasão [sistêmica] mas cria uma geração de desempregados… que se tornam quase sempre desencantados.
No meio disso tudo, a discussão sobre o uso de [cada vez mais] tecnologia [digital, em especial] na educação é um campo desnecessariamente minado, situação que parece ter melhorado muito com a supressão do espaço físico causada pela pandemia e a necessidade de performance digital minimamente aceitável [pelos alunos] por parte dos professores. Mesmo antes da pandemia, o assunto já era incontornável, como mostra o debate sobre IA na educação [na UNESCO, o relatório ‘Artificial Intelligence in Education: Challenges and Opportunities for Sustainable Development’, 2019, no link bit.ly/3COt1Fv].
Durante a pandemia, não vi quase nenhum professor [universitário] agendar uma “aula” online, com seus alunos, que parecesse com [1] definir um problema interessante a ser estudado; [2] assistir um vídeo de curta duração [até 20 minutos, e não uma série inteira na netflix] sobre o problema e sua solução; [3] ler um texto [simples e objetivo de no máximo 10 páginas, e não um paper na nature] onde facetas básicas do vídeo são exploradas e aprofundadas; [4] discutir o que aprenderam [e o que não] em pequenos grupos, enquanto [5] tentam resolver uma pequena série de problemas de complexidade crescente [e indicada a priori, por problema, pelo professor, como os níveis de um vídeogame…] cuja resolução consolida o aprendizado e provoca mais dúvidas sobre o par problema-solução, [6] tudo isso só para discutir, em um encontro [e não mais na “aula”] com o professor [ou seu assistente, talvez digital] sobre o problema-solução, que é -deveria ser- [7] um exemplar de alguma unidade ou componente curricular.
Mas sabe o que eu vi na pandemia, o tempo todo? Professores lendo slides de antes da pandemia. Lendo, bullet a bullet. Duas horas a fio. E dando aula online escrevendo no quadro. Eita, no quadro não, na tela do PC. Claramente usando o mouse. Palavra por palavra, em gambiarras ininteligíveis. Pense nisso: palavra por palavra, fórmula a fórmula, porque na sala de aula “é” assim.
Não, não é não, de jeito nenhum.
O problema não é a sala, que é um espaço físico que poderia ser usado para ocasiões especiais, para encontros onde as trocas, entre pessoas, sejam muito mais do que projetar slides ou escrever no quadro, da cor que for. O problema é a aula. A suposição quase universal de que a forma mais efetiva das pessoas aprenderem é assistir exposições quase sempre monológicas de dezenas de minutos várias vezes por dia e, em seguida, regurgitar fatos em exames não bate com a realidade. Não é assim que a maioria das pessoas aprende [bit.ly/3lvylt8]. O nosso maior problema é a aula.
A aula como ação monológica, em que um ou poucos falam para muitos que ouvem, e talvez, quem sabe, consigam assimilar e repetir -quase sempre por um tempo, curto. Tipo aquelas cadeiras que a gente fez, passou, mas não se lembra de nada. Não é que a cadeira não serve pra nada, muito pelo contrário. É que não houve qualquer contexto, situação, provocação, aplicação… que “amarrasse” a cadeira na realidade, no mundo onde as pessoas vivem, aprendem e trabalham.
Na educação monológica não há espaço para descobertas, só para regurgitar o que já está escrito, estabelecido como norma. Lá, a aula é onde o conhecimento é estático, tá pronto, não tem que ser construído, mas é repetido como mantra. Na aula, conhecimento não pode ser criado a partir do pensamento. A aula -hoje- não é portadora da necessária conexão entre educação e experiência.
Fora da aula, da escola e da universidade, e há um quarto de século, a internet já é lugar de criação, compartilhamento, colaboração e crítica. É exatamente assim que humanos aprendem, e não por acaso. A rede deixa no vácuo o monólogo silencioso da aula e a aula online não usa princípios, fundações e poder das redes, tampouco desenho e estratégia figitais. A escola -e a “faculdade” que conhecemos, desde o “grupo escolar”, está, e pior, é, desconectada e desconexa diante do mundo de possibilidades em rede. Mas a grande maioria dos estudantes já aprendeu a aprender em rede, fora da escola. Veja o aluno de pedagogia da nossa história.
