este post é parte de uma série sobre educação empreendedora, derivado de uma palestra dada no sebrae nacional, em brasilia, no 27 de janeiro passado. pode até ser que você entenda o texto que se segue sem ler os posts anteriores; mas os textos foram escritos como se fossem uma palestra, uma conversa, o que significa que há uma sequência, começo meio e, espero, um fim, uma conclusão que faça sentido.
o primeiro post da série está neste link… passe por lá, até para entender o preâmbulo e contexto desta conversa.
nesta série, antes deste texto: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17; depois, nenhum, ainda. simbora.
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depois de termos passado um monte de tempo falando sobre modelos [e plano] de negócios e as perguntas de wadhwa, nossa conversa de hoje parte do princípio que nosso[a] candidata[o] a empreendedor[a]…
…o que não é tarefa menos difícil do que tudo o que já foi discutido até aqui. mas também não é nada que não se consiga alcançar, desde que haja imaginação, dedicação e determinação, associadas a uma idéia que faça sentido e capacidade –pelo menos em potencial- de transformá-la num negócio de verdade.
você pode até achar que as pré-condições acima são muito estritas, certo? mas deixe eu contar uma história [verdadeira]. o c.e.s.a.r, além de ser um instituto de inovação, também é uma fábrica de empreendimentos e gerador de novos negócios. há quinze anos que a instituição está no mercado de inovação e, direta ou indiretamente, participou do processo de criação de dezenas de negócios, além de ter ganho dois prêmios finep [2004 e 2010].
daí que um monte de gente vem aqui conversar, assumindo que somos, pelo menos em um estágio inicial, investidores em potencial do negócio deles. de um tempo para cá, criei uma regra pra quem quer conversar comigo sobre um novo negócio: só nos encontramos se houver, na parada, dois ou mais indivíduos. por que? ora, se você está pensando em começar um novo negócio e não consegue convencer seus mais próximos colegas e amigos a entrar na aventura, como é que você vai me convencer?…
o começo do time, para o investidor em potencial, é de fundamental importância. investidores de sucesso não se associam às idéias das pessoas, mas às pessoas. por um grande número de razões, onde a menor das quais não é a dinâmica de mercado e competição, a maioria dos investimentos começa indo para um lugar e acaba em outro completamente diferente. e pra que isso dê certo é preciso que as pessoas nas quais se está investindo realmente tenham condições de empreender. e não só de empreender aquela idéia específica lá do ponto de partida..
investidores não procuram por idéias, mas por capacidade de execução. nunca se assuste se um investidor qualquer já conhecer a vasta maioria das "idéias" que você discutir com ele. investidores conversam com muita gente [para escolher oportunidades e empreendedores capazes], investem em muita gente ao mesmo tempo [o que quer dizer que terão pouco tempo para você; use bem o tempo que que conseguir conquistar…] e trabalham em conjunto com outros investidores, tanto abaixo como acima de sua posição na cadeia de valor.
aliás, isso é alguma coisa que você tem que descobrir quando "achar" um investidor: se for preciso de mais recursos [mais rodadas de investimento], de mais contatos, de outras capacidades… "seu" investidor está isolado, parado no espaço-tempo sem se relacionar com ninguém e achando que sozinho [por mais recursos que tenha…] resolve todas as necessidades de seu empreendimento? fuja! vai ser um mau negócio pra você [e pra ele].
quando se constrói um novo negócio, é essencial pensar que a empresa resultante é, em si. um produto. alguma hora se encerra o ciclo daquela oportunidade, por abertura de capital, venda, fusão ou falência [sim, pense em falência também… empreendedorismo é risco] e você, o empreendedor, vai partir para um novo negócio. ou seja, vai precisar de uma rede de investidores, de novo… mesmo que seu negócio anterior tenha dado resultados que lhe transformem, também, em um investidor. se for isso, aí é que você precisa de uma rede mesmo.
uma coisa que muita gente empreendedora não consegue fazer é montar, evoluir e manter uma rede de investidores durante o processo de criação de um novo negócio inovador de crescimento empreendedor. e talvez seja este o mais importante resultado de sua primeira tentativa de montar um negócio, já assumindo que, na primeira vez, você será muito mais aprendiz do que na segunda e que as chances de errar, e muito, são grandes. e bota grande nisso.
o que deveria fazer com que os empreendedores devessem olhar para a rede de investidores que se envolveu diretamente na sua tentativa de montar um negócio como o principal resultado de seu esforço. lamentavelmente, no estágio atual do capital empreendedor no brasil, não é isso que ocorre quase sempre, como deveria ser o caso. muita gente boa se perde e destrói suas redes de contatos, investimentos, relacionamento e de valor, por falta de entendimento do processo combinado de empreendimento e investimento e das tensões e riscos daí resultantes. é uma pena, mas é o caso.
