um palácio tuitando para o mundo

aqui em pernambuco há uma estação de rádio antiga, a jornal do commércio [no ar desde julho de 1948] cujo slogan inicial, usado por muito tempo, era “pernambuco falando para o mundo”. isso só se tornou verdadeiro mesmo quando a rádio JC entrou na rede, primeira na américa latina a fazê-lo. mas o que importava, antes, era a impressão de se estava, mesmo, falando para o mundo.

muda o contexto, estamos em brasília. ao invés de rádio, uma reunião no planalto, presentes dois dos homens mais poderosos do país: o presidente da república e seu ministro de planejamento. o assunto é um dos mais importantes dos próximos muitos anos, um plano de inclusão digital [desta vez denominado plano nacional de banda larga, ou PNBL] que pode, se for levado a cabo, resultar em 14 ou mais bilhões de reais de investimento. no contexto, o papel da [nova] telebrás e dos restos da eletronet, fracassada operação de backbone sobre a infraestrutura do sistema de transmissão de energia.

há mais gente na sala e um dos presentes, segundo o ministro paulo bernardo, é autorizado a “tuitar” a reunião. trata-se de marcelo branco, da associação software livre.org. pelo que consta, marcelo pediu, foi liberado, e pela primeira vez lá estava o palácio tuitando uma reunião presidencial para o mundo. não acho que coisa semelhante tenha ocorrido antes em qualquer outro país.

mas até aí tudo bem; poderia ser apenas mais uma conversa informal do presidente com visitantes. mas um dos tweets tinha a voz do dono e estava destinado a ser bem mais do que 140 caracteres na grande mesa de bar que é o twitter

#pnbl Lula: "depois de muito trabalho conseguimos conquistar de novo a ELETRONET"… "queremos fazer a TELEBRÁS voltar a funcionar"

a consequência aparente deste pequeno texto foi uma movimentação bem acima da média das ações da telebrás, empresa listada na bovespa e que está sujeita a regras específicas de funcionamento em função disso. o anúncio presidencial de que se resolveu o contencioso da eletronet e que a telebrás vai funcionar, com responsabilidades e faturamento muito grandes tinha que ter algum efeito colateral, só não se sabia o quanto.

isso tem grandes implicações, queiramos ou não. porque o mercado de ações tem regras, que devem ser obedecidas sem exceção, senão vira bagunça, com gente que tem informação privilegiada manipulando negócios. dois dias depois da reunião, o governo veio a campo na voz de cezar alvarez, para dizer que não é nada disso que foi tuitado e que, apesar das preferências pela reconstituição de uma grande telebrás, as regras da bovespa têm que ser e serão cumpridas na íntegra.

resultado do imbroglio? difícil de imaginar, principalmente quando se leva em conta que o brasil não é um país tão formal como inglaterra ou alemanha. mesmo assim, será que vai ser permitido [daqui pra frente] tuitar reuniões com o presidente? se sim, que reuniões? e quem julgará –em tempo- o que pode ser dito para o mundo ou não, durante o evento? porque twitter é parte da statusfera, a web em tempo real, aquela que rola na hora, que nem caldo de cana.

desde que o mundo é mundo que a palavra de presidentes de república  e outros poderosos passa por assessorias especializadas [e não só pela de imprensa] antes de ser comunicada, em tempo apropriado, em coletivas para as quais toda a mídia é convidada. isso é feito justamente para que se considere o que pode ser dito publicamente, evitando consequências como as desta semana. uma ou mais pessoas tuitando uma reunião [presidencial] dá à conversa ares de entrevista e, considerando o papel de mídias sociais como twitter [por onde chegam, hoje, os links para a maior parte da informação que consumo], o impacto pode ser bem maior, dependendo do assunto, do que uma coletiva.

daí o cuidado que se deve ter… não ao liberar informação pelo twitter, o que pode ser absolutamente normal na quase totalidade dos casos, mas ao se decidir “transmitir” reuniões importantes em tempo real, sem qualquer crivo editorial. pode ser muito bom mas, por outro lado, pode gerar um auê de todo tamanho.

não dá pra saber se a reunião do PNBL foi apenas a primeira de uma série que será “transmitida” ao vivo e a cores por quem estiver presente. a julgar pelas palavras de alvarez, não. até porque ninguém pensava, enquanto as coisas aconteciam, que o presidente falaria o que falou, que havia gente ouvindo e que a especulação tomaria conta da bolsa no dia seguinte. e este não é o único –nem pior- cenário em que efeitos colaterais adversos podem ocorrer.

por causa disso, é improvável que ministros como paulo bernardo [veja o twitter dele aqui] tomem notas de uma reunião de gabinete, daquelas de cortes no orçamento, no seu twitter. mas no dia seguinte ao incidente do PNBL, o ministro dizia que…

Na reuniao sobre o PNBL foi solicitado e autorizado a liberacao do uso de celulares e laptops para postar informacoes, inclusive fotos.

…exatamente como acima, sem qualquer acento. então foi.

uma coisa é certa: o poder de multiplicação do twitter é imenso e pode atingir milhões de pessoas em alguns minutos; se alguém como marcelo tas estivesse ligado, seguindo e replicando o assunto na hora, só ele chegaria a mais de 500.000 seguidores. uma rede social em tempo real, como o twitter, além de transformar audiência em comunidade [como não poderia deixar de ser] é capaz de criar efeitos flash mob, de mobilizações relâmpago ao redor de um tema, causa, discussão, o que for.

estas mobilizações podem durar semanas, como foi o caso das eleições iranianas, mas na maioria dos casos parecem durar apenas umas poucas horas. daí o “flash”, como parece ser o caso do PNBL. que é como será, caso a CVM resolva deixar o incidente prá lá, como um flash. mas, se a comissão investigar o assunto, não poderá deixar de emitir um aviso de que casos de “tuitorréia” [veja cartoon abaixo] envolvendo empresas listadas não serão tolerados… pelo menos até que se mude as leis e regras e/ou o tempo e informação deixem de ser importantes nos mercados.

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