Este é o 17° de uma série de textos curtos, de uns poucos parágrafos e alguns links, sobre o que pode acontecer, ou se tornar digno de nota, nos próximos meses e poucos anos. Como há uma tradição de, no fim do ano, pensar sobre as possibilidades do ano que vem, o título fala de… 23 anotações sobre 2023. O 1° texto [Guerra. Eterna?] está no link bit.ly/3B0mysO, o 2° [Inflação. Recessão? E Investimento?] em… bit.ly/3ir4PUR, o 3° [Energia e Descarbonização] em… bit.ly/3gUdD5w, o 4° [Sociedade & Política] em bit.ly/3FrM50P, o 5° [Pessoas & Costumes] em… bit.ly/3H7CAFb, o 6° [Plataformas & Ecossistemas] em bit.ly/3VEcxK3, o 7° [Efeitos de Rede, Escala e Sustentabilidade] em bit.ly/3BjJUK1, o 8° [O Mundo é Figital] em bit.ly/3FEmMJ2, o 9° [Marketing é Estratégia, Figital] em bit.ly/3FfDJrI, o 10° [5G & Internet das Coisas] em bit.ly/3W8yVLC, o 11° [Indústria… 4.0?] em bit.ly/3BpZuUK, o 12° [Inteligência Artificial e Grandes Algoritmos] no link bit.ly/3FJMKdS, o 13° [DADOS, Análises e DECISÕES] em bit.ly/3VXR678, o 14° [BLOCKCHAIN e aplicações] no link… bit.ly/3BAEMBy, o 15° [SEGURANÇA de Informação] em bit.ly/3j0yjct e o 16° [Destruição Criativa, xTech… & Mídia] em bit.ly/3Ysy3Dq.
Varejo, Figital
Traçando uma linha do tempo das transformações causadas pelo digital, em rede, na economia e sociedade, poderíamos quase certamente afirmar que as primeiras mudanças começaram no mercado de tecnologia [de computação e comunicação] -as mais radicais, talvez, que eliminaram, desde a década de 1980, milhares de empresas…- depois causaram rupturas em todos os tipos de mídia, mesmo antes da rede [lembra MP3?…], aí começaram a afetar finanças [dinheiro é um virtual de poder de compra; foi “só” virtualizar um virtual…] e depois varejo.
O mercado de consumo -o B2C- começou a ser transformado de forma ingênua e oportunística lá no começo da internet [será que devemos botar nossa loja online? Se sim, como?…]. Depois, começou a passar por processos de digitalização [como botar nosso analógico online, mudando o mínimo possível, e se possível, nada?…], nos anos 2000. Desde o começo da década de 2010 o varejo passa por um processo de transformação, baseado em plataformas [nesta série, no link… bit.ly/3VEcxK3], onde a pergunta-chave é qual é o nosso negócio, e o nosso mercado, no mundo figital? Nos anos 2020, a transformação do varejo passou a ser estratégica: quais são nossas aspirações, e qual é nosso processo pra transformá-las em capacidades de sobreviver e competir, efetivamente, em ecossistemas habilitados por plataformas figitais?… Mas… até a gente chegar aí… rolou uma longa história, de milhares de anos.
Historicamente, se a gente fosse abrir um novo negócio, no espaço-tempo da humanidade, seria onde? Desde sempre, o lugar era de pedra & cal. Um ponto numa rua como a Via dell’Abbondanza, a high street de Pompeia [imagem acima], cujas ruínas, escavadas por séculos, nos dão uma ideia da riqueza e diversidade da vida romana até o primeiro século DC, quando se deu a explosão do Vesúvio. A cidade guardava 800 anos de história até então e deixou de lojas e restaurantes [self-service!… como o Thermopolivm Regio V da próxima imagem] a grafitti com expressões do latim vulgar nas paredes dos prédios.
Dando um salto no espaço-tempo, das lojas -na verdade workshops, lugar onde produtos eram projetados, produzidos e negociados- de poucas ofertas e alcance da Roma antiga à redefinição do comércio pelo surgimento da indústria no séc. XVIII, a complexidade, especialização, o volume, velocidade e variedade da oferta fez com que os artefatos deixassem de ser negociados nas oficinas -onde desde sempre os artesãos davam conta de todo o ciclo de vida de um artefato até que ele chegasse às mãos do consumidor.