será que isso quer dizer que os empreendedores deveriam se comportar como coelhinhos numa mata cheia de raposas e fazer tudo o que deles se exige? não. parece que empreendedores são de vênus e investidores são de marte: encontre seus pares e, todo o tempo, tenha sinceridade com base de suas relações. no topo disso, se lembre o tempo todo que há agendas e agendas… e que os investidores têm as deles e você, as suas. de certa forma, trata-se de descobrir qual é o "casamento" que funciona. e tem pra todo mundo. senão, como uma rede de investidores botaria oito milhões de dólares em… control-C?…
se lembre que nem todos os investidores são iguais. há os "tim draper" e "sequoia" e outros dos quais só as pessoas "do meio" ouvirão falar. sejam eles que forem, uma coisa é certa: você não deve ir atrás do "dinheiro" do investidor, pois esta é a coisa menos importante que ele pode lhe oferecer. se for só isso que ele quer investir na sua iniciativa, corra, antes que seja tarde. já passei por isso em mais de um projeto e, mais do que atrapalhar, é um clássico agente de destruição de valor.
o investidor tem que se envolver no processo, tem que trazer sua agenda, visão de mundo, perguntas [sim, perguntas, muitas perguntas!] suas idéias, conexões, redes pessoais, de negócios, tudo. senão ele lhe passa o cheque e, de tres em tres meses, quer saber o que aconteceu. se por acaso der certo, ele vai achar que foi por causa do dinheiro dele e, em quase 100% dos casos, não foi. se der errado, é culpa sua, que não soube cuidar do dinheiro dele. isso se não rolar uma desconfiança de que você botou o dinheiro no bolso [isso se não houver gastado tudo na noite] ao invés de ter "trabalhado para o negócio dar certo".
conclusão? o investidor vai lhe fazer um monte de perguntas, tentando descobrir como e o que você vai empreender. faça o mesmo, pergunte muito, pergunte tudo o que for preciso até descobrir o que e como ele vai investir no seu novo negócio. principalmente se ele for muito próximo, como pai ou irmão e, ainda mais radicalmente, cunhado: não saber exatamente onde se está pisando não destrói apenas redes de contatos e negócios, mas amizades e, pior, famílias inteiras.
mais: imagine que tudo, mas tudo mesmo vai [no sentido de pode] dar errado. eu penso assim. e aí cuide para que não dê [eu tento fazer isso]… e suas chances melhoram muito.
PS: se você chegou até aqui, continue e leia o texto abaixo, que escrevi em 2006, no tempo em que ainda usava maiúsculas. parece "antigo", mas ainda sigo as mesmas regras [como empreendedor] sempre que posso. e sempre que não uso dá errado. é a existência e observância de regras como essas que, se fosse seu investidor, eu iria cobrar. sem ter algo parecido… duvido que você descubra, atraia, desenvolva e mantenha uma rede de investidores que faça sentido para o desenvolvimento de seu negócio. e tem até uma regra, aí, sobre as "mentiras dos investidores"… vá ler.
Vez por outra sou assaltado, no meio da noite, por pesadelos vários. Dia destes foi Pedro, meu quatro-anos-de-idade, que apareceu num sonho e, como se fosse de verdade, me acordou. É que, como ele não dorme uma simples noite inteira desde que nasceu, quando me aparece em sonho me acordando, acho que é pra valer e me acordo mesmo. Ainda bem que meu sono está sempre atrasado e durmo de novo muito rapidamente. Senão…
Noutras noites, muito tarde, às vezes, penso em começar um novo negócio. Estive na Newstorm e no Radix, o que não foi pouco, observei o nascimento (e morte de muitos novos negócios), estou na Qualiti há alguns anos e no c.e.s.a.r há uma década. Neste, que é um instituto de inovação, cada dia aparece uma proposta de novo negócio, então não tenho o que reclamar da variedade, complexidade e novidade dos problemas que despencam sobre minha mesa todas as manhãs. Mas, um dia destes, alguém me perguntou, de bate-pronto, andando em alguma praia… “o que é que faz um novo negócio de tecnologia de informação”?
Muitas respostas. E pra cada uma delas, muitas coisas a pesar, medir e equilibrar. Mas se eu fosse, uma hora destas, começar um novo negócio onde a corda passasse perto do meu pescoço (qualquer um que tenha estado em um startup de tecnologia sabe o que isso significa) eu usaria um conjunto pequeno e muito simples de regras pra jogar o jogo, que vez por outra, os investidores olham pra você e dizem… “jogado”. O que significa, normalmente, que você perdeu.