Esse choque entre passado -na aula, na sala, no colégio, na universidade- e presente -o aprendizado, nas redes- é o que já está acontecendo. Não se trata de um choque entre presente e futuro, mas entre passado e presente, ainda. O futuro -que já está vindo de lá pra cá- é muito, mas muito mais radical. E é pra ele que o sistema educacional tem que se preparar, para sobreviver.
Porque novos negócios inovadores farejaram há tempos as possibilidades de ruptura na educação e estão literalmente, atacando todos os problemas que conseguem entender. A gente já viu isso nesta série, em Destruição Criativa, xTech… & Mídia, no link… bit.ly/3Ysy3Dq. Educação é só mais um ecossistema sendo transformado usando xTech. Durante um tempo, esforços dos novos entrantes serão -e quase sempre são, hoje- risíveis aos olhos da comunidade acadêmica. E aí é onde mora o perigo. Nas rupturas, os incumbentes são ultrapassados exatamente porque seu processo de evolução é de melhoria do que fazem, enquanto o dos novos entrantes se dá através da transformação do que existe… E da criação do que é pensado impossível pelos dominantes.
A transição pela qual a educação já passa, habilitada por plataformas figitais e demandas dos usuários por experiências fluidas [já vimos isso por aqui, em O Mundo é Figital bit.ly/3FEmMJ2], vai necessariamente causar pelo menos três rupturas e, certamente, primeiro, na educação superior. Entre muitas coisas, porque estamos [começando a viver] em um ambiente onde aprendizado acontece em fluxos, desenhados por algoritmos, executados sobre plataformas, em ecossistemas figitais. E isso, por todos os sinais que já estamos percebendo agora, não tem volta.
Em 2023 e depois, a primeira ruptura é nos mecanismos de formação, onde graduações já estão sendo substituídas por competências e habilidades. Em mercados profissionais onde não há exigência de graduação completa -e seus diplomas- para o exercício da profissão [computação… informática é um exemplo], as contratações já se dão, há muito tempo, por competências e habilidades. Isso ocorre até porque [1] fundadores de muitos dos negócios digitais de [muito] sucesso deixaram a universidade para criar empresas e servem de exemplo para os alunos e empreendedores; [2] o descolamento entre o que se ensina [e aprende?] na universidade e o que se demanda de conhecimento para desenvolver e colocar no mercado mesmo um aplicativo simples é tão grande que os alunos, quando descobrem, perdem o interesse pelo curso… e [3] em função dos problemas oriundos de 2, as empresas desenvolveram seus currículos e investem pesadamente da formação prática, conectando educação e experiência, de seu capital humano.
Pelo descrito acima, tal ruptura vai passar longe do sistema estatal brasileiro. mas nas escolas privadas a mudança começou há tempos. até porque o valor que o cliente quer receber, quando paga por anos de um curso universitário, é bem mais do que se formar e ter um diploma; é uma correspondência da formação e diploma com as competências e habilidades que lhe dêem um mínimo de retorno de investimento sobre o tempo e recursos empatados, normalmente um potencial de carreira que traga reconhecimento, recompensa e remuneração.