A primeira revolução industrial “criou” as lojas de varejo que, no fim do século XVIII, foram agrupadas por galerias e arcadas, uma tendência espetacularmente representada pela galleria Vittorio Emanuele II [bit.ly/3K7jEo3], que desembocou nos atuais shopping centers em todo o mundo. Talvez sem o glamour da galleria, que conecta a Piazza del Duomo à Piazza della Scala.
O varejo tem uma longa e complexa história; Heródoto nos garante que surgiu no sétimo milênio AC em Lidya [ver bit.ly/3K30wI6], onde não por acaso [parece que] foram inventadas as moedas, meio de troca essencial para não se ter que permutar colares por carneiros. A complexificação das cadeias de valor após as primeiras ondas de inovação [veja aqui na série, em bit.ly/3BpZuUK] teve o efeito de desintegrar e distribuir a oficina artesanal em múltiplas operações, de fornecedores de partes e peças ao atendimento e manutenção dos produtos, passando pelo varejo, ao estruturar diferentes setores da economia sobre fundações que tinham caraterísticas e demandas muito diferentes [seja de pessoal, de capital, de conhecimento…] do que já existia. Algo parecido está acontecendo agora: a fragmentação dos mercados e negócios pelas forças da transformação figital [veja… Fundações para os Futuros Figitais, em bit.ly/futurosfigitais].
Durante muito tempo, como a diversidade de produtos era pouca [relativa aos últimos 50, 25 anos] e o volume escasso [idem], a pressão sobre as fábricas [que ainda estavam se estabelecendo] não era tão relevante. Mas os processos de digitalização, financialização e globalização mudaram tudo, e mudaram a indústria. Voltando aos primórdios da revolução industrial, a inovação nos processos de fabricação levou não só à redução de custos e preços, associada a um radical aumento de escala, mas à criação de novos produtos, indústrias e mercados, como biscoitos e doces, especializando o trabalho, mudando meios de acesso aos produtos, [re]criando cadeias de valor, estabelecendo o consumo como uma atividade cultural e demandando muitas novas competências e habilidades, como publicidade e propaganda, que mudaram o comércio e redefiniram o varejo. A evolução do varejo, aliás, se enreda com a da indústria há mais de 200 anos.
O que talvez pouca gente tivesse no horizonte do varejo era a chegada –de uma hora pra outra– das tecnologias de informação e comunicação –TICs, não como suporte às operações de varejo, tratando a informação sobre estoque, vendas e faturamento… mas como fundações para criar uma nova dinâmica de varejo. De uma hora pra outra, TICs saíram de detrás do balcão para depois dele, em muitos casos tornando o balcão simplesmente irrelevante. Este de uma hora pra outra levou e ainda leva tempo, rola há mais de 25 anos… mas mesmo assim poucos conseguiram acompanhar as mudanças.
Em 1984, varejo online era um experimento, na Inglaterra [bbc.in/3W3sKIV]: Jane Snowball, 72, sentou-se em uma poltrona em sua casa de Gateshead em maio, pegou o controle remoto de uma televisão e fez um pedido de margarina, sucrilhos e ovos no supermercado local, uma encomenda que abriu caminho para um mercado global de US$14,3 trilhões [em 2021, segundo bit.ly/3FZMY0P]. As avaliações sobre o tamanho do mercado global de ecommerce são muito variadas e pouco confiáveis, como você vai descobrir se pesquisar por aí.
Dez anos depois, em 5 de julho de 1994, ecommerce já era uma possibilidade: a Amazon era criada [literalmente] numa garagem, como um mercado digital para livros [bit.ly/3V5Ifip]. Se a gente olhar a homepage original, de 1994, vai ver que a vasta maioria das operações de ecommerce ainda não faz [muito bem], o que a Amazon prometia [sem fazer bem] há 28 anos: [1] Foco e [2] novidade; [3] busca e [4] recomendação; [5] edição, [6] notificação e [7] rastreamento. Tão básico, né? Tão difícil…
De 1994 prá cá, a Amazon desempenhou um papel significativo no desenvolvimento e na evolução do comércio eletrônico, até porque foi copiada, revisada, modificada e transformada [veja aqui na série… bit.ly/3Ysy3Dq] por incumbentes e novos entrantes em todo mundo. A própria Amazon passou a vender uma ampla gama de produtos e introduzir novos recursos e serviços, como Prime, de remessa gratuita e outras vantagens, marketplace, permitindo que outros vendam seus produtos através da empresa, o que a transformou num habilitador e facilitador de negócios de varejo online, e de novo o mundo foi atrás.