Primeira regra: tenha apenas os melhores – na sua opinião, e você, como melhor, na deles – como seus parceiros de aventura. Quando –se a você couber- escolher os melhores, lembre-se que um negócio de tecnologia de informação é muito mais que pura e simples tecnologia. Algum de vocês é o “vendedor nato”? Um outro entende de dinheiro, mesmo? Algum outro tem cara, jeito, fala e age como um sargento dos fuzileiros navais, pois é ele quem vai organizar e liderar –e não comandar- o time que deveria, se tudo corresse bem, desenvolver e botar pra rodar o software, a infra-estrutura, do seu negócio? Pois é, ter os melhores em tudo é o ponto de partida para um novo negócio que tem alguma chance de dar certo. Mas não é tudo.
Segunda regra: tão importante quanto a primeira, por sinal. Estas pessoas todas, que você juntou no passo anterior, têm, em cada um, a certeza de que o que vocês estão tentando fazer é o sonho de cada um e de todos? Vocês não precisam ser muitos, pra começar; mas seja lá o que vocês tentarão fazer, vai dar um trabalho danado. Vidas pessoais, e as relações de vocês com outras pessoas, vão possivelmente sentir muito do efeito deste novo negócio que vocês estão prestes a começar. Melhor, portanto, ter certeza de que todo mundo está lendo a mesma página do livro, pra ninguém vir, depois, com estórias de trancoso, acusando um ou outro de ter logrado os que, depois, se dirão de boa fé. Um preceito geral, de vida, que a gente aprende depois de velho, é que os amigos, de verdade, estão acima de tudo; é dificílimo fazer novos amigos, ainda mais depois de uma dada rodagem, quando nossos crivos são mais radicais. Logo, principalmente se você tem amigos no lance, tenha muito cuidado. Se tiver parentes ou, pior, marido ou mulher, aí é dialogar muito antes e depois de começar a peripécia. Pra não ter que conversar muito mais depois de acabar. Ou se apartar, o que é ainda mais grave… e às vezes conseqüência direta da aventura.
Terceira regra: dado que vocês são a turma certa e estão lendo a mesma página do manual da vida, será que estão fazendo a coisa certa, no momento certo, do jeito certo, pro mercado apropriado, com o conjunto necessário e suficiente de insumos? Complicado isso, não?… Será que não poderia ser mais simples? Não… Pode até ser que a sorte lhe abra portas; mas todas evidências são de que a galera que tem sorte é exatamente a melhor preparada: no lugar certo, na hora certa, com a oferta certa, pelo preço certo, exatamente na hora em que o mercado quer justamente… algo parecido com aquilo que está sendo ofertado. Não é preciso acertar tudo, claro; mas é preciso chegar bem perto… pra ter a tal sorte.
Quarta regra: desenhe seu negócio e faça com que todo mundo do time inicial entenda quais são os pontos críticos, as prioridades, qual o papel dos primeiros clientes, mesmo que eles não paguem, para a coisa começar a dar certo. Desenhar um negócio para fora da sua iniciativa, com um cliente, sempre implica, principalmente numa empresa que começa, em redesenhar a parte de dentro de seu negócio para atender o cliente. Confiar na competência do time de vendas mas não ter a competência correspondente para entregar as promessas vendidas é um caminho certo para a bancarrota prematura. Parece fácil alinhar vendas (e receitas, que pagam salários e contas) e execução (que entrega resultados)… mas, me acredite: em mais de trinta anos de software quase nunca vi uma entrega fácil. Melhor assumir, então, que vai dar rolo sempre, se as precauções devidas não forem tomadas. Daí porque a…
Quinta regra é fundamental: prepare-se para crises. Um negócio dos que a gente chama “de tecnologia” é também “de cultura”. O tal desenho vendido para fora combinado com o redesenho interno para recriar o mundo externo (dentro de seu negócio) cria, por sua vez, tensões de muito grande porte. Destas que implodem negócios pela explosão de pessoas e relações. Entre as lembranças que me vêm à mente, estão diretores levando café da manhã a programadores, sem o que o sol não ia nascer no próximo dia do negócio. Sem falar na quantidade de horas que o staff mais experimentado vai gastar, no seu negócio, para convencer clientes que algum idiota (seu melhor engenheiro de software) não tem bom senso, ao mesmo tempo em que convence um dos gênios do seu negócio (sim, o mesmo idiota) de que o cliente, por acaso o pagador do salário dele (e de suas contas) tem, ou deveria ter, razão. Sempre, por sinal. Se seu negócio só tiver uma grande crise por dia, no começo, jogue suas mãos para o céu. Vai ajudar muito quando você precisar seguir a…