A segunda ruptura é no processo educacional, transformando a educação do espaço físico para o figital. Não é mudança trivial, muito menos a “zoomificação” da aula, nem o “EAD”. No sistema curricular e recursos de suporte e apoio, é um redesenho radical para desenvolver competências e habilidades em rede, usando efeitos de rede. Desenho, produção, operação e gestão de conteúdo em rede, na rede, com a rede, para aprendizes que estão no e fora do prédio, no e fora do tempo, deslocalizados, dessincronizados. Um mundo de muitas atividades de aprendizado desenhadas e facilitadas por humanos, sobre plataformas [figitais, o que inclui espaços físicos], mídias, padrões, ferramentas individuais abertas, com acesso a conteúdo, experiências e apoio em qualquer lugar e hora, dentro e fora da escola e, principlamente, depois de “terminar” a escola em qualquer nível. Aprendizado, agora e para sempre, é onlife. A vida toda, em rede o tempo todo. E a rede inclui -como sempre- os espaços físicos, conectados. Aprendizado figital na escola, em casa, no trabalho, aos 10, 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80, 90, 100 anos. Estamos na economia e sociedade do conhecimento; nela, humanos tem o papel e a obrigação primordial de aprender o tempo todo. E o sistema educacional tem o papel de ser o sistema operacional da economia e da sociedade.
É simples -um parágrafo- assim, e ao mesmo tempo é o maior desafio do sistema educacional. O mais complexo, mais caótico, mais permeado por contradições dos desafios do sistema educacional em mais de 2.000 anos. Até por isso, há muita gente, incluindo investidores com dezenas de bilhões em caixa, para investir, apostando que os incumbentes do sistema educacional -como as universidades estatais- não farão a transição do processo educacional, porque é um caminho complexo, caótico e contraditório. Até porque os incumbentes não estão a cuidar da evolução do processo de formação, a primeira grande ruptura… E muito menos têm o apetite para tratar o que é a vocação natural de quem investe em inovação: modelos de negócios e custos.
A terceira ruptura é no modelo de negócios, onde o problema é como transformar o sistema e suas instituições de estruturas e processos de alto para baixo custo. Um princípio básico de criação de novos negócios -que nem precisam ser inovadores- em rede é… descubra modelos de negócios que têm altos [custos, preços, margens] e ataque um ou mais destes fatores. E educação, especialmente educação superior, tem custos altíssimos. Exemplo? Quantas cadeiras de graduação são commodities? Trocando em miúdos, quantos professores × hora são necessários, por semestre, para “dar” as mesmas disciplinas de Cálculo I, Física I, Economia I, Psicologia I,… Xyz I? Aulas onde os professores, ad infinitum, repetirão o texto do livro -isso se não lerem os slides, simplesmente- para alunos em silêncio, na sala, e quase certamente vão cobrar, nas provas, respostas que devem estar de acordo com “o que foi dado em sala”? E se for -e acho que é, por baixo- metade da graduação? Meu chute é tão conservador que o MEC autoriza 40% de todas as horas de um curso de graduação [com a exceção de medicina] no modo “EAD” desde 2019 [veja bit.ly/3enurmm].
Agora, pense: qual é mesmo o problema de ter 1955 alunos numa turma [numa “sala”] figital, se no fim, numa avaliação independente, a performance for semelhante à de uma turma de 55 alunos? Se a medida -o crivo- para exercer a profissão de advogado é o exame da OAB, que diferença faz se fiz o curso de direito presencial, online, figital, ou aqui ou em Portugal ou na Etiópia?…
Oportunidades de aprendizado de classe mundial, personalizada, sob demanda e onlife [online e por toda vida…] e de alto impacto no ensino superior e na pós-graduação. É por isso que pessoas vão pagar no futuro, seja como clientes ou contribuintes. Porque é isso que a economia e a sociedade demandam, e já é isso que fazem as pessoas que têm informação sobre as escolas que melhor fazem isso, as possibilidades de chegar lá, e os meios para pagar.
O sistema global de ensino [superior] vai passar pelas três grandes rupturas nas próximas décadas: nos mecanismos de formação, no processo educacional e no modelo de negócios. Isso é inevitável. E um dos sinais são empresas investindo em todas as facetas do processo educacional, investidores -especialmente durante a pandemia, tentando descobrir como atacar o modelo de negócios e bancos comprando negócios de educação. Pode parecer o fim do mundo, mas é só o começo.