Comércio eletrônico já é um dos principais contribuintes para a economia global [uma estimativa razoável é 1/5 do varejo global, em 2022: bit.ly/3C6c1Nt] e mudou a maneira como as pessoas compram e fazem negócios. Com o tempo, compras online tornaram-se mais convenientes e acessíveis e revolucionaram a maneira como as empresas alcançam e vendem aos clientes. Dispositivos móveis e redes sociais tiveram um impacto significativo no ecommerce, tornando mais fácil fazer compras online e a pandemia acelerou a mudança para ecommerce, com muita gente recorrerendo ao comércio eletrônico para evitar compras presenciais e manter o distanciamento social.
No Brasil, varejo online cresce significativamente desde 2010. Alguns dos fatores que contribuíram para tal incluem o [1] aumento da penetração da internet e conexões mais rápidas e acessíveis; [2] crescimento do uso de dispositivos móveis; 81% da população brasileira com mais de 10 anos de idade tem um smartphone e uma conta de dados; [3] penetração quase universal de redes sociais, criando ambientes para disseminação de informação, especialmente boca-a-boca, [4] aumento da confiança dos consumidores, com percepção de aumento da segurança online e mecanismos de proteção ao consumidor e [4] experiências de compra personalizadas, com uso mais competente de dados e tecnologia para melhor recomendação. Sem falar na pandemia, que causou grande impacto no ecommerce no Brasil -como de resto em todo mundo.
Depois de décadas de aprendizado, onde estamos?
As pessoas aprenderam a comprar online. Descobriram que não precisam mais das lojas. A menos que… a menos que o quê, mesmo? Talvez… a menos que a experiência de procurar, encontrar, provar ou testar, negociar, comprar e quem sabe, levar pra casa na hora seja tão -como diríamos?- satisfatória -que tal espetacular?…- offline que se torne preferível ao mesmo fluxo realizado online.
Mas… talvez o melhor seja trazer o futuro para o presente, combinando físico, digital e social. E se, num fluxo de visitantes de uma loja física, parte de um fluxo figital, 78% fizesse alguma transação? Existe, por incrível que pareça: é FashionPhile, um re-commerce [quase] figital: bit.ly/3FuWuHy.
A fábrica, loja e serviços estão no mesmo espaço, e ele é figital, habilitado por algoritmos e redes.
A pergunta de 2023 e depois, para todos os envolvidos com produtos e serviços, mas especialmente para o varejo [puramente] físico, aquele que vive das e nas lojas é… depois de 2000 anos, desde a Via dela Abonddanza, qual é o papel da loja? Prover um serviço personalizado, de consultoria? Influenciar as pessoas, talvez como clientes? Atender em qualquer lugar? Levar a loja para o mundo e|ou trazer o mundo para a loja… articulando as realidades concretas do espaço físico de uma loja [de shopping] com as imensas possibilidades virtuais do espaço digital e social? Qual é o algoritmo da loja? Que informação deveria estar disponível para que ele pudesse ser a base para a loja satisfazer [ou criar!] expectativas das pessoas?
O varejo -e qualquer negócio- é só inovação e marketing. E marketing, em resumo, tem só 5 lógicas básicas: [1] descobrir, [2] despertar, [3] criar, [4] articular e [5] satisfazer as necessidades das pessoas [veja aqui na série, em… bit.ly/3FfDJrI]. Tudo seria muito simples se o mundo fosse bem simples e não estivesse mudando como nunca mudou. Mas está.
Primeiro, a transformação de produtos em serviços parece inexorável, por fatores que vão de possibilidade [habilitada por tecnologia] a comodidade e sustentabilidade. Imaginando que esta transição não aconteça de uma hora pra outra, ainda há tempo -quanto?… uma década? menos?…- para que os agentes da atual cadeia de valor centrada em produtos [que operam numa lógica dominante em produtos…] entendam a transição e se candidatem a um lugar na rede de valor dominante em serviços sobre a qual o mercado vai passar a funcionar.
Dos anos 1960 aos 1990, o que vimos de novidade na execução competente dos fundamentos de marketing, pelo varejo, foi a evolução dos 4P [product, price, place, promotion…] para os 7P [4P + people, process, physical appearance] de uma lógica dominante em produtos.
