no primeiro texto desta série, falamos da visão de bruce sterling [na forma de spimes] sobre as coisas em rede; no segundo, sobre o mundo das mesmas coisas em rede visto [como everyware] por adam greenfield. neste terceiro texto, a idéia é juntar as duas visões em uma só, que passaremos a chamar de spimeware, e ver o que podemos fazer com isso, à medida em que partes e implementações do conceito começam a aparecer no ambiente ao nosso redor.
na imagem abaixo, de coisas em rede, se elas fossem spimeware, boa parte estaria se comunicando entre si e, vez por outra, conosco. o mundo de spimeware não é antropocêntrico: isso quer dizer que as coisas, em rede, podem, na maior parte do tempo, não estar nem aí pra nós… a menos que nós, também, sejamos spimeware.
sem querer propor ou expor nenhuma teoria sobre inteligência ambiental, podemos dizer que a visão de sterling [spimes] pode ser comparada a uma certa semântica das coisas em rede; por outro lado, o everyware de greenfield se assemelha a uma sintaxe; visto de outra forma, spimes estariam associados à semântica denotacional das coisas em rede e everyware se pareceria mais com a semântica operacional destas mesmas coisas. pra você que não é de computação, o denotacional está ligado ao quê das coisas e o operacional ao seu como.
como assim? spimes… 1. estão na rede; 2. são identificáveis [de forma única]; 3. obedecem ao princípio SFO [podem ser buscadas {search}, encontradas {find} e obtidas {obtain}]; 4. carregam seu próprio plano de construção, uso e reciclagem e 5. deixam um rastro histórico, por onde passam, do que fazem. isso é o que as coisas são, ou pelo menos é muito mais para o que do que para o como; por outro lado, everyware… 1. é wireless; 2. está embarcado; 3. é imperceptível; 4. é múltiplo e 5. tem interface “invisível” e isso parece muito mais com “como” as coisas são do que com o “que” são as coisas em rede.
juntando as noções de spime e everyware, criamos o conceito de spimeware, que… 1. está na rede; 2. é wireless; 3. é múltiplo [pode haver uma infinidade de cópias] mas 4. é identificável de forma única e 5. obedece ao princípio SFO mas 6. é imperceptível [a “olho nu”] porque 7. está embarcado, embutido em coisas e, também por causa disso, 8. tem interface “invisível”. ainda mais, spimeware 9. carrega seu próprio plano de construção, uso e reciclagem e 10. guarda ou deposita na rede seu rastro histórico.
a descrição acima corresponde exatamente ao que seria o caso da etiqueta de banana orgânica do equador da imagem, caso ela fosse spimeware. não é, ainda, mas vai ser, breve. primeiro, porque as tecnologias para –literalmente- imprimir circuitos eletrônicos em papel, com bateria e tudo, estão começando a se tornar uma realidade prática bem ali na esquina do tempo. olhe pra imagem abaixo; à esquerda, uma folha de papel com um circuito que contém leds de sinalização… e, à direita, a mesma folha, dobrada como um avião de papel, que pisca sinalizadores verde e vermelho nos mesmos pontos de um avião de verdade. taí um brinquedo que eu queria testar.
a imagem acima é de um artigo bem recente sobre fabricação de eletrônica flexível, Foldable Printed Circuit Boards on Paper Substrates, que foi matéria de capa da revista advanced functional materials de janeiro de 2010. o método, por sinal, serve pra imprimir quase todo tipo de circuito em quase qualquer espécie de substrato flexível, incluindo tecido e plástico. ficando só em papel e imaginando que, em breve, será economicamente viável imprimir spimeware em uma etiqueta de banana, o que ela, a etiqueta, poderia nos dizer?…
primeiro, vamos notar que spimeware é algo que existe, como spimes, dentro do universo da informática; nosso diagrama original, do primeiro texto, para mostrar spimes como informática, era igual ao mostrado abaixo, com spime no lugar onde agora mostramos spimeware.
e você diria… então, não mudou nada! não, porque spime é do que estamos falando; e mudou, pois quando agregamos as noções operacionais de everyware, passamos a descrever de maneira melhor, talvez mais detalhada e completa, algo de que já estávamos falando antes. mas que tal falarmos de bananas?
bananas, pra quem não sabe, vêm de bananeiras; as que têm selos como o que mostramos são plantadas em grandes fazendas; são colhidas, transportadas entre a plantação e um centro de processamento, tratadas de várias formas, etiquetadas, embaladas, transportadas em containers refrigerados até um porto, onde embarcam em meganavios que se destinam a portos na europa e ásia, de onde seus containers partem para centros de distribuição, depois para estoques regionais, locais, daí para as prateleiras dos supermercados e, quem sabe, chegam na cozinha de alguém e são, se tudo der certo, comidas. tomara, senão todo o custo ambiental de fazer uma banana girar o mundo inteiro não terá servido para nada.
agora imagine que, quase no fim do ciclo de vida da banana e da informação sobre ela, você e a dita cuja se encontram, frente a frente, em um mercado qualquer… e “sua” banana “tem” spimeware. ou melhor, ela “é” spimeware, pois cada banana seria unicamente identificável pelo seu próprio spimeware.