Sexta regra: você é a alma da companhia. Independentemente de vocês terem obedecido as três primeiras regras à risca, em tempos de tensão e crise você vai ser sim, sozinho, o “débil mental sem-noção que nos enfiou, a todos, nesta aventura idiota e sem fim, onde só temos a perder”. Renovar seu espírito, todo dia, várias vezes por dia, será peça-chave de seu repertório pessoal de preparação para injetar ânimo em espíritos que estão, talvez, partindo para a mais franca e sincera animosidade entre si, contra o mundo e… contra você. No meu caso, sempre trabalhei dia, noite, domingos e feriados para construir negócios, sem nunca ter esperado um obrigado de ninguém. Muito pelo contrário, a estrada ficou cheia de gente que, por mais que eu tenha tentado, acha que não fiz o que deveria ter feito, além de tê-los enganado, escondido informação, faltado com a verdade, sem falar nos que, analisando todas as alternativas possíveis, acham pura e simplesmente que eu não passo de um… deixa pra lá. Se você não consegue dormir com as conseqüências da assimetria de informação causada pela (velocidade de) criação de um novo negócio, coisa montada sobre urgências e emergências, nem comece. Porque sempre vai haver gente que preferirá a pior interpretação de seus atos. E você tem que ser à prova disso, ainda mais se tiver certeza de que não está faltando com seus princípios, valores, com sua ética e moral. Dito isto, chegue, todo dia, pronto pra enfrentar as adversidades; nem com sorriso falso de esconder derrotas, nem cabisbaixo, derrotado: chegue pronto. Para o que der e vier. Quando sair, saia de vez; nada de ficar arranjando desculpas e falsos motivos pelos cantos. Peça pra sair e saia, como homem (ou mulher).
Sétima regra: até aqui, exigiu-se de você o que é humanamente possível. O sobre-humano, sem o que quase nenhum negócio de tecnologia dá certo… é: transforme sua vida no seu negócio e vice-versa. Workaholic é muito pouco; torne-se maníaco; veja clientes, parceiros, desenvolvedores, vendedores, investidores, alianças, competidores, em todo mundo, lugar, dia, hora. Enquanto estiver decolando sua iniciativa, só pense nisso, tanto quanto pilotos, tripulação de cabine, turbinas e até passageiros se concentram na decolagem de um avião, Em altitude de cruzeiro e sem turbulência, qualquer um, quase literalmente, toca qualquer negócio. Danado é na decolagem. Aliás, se você não estiver disposto a seguir esta sétima, talvez seja bom nem começar. Pior do que falhar tentando arduamente, é saber que falhou por não ter se dedicado como deveria, aliás, como se exige de um empreendedor de vera.
Penúltima regra: tome cuidado com as mentiras que vão lhe contar. Você ouvirá mentiras sobre tudo, muitas delas na forma de promessas irrealizáveis, de associados, parceiros, potenciais compradores… Em especial, previna-se contra investidores, sem sair de perto deles, que podem ser a força e luz de seu negócio, mas também seu fim. Guy Kawasaki, que entende muito do assunto, montou uma lista com as principais mentiras dos investidores, que vale a pena ser lida com atenção até para você descobrir que seu investidor é diferente. Ou confirmar que ele é igual a todos.
Última regra: não minta pra ninguém. Sinceridade pode até fazer mal a muita gente, principalmente os incompetentes e, mais do que a estes, aos preguiçosos, interesseiros, carreiristas, conspiradores, derrotistas e todo tipo de escória que coabita o mundo conosco. Mas no fim é a verdade que reina. Peça desculpas antecipadamente e, com toda a delicadeza, diga o que você pensa sem agredir, mas com firmeza. Mais do que dizer o que você pensa, se há dados idôneos e confiáveis que sustentam suas opiniões, ponha-os à mesa. Não se engane, não engane os outros, muito menos seus parceiros e associados. O mesmo Guy Kawasaki tem uma lista muito boa das mentiras dos empreendedores, e vale a pena você ir lá ver se, mesmo com toda a lisura com que você acha que age, não está pisando no tomate aqui e ali. E muito.
De resto, que o tempo, o vento e a sorte ajudem, e muito, você e sua trupe. Vocês vão precisar.
no nosso próximo capítulo, vamos discutir porque o foco da política nacional de empreendedorismo deveria mudar…
para…
…sem o que nossa performance na criação de novos negócios inovadores de crescimento empreendedor ficará no mesmo patamar de hoje, ou seja, muito abaixo do que poderia ser num país tão rico, complexo e de tantas oportunidades como o nosso.