tinha que acontecer em são paulo. ou tinha que ser notado em são paulo, porque partes da internet apagam o tempo todo, em estados e cidades menos votadas [e menos conectadas], e não chegam no noticiário nacional. por quase dois dias [ou mais, dependendo de onde você está] a internet do estado e da cidade mais rica e conectada do país entrou em colapso. mas colapso mesmo. e isso aconteceu, vale a pena lembrar, com uma rede cuja proposta original [da década de 60] era resistir a ataques nucleares. ou seja, mesmo que alguém detonasse [literalmente!] uma boa parte da infra-estrutura, a rede, pensada e construida para ser resiliente, deveria resistir ao ataque e continuar viva. com uma performance menor, certamente, mas fazendo o que tinha que fazer. como é que são paulo entrou em colapso? em suma, parou por quê?
prá começar, acho que devemos dar crédito à operadora; segundo a versão oficial, um roteador [em sorocaba] detonou a rede inteira. não há nenhuma razão para a telefônica esconder a verdade, principalmente estando sob o escrutínio da sociedade inteira, do procon à anatel, passando pelo minicom e ministério público. mentir agora significa transformar um problema muito grande no presente em outro, gigantesco e inadministrável, no futuro. até porque a telefônica pode ter sido a vítima, e não o causador do problema. segundo seu presidente, é … "muito difícil" que o problema tenha sido provocado por sabotagem ou ataque externo de hackers, mas não descartou a possibilidade. isso já aconteceu antes, nos estados unidos, na índia, no resto do mundo. e companhias que dependem só da web para existir, como a amazon, vez por outra desaparecem. a causa é muito provavelmente uma combinação de problemas de infra-estrutura, software, fatores humanos e… azar.
para resistir a problemas em algumas de suas partes, a rede tem que ser redundante. não completamente redundante, porque o custo seria alto demais e, por conseguinte, pagaríamos um preço alto demais para ter uma maior garantia de serviço. mas a rede [qualquer rede do tipo internet] teria -tem- que ter infra-estrutura em quantidade e qualidade suficiente para garantir que a queda de um roteador [a coisa que decide que caminhos usar para conectar agentes, como eu e você ou o servidor do meu blog e seu browser] não derrube a rede inteira. o acidente com o roteador de sorocaba, que parece ter causado um efeito dominó, pode ser uma indicação de que não havia redundância suficiente, na rede física que provê internet para o estado de são paulo, para garantir a continuidade do serviço em certas condições de pane.
mas a causa pode não ser tão simples assim: em 2001 e 2003, parte considerável da rede mundial entrou em colapso por causa de um worm, um tipo de programa de computador que se espalha rapidamente e causa, principalmente, o aumento da ocupação dos servidores, roteadores e das conexões da rede, levando todo o sistema ao limite. e isso aconteceu logo depois de um grupo de pesquisadores ter alertado sobre o aumento da centralização da rede e dos riscos que isso representava para o sistema como um todo. a rede comercial, segundo o estudo, estava se desviando dos princípios fundamentais da internet, que se pautava principalmente pela redundância e por protocolos que não garantiam a entrega da informação enviada ou solicitada, mas faziam o possível para tal [protocolos best effort ]. os protocolos da internet ainda são best effort; mas a rede, principalmente a rede privada, se centraliza cada vez mais, trocando resiliência por economia de escala e menores custos [e maiores margens].
resultado? se a rede da telefônica fosse mais fiel aos princípios originais de desenho da internet, sorocaba não teria derrubado são paulo inteiro, e por quase dois dias, tirado todo mundo do ar. como não é, deu no que deu. culpa da telefônica? provavelmente não, porque todas as redes de todos os grandes provedores estão montadas da mesma forma…
este blog defende a tese de que a internet está se tornando uma infra-estrutura tão essencial para a sociedade como a eletricidade; e informática [incluindo internet] deve ser, para o usuário final, tão simples e tão confiável como eletricidade. claro que há muita complexidade até a eletricidade chegar à minha casa mas, para mim [e todos nós], todos os problemas ficam escondidos atrás da tomada. a coisa existe, e é muito simples de usar, ou não existe. não há meio termo. a isso eu dou o nome de informaticidade [veja uma definição aqui].
essa tal de informaticidade [que inclui a internet], tem que ser tratada, pelos provedores e pelos reguladores, como se trata eletricidade. não que vá haver uma burocracia para se usar a internet [e outras coisas de informática]; isso ninguém quer. mas é preciso chegar mais perto de quem provê a infra-estrutura da qual todos passamos a depender, do hospital à escola, da balada ao banco, e trabalhar, com todos os envolvidos, para aumentar as garantias de que a rede não vai nos faltar. sem querer sugerir que apareça um operador nacional do sistema [de internet], como há um ONS para energia, pode ter passado a hora dos grandes provedores se articularem para interligar suas redes e dar-lhes, e a nós todos, um grau de redundância e qualidade de serviço bem maior do que temos hoje.
se eu estivesse nas teles, estaria correndo atrás disso há algum tempo, com urgência e foco. e por uma razão simples: num país de tradição imperial e autoritária como o nosso, se rolar mais uns dois dominós destes, é capaz do congresso aprovar uma regulação maluca para o provimento de serviço internet, por cima da anatel. esta, sabendo disso, pode começar ditando alguma regra pra não sofrer um drible da vaca dos senhores parlamentares. e alguma coisa já deve estar na cabeça do comitê gestor da internet, o cgi.BR, que, até pra não ficar soterrado pela derrocada dos dominós, pode também tomar alguma iniciativa.
para todos os efeitos, passado o barulho do dominó de sorocaba, seria bom que sua conseqüência fosse uma ampla melhoria na infra-estrutura de rede do país, causada principalmente por uma maior e há muito necessária articulação entre as grandes redes, sem esquecer do suporte aos pequenos provedores, que são os únicos que chegam a muitos pequenos e escondidos lugares do nosso mapa.