Dos anos 1990 em diante, começou a ficar claro que a lógica [de mercado e marketing] é dominante em serviços [bit.ly/3W34MOh]: [1] serviço é a base fundamental de todas as trocas; [2] valor é uma cocriação coletiva, sempre incluindo os beneficiários; [3] cocriação de valor existe numa rede de arranjos institucionais; [4] valor é sempre e ultimamente determinado pelo beneficiário e [5] todos os atores são integradores de recursos.
Parte da resposta à pergunta sobre a loja de varejo é outra pergunta: como mercados baseados em serviços são redes, qual é o papel da loja na formação e evolução das redes do negócio? Estendendo a pergunta… para um conjunto de lojas, qual o papel dos shoppings? E não há muito mais tempo para procurar e encontrar respostas.
Porque o avanço do ecommerce, especialmente em 2020/21/22, associado à redução do movimento nos centros comerciais, trouxe as fábricas para um dilema entre a possibilidade de ocupar esse novo –ou renovado- espaço diretamente, [1] articulando pessoas que consomem ou [2] se articulando com quem comercializa. Ao explorar possibilidades, fábricas, agora figitais, não precisam ocupar espaço, mas apoiar e otimizar a relação entre pessoas que comercializam e usam seus produtos, oferecendo infraestrutura e serviços digitais em escala, essenciais para criar redes de varejo conectadas com redes de consumidores de produtos e de serviços. Se eu estivesse no varejo, hoje, começaria a me preocupar muito com as fábricas, também, de 2023 pra frente.
Por outro lado, se eu estivesse no varejo, hoje, e como o varejo está muito à frente da indústria na sua transformação figital, eu diria que há uma chance única do varejo liderar as transformações dos mercados de produtos, serviços e produtos-como-serviços, comoditizando a indústria. Até porque, se o varejo não começar a fazer isso, há uma chance da indústria acordar e competir diretamente no mercado -a ponto de excluir [veja bit.ly/3W8yVLC e bit.ly/3BpZuUK, nesta série, sobre 5G & Internet das Coisas e Indústria… 4.0]- os varejistas de sua cadeia de valor.
No outro lado da moeda do varejo, as operações “puras” de ecommerce enfrentam desafios em todo mundo. Um exemplo? A pioneira Amazon: a empresa teria tido perdas operacionais de US$1,8 bilhões no último trimestre de 2021 [bit.ly/3uYcHQJ] se não fossem os resultados de sua divisão de infraestrutura e software como serviços, AWS. No ano de 2021, AWS deu US$18,5 bilhões de lucro operacional, enquanto o resto do negócio ficou em US$6,3 bilhões [bit.ly/3hrpckY]. Mas AWS é só 14% do faturamento, e dá 74% do lucro [bit.ly/3Wo9fur]. E nem tudo que é digital, no “varejista”, é um sucesso: Alexa perdeu US$10 bilhões só este ano [bit.ly/3WqBJUA].
Para terminar, tenho pensado há algum tempo sobre a existência de uma “Lei Universal” para mercados de varejo digital aberto [onde qualquer um pode entrar, inclusive operando de fora da geografia], largo [onde todos os varejistas considerados vendem “de tudo”], de grande escala [os varejistas considerados vendem muito, estão na “cabeça do mercado”] e venda direta [quando os agentes de mercado vendem produtos de seus estoques]: [0] …barrando a formação de cartéis de manipulação de cadeias de valor [e, claro, preços], e na presença de [1] comparabilidade algorítmica de preços [2] de e por quase todos os agentes de varejo, [3] associado a uma compreensão quase universal e [4] uso de tecnologia digital, social, de SFO [S para “search”, buscar; F para “find”, encontrar e O para “obtain”, obter] por consumidores em mercados onde [5] o gatilho de Proctor foi acionado [quando um mercado atinge 20% de varejo digital, uma avalanche transforma quase todo o mercado em digital, ou figital; ainda pode haver vendas em pontos físicos, mas o SFO efetivo é digital]… [6] depois de um certo tempo [quanto?…] será sempre o caso que [7] as margens de todos os varejistas no mercado considerado convergirão para próximo de zero.
Se a “Lei” for verdade ela diz, em suma, que nem a vida de quem faz “só” ecommerce tá resolvida porque, em última análise, suas operações online, especialmente o que se convencionou chamar de 1P [venda do próprio estoque] podem não ser sustentáveis. É isso.