é provável que uma conversa entre você e uma das bananas ao lado, se fosse hoje e se a etiqueta dela fosse spimeware, seria mediada por algum app no seu celular; daqui a alguns anos, quem sabe, a interface entre vocês dois seria uma lente de contato como a deste link, mostrada aqui no blog dia destes. são lentes parecidas com estas que mediam as relações dos humanos com os campos informacionais que vernor vinge imaginou para rainbows end, sua história do “futuro próximo” onde tudo é informatizado, e tudo “é”, ou parece, spimeware.
sim, mas que conversa você teria com uma banana? que tal começar perguntando “quem é você”?… ao invés de… “adivinha, se gosta de mim…” ela responderia, de pronto: “sou uma banana do tipo cavendish, plantada e colhida no equador”. e aí você poderia perguntar… “tipo cavendish”?… ou… “em que condições você foi colhida, processada, armazenada, transportada até aqui”? e aí a tal banana cavendish iria lhe contar, de verdade, a história de como chegou até a prateleira à sua frente. claro que não precisamos ter nenhuma inteligência computacional muito sofisticada na banana e muito menos bananas conversando [de verdade] conosco no supermercado.
sabendo “quem” é a banana, quase todo o resto seria sabido a partir de sistemas de informação que funcionariam como proxies, ou intermediários, de qualquer banana particular. tais sistemas começam a aparecer na rede e, em breve, vão nos dar uma boa parte da história de bananas [e carne, carros, vinhos…] se a gente tiver acesso a, pelo menos, uma pequena parte do que spimeware vai vir a ser. tipo um identificador único para cada banana ou garrafa de vinho, por exemplo, para tornar possível o rastreamento de cada item individualmente.
mas há informação que só teremos se a banana for, de fato, spimeware: em que temperatura ela foi armazenada durante seu ciclo de vida, até aqui? de nada adianta saber a temperatura do container onde estava a banana, queremos saber se “a” banana que vamos comprar agora foi cuidada como deveria ter sido… e isso estaria registrado pela banana [seus sensores], na sua etiqueta, spimeware a nosso serviço. pense o que mais poderia acontecer neste cenário; as possibilidades são infinitas. se quiser ver as idéias de vinge para contextos parecidos com este, rainbows end tá de graça, no wayback machine, neste link.
pra terminar este capítulo, primeiro é preciso dizer que não estamos falando apenas de coisas que estão à venda e são compradas e de seu ciclo de negócios; de coisas que teriam spimeware como um ultra-mega-super código de barras [alguém pensou RFID?]. seu cão teria spimeware, assim como você, talvez, um dia. o conjunto de razões para se associar spimeware a objetos tem muito a ver com o ciclo de vida da coisa como “negócio” mas, ao mesmo tempo, transcende em muito tal tipo de aplicação.
segundo, não estamos tratando de ficção científica. estamos falando de um futuro próximo, talvez bem mais próximo do que se possa imaginar, onde vamos querer saber quem –exatamente- foi que jogou uma garrafa feita de politereftalato de etileno [o tal do PET] na beira da estrada, pra cobrar do sujismundo umas 100 vezes o preço de recolher e reciclar a coisa. quem sabe, aí, ele aprendia e não deixava a próxima ao léu. por um bom número de razões, spimeware vai se tornar necessidade muito antes do que se imagina.
no próximo texto, o fim da série: uma conversa sobre o nascente campo informacional global. até lá. enquanto isso, veja na figura final o método usado pelo pessoal de harvard pra imprimir a eletrônica –o spimeware bem elementar- do avião de papel lá do começo do texto… e pense que você, em breve, vai poder fazer o mesmo na impressora da sua casa.
se lembre, no entanto, que isso ainda está bem no começo; trazer eletrônica digital normal, de silício, pra cima de papel ou plástico é alongar o tempo de vida de uma tecnologia que não foi feita para isso. quem sabe, spimeware vai aparecer de vez, na prática, quando nanotubos de carbono forem a base para informática. a gente não perde por esperar…