esta semana, este blog tocou mais uma vez no tema conteúdo [música e vídeo] e seu consumo. como todos sabemos, o negócio de conteúdo está em fase de transição, devido ao colapso do suporte físico. isso não é nenhuma novidade.
a digitalização [fenômeno que já tem mais de 25 anos] e a internet [15 anos] são parte do processo, mas ainda estamos longe de chegar a um novo e resolvido patamar, onde as coisas se estabilizem e se possa falar, sem muita discussão, de uma nova “indústria”. e isso se, algum dia, formos ter alguma indústria que pareça com a que tínhamos no passado. eu duvido.
no post anterior, alguém comentou que… “só não sei como vai ficar a produção de cultura com tanta troca “livre” se oferecendo no mercado”; este é, certamente, um lado importante da questão. que é resolvido em parte por um texto de nelson motta, publicado aqui mesmo no blog, onde nelsinho diz que o “star system” de outrora, o sistema das grandes estrelas e grandes gravadoras [e grandes lucros para uns poucos] deu lugar a constelações e galáxias inteiras, de pequenas estrelas instantâneas, que têm milhões, dezenas de milhões de audições em um par de semanas e depois desaparecem. nada mais normal: excesso de produção e diversidade, um flash de celebridade na frigideira das atenções e estamos prontos para um novo experimento.
durante muito tempo, talvez pra sempre, o novo vai ser muito mais relevante do que o bom. no passado, tempo de escassez –de meios de produção e distribuição- havia uma oportunidade muito grande de criação de renda ao se escolher, entre muitas possibilidades, o “bom”. ou de impingir o que se achava ser bom a quem não tinha meios e participava do mercado apenas como comprador ou audiência. que era, de resto, quase todo mundo.
no presente, tempo de abundância, onde qualquer um tem à mão os mesmos meios das “gravadoras”, do software que cria os efeitos antes só disponíveis para os tais poucos até a rede inteira para distribuir o resultado, qualquer um pode –e muitos querem- ser o próximo astro. e os indivíduos, sem as amarras do que pode ou não ser feito numa corporação, podem se dar bem melhor na rede, na partida, do que um candidato a “astro” oriundo e promovido por algum grande cnpj.
num mercado de oferta abundante –excessiva, alguns dizem e eu discordo- o problema da escolha recai sobre o que outrora era audiência [para quem os editores escolhiam, a priori, a oferta limitada] e que, hoje, se tornou comunidade. a diferença é que a primeira tinha muito menos poder do que a segunda, que interfere diretamente nas escolhas e, em muitos casos, escolhe a si própria.
e o problema do meu comentarista? será que tanta troca “livre” se oferecendo no mercado vai ter um impacto negativo na produção cultural? a pergunta é muito relevante a a resposta parece ser… não, as trocas livres, o compartilhamento de conteúdo na rede, não diminuiu os incentivos para que artistas e empresas criem, distribuam e comercializem novos trabalhos. é isso que diz um estudo [File Sharing and Copyright, .pdf] da harvard business school, publicado em maio deste ano.
o estudo usa dados do mercado mundial e mostra que, de 2000 [quando a internet “pega” mesmo] a 2007, o número de álbuns [música] publicados dobrou; de 2003 até agora, a produção de filmes subiu mais de 30% e, de 2002 a 2007, o número de livros publicados aumentou 66%. não parecem, exatamente, mercados em crise de criatividade; são, sim, mercados em crise de suporte, de infraestrutura. e tal crise deve chegar, em breve, ao mercado de livros, como este blog discutiu recentemente, com a troca do suporte em papel para o suporte eletrônico à literatura.
o estudo de harvard merece ser lido, por quem é a favor e contra o compartilhamento de conteúdo. porque organiza e cita pérolas como o trabalho de lamere [de 2006] sobre hábitos de compra e audiçao de música:
In a sample of 5,600 consumers who were willing to share their iPod listening statistics, the average player held a collection of over 3,500 songs. A full 64% of these songs had never been played, making it unlikely that these consumers would have paid much for a good portion of the music they owned.
em 2006, quando o iPod médio tinha um terço da memória de hoje, a coleção de música de cada usuário tinha 3.500 obras, 64% das quais nunca tinha sido tocada. por que é mesmo que se acha que estes usuários pagariam por elas, por exemplo?…
de resto, quem está reclamando do estado do mercado de conteúdo é a indústria “do disco”. segundo o estudo, considerando o mercado americano,
The decline in music sales – they fell by 15% from 1997 to 2007 – is the focus of much discussion. However, adding in concerts alone shows the industry has grown by 5% over this period. If we also consider the sale of iPods as a revenue stream, the industry is now 66% larger than in 1997.
é isso o que nos diz o histograma acima. nos dez anos entre 1997 e 2007, as vendas de música cairam 15% mas, quando se agrega os shows, a indústria como um todo cresceu 5%; jogando os iPods no bolo, o total cresceu 66% na década. por isso que a apple está disposta a perder dinheiro vendendo música: o lucro do hardware mais que compensa o prejuízo do conteúdo, tornando a plataforma altamente rentável. e esta é a mesma razão pela qual a empresa de steve jobs bloqueou o acesso do palm PRE ao iTunes: não ganha nada com isso; aliás, perde.
ou seja: quem está chorando é porque não viu pra onde ia o mercado, a nova infraestrutura para conteúdo, as comunidades, os consumidores e, mesmo depois de ter visto, pouco ou nada fez pra acompanhar. pena. vão continuar chorando. o mercado de conteúdo, visto como um todo, vai muito bem, obrigado. e continuará bem, ad aeternum, pois somos, todos, conteúdo. os sistemas e dispositivos vão continuar mudando, muito, principalmente os modelos de negócio e renda. e isso faz parte da evolução do mercado, das pessoas, das companhias, isso é o tempo passando.
pra muitas empresas e pessoas, o tempo passa mesmo. e elas ficam. quem diria, há dez anos, que a companhia de mídia mais lucrativa de nossos dias seria uma “fábrica de radiolas”?…