"Vivemos um verdadeiro apagão humano. Esse é um tema que precisa ser discutido pelas empresas, fornecedores e universidades". a constatação é de wilson marques, da priceWaterhouseCoopers, feita na FGV-EAESP na sexta passada. segundo marques, que é sócio da área de BPO [business processing outsourcing, terceirização de processos de negócio] da PWC, a empresa tem que investir 2.000 horas para formar cada contratado, em governança e automação de processo e de negócios.
o apagão detectado por marques e pela PWC não é novidade e tampouco pontual: trata-se de um resultado construído por décadas de negligência no trato do que qualquer país tem de mais precioso, seu povo. nosso investimento em educação não passa nem perto da demanda nacional por quantidade e qualidade de engenheiros e, principalmente, técnicos. optamos pela educação fácil, nos cursos que não precisam de laboratórios, como se ainda fôssemos o país de bacharéis que um dia fomos [no império…]. e que talvez ainda sejamos, por não termos feito o que [para citar uns poucos] rússia, coréia, china e índia fizeram, atraindo seus jovens para as profissões que precisam de matemática, lógica, química e física, que resultam em formação que constrói as coisas, sistemas e serviços que compramos do mundo. resultado? marques [e o setor de software] não tem técnicos; e, quando consegue, tem que investir milhares de horas de educação, por contratado, para fazê-lo chegar no nível de exigência de suas empresas.
e as universidades, a quem marques apela? as melhores, olimpicamente, ignoram a demanda da realidade ao seu redor. usam o argumento de "formar com base, para o futuro", como desculpa para não dar aos seus alunos a combinação de formação teórico-prática de que o país e suas empresas precisam. sobre as piores escolas, há pouco a dizer. mas há as médias, entre as melhores e as piores, as que deveriam estar formando para empregabilidade, agora, no mercado de trabalho real onde o brasil pode ocupar um vasto espaço econômico no mundo. para estas, ao invés de se reclamar o cumprimento de um preceito difuso, do lado da oferta, de "indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão", os órgãos reguladores deveriam criar um mercado de escolas de formação para empregabilidade e cobrar-lhes resultados do lado da demanda. marques, a PWC e as empresas todas, com muita razão, querem pessoas que saibam, na prática, o que seus diplomas dizem que elas deveriam saber, em tese. ou seja, querem que o sistema de formação produza conteúdo e não diplomas.
a frase de marques, quase no fim da olimpíada, é reforçada pela nossa, digamos, performance olímpica. lá em beijing, tendo que competir com o mundo [e não no pan, no rio, onde quase ninguém veio…] nossa equipe parece uma matilha de vira-latas, com as sempre raras e pouquíssimas exceções, os cielo, maggi, scheidt e muitos poucos outros. a grande exceção à regra é o vôlei, não por acaso resultado de um sistema de seleção, formação e preparação para criar resultados de classe mundial, que quando não chega no ouro [como as meninas, no sábado, e talvez os homens, neste domingo] está sempre lá, sempre competindo, contra tudo e todos, sem medo de cara feia, brigando pelo primeiro lugar. com rosto, expectativas, olhar, preparo e competências de mundo.
para resolver nosso apagão olímpico, precisamos melhorar o sistema de educação como um todo, descobrindo atletas lá na base, selecionando, treinando, criando oportunidades de competir com os melhores, em todos os lugares do mundo. para resolver nosso apagão humano, em tecnologias da informação e comunicação, a receita não é muito diferente: precisamos melhorar a formação de matemática na base da pirâmide; precisamos trazer lógica para o currículo, precisamos de laboratórios de física e quimica nas escolas, temos que universalizar o acesso a internet para alunos [na escola] e professores [nas suas casas, inclusive] e temos que tratar professores e alunos como o futuro da nação.
dia destes me pediram para contribuir para a feitura de um índice que medisse a qualidade da educação no brasil. a idéia era completar a frase "educação básica, no brasil, será um problema resolvido quando…" e meu complemento foi… "quando nenhuma professora primária no interior estiver ganhando menos do que um motorista de ônibus na capital". simples. porque todo mundo funciona dentro de um universo de incentivos. você pode até querer muito uma medalha olímpica e, mesmo sem um sistema, tornar-se um herói e conseguir uma, como o ouro de maggi. mas, sem sistema, como querer que atletas olímpicos que ganham salário mínimo [como a goleira da equipe feminina de futebol] estejam consistentemente no topo do mundo? eles precisam pagar contas, como todos nós. ela, a goleira, que é de recife e vive aqui, talvez possa se dar muito melhor [na vida] como motorista de ônibus [aqui, o piso é R$1.140]. talvez a minha frase sobre educação também valha para os atletas…
os vira-latas de beijing, resultado de acasos, sem apoio de um sistema estruturado para levar brasileiros aos pódios do mundo, tem um paralelo no mercado de trabalho: são muitos os brasileiros correndo atrás de trabalhos que existem, mas para os quais a larga maioria dos que têm diploma [e estes são muito poucos, em relação ao total] não têm o menor preparo prático, para a vida real. resultado? na olimpíada do mercado, que rola todo dia, dia e noite, no mundo, passamos ao largo do pódio do conhecimento e somos, cada vez mais, um país de commodities. como no império. e aí o negócio talvez seja, mesmo, formar bacharéis… e esquecer o trabalho e as medalhas.