há dois anos e meio, o blog perguntava: dá pra salvar o bom jornalismo? a pergunta faz mais sentido ainda quando se pergunta se vale a pena "salvar os jornais", e quais…
desde 2005, a internet começou a apontar como principal fonte de notícias no planeta, passando os jornais em 2008 e, claramente, "indo atrás da TV" daí por diante. este, aliás, é o tema de uma análise no the atlantic de janeiro deste ano, de onde vem a imagem abaixo, dos estudos da PEW sobre a internet e a vida americana.
se você tem menos de 29 anos, desde 2008 a internet é sua principal fonte de informação, passando TV por muito; se tem entre 30 e 49, o mesmo vai acontecer nos próximos dois ou tres anos; entre os que têm de 50 a 64 anos, a internet vai passar os jornais neste 2011 e vai atrás da TV num pique impressionante. rádio, por causa de carros e engarrafamentos, tem hoje a mesma importância que tinha há dez anos. estamos falando dos EUA, claro, mas coisa parecida se aplica ao brasil, quase uma economia-espelho [bem mais pobre…] do que o país do norte.
logo, o problema não é –e nunca foi- salvar os "jornais", ou a "TV" no sentido de manter, a qualquer custo, a dominância dos suportes físicos associados às infraestruturas industriais de produção e distribuição de notícias que têm [ou tinham…] por base rotativas e bancas de jornais ou redações e redes de TV.
o problema a ser tratado e, tomara, resolvido, é como salvar a capacidade de investigar, reportar, libertar a informação para a comunidade, diminuindo a assimetria de informação entre os que decidem [e detêm o poder] e os que serão alvo [quase sempre literalmente] dos resultados de suas decisões.
estamos num estágio intermediário entre rádio, jornais e TV e um rico, complexo e poderoso ambiente social de notícias em rede. os sinais são muitos. o guardian e o observer, por exemplo, deixarão de publicar sua edição internacional em papel, para concentrar esforços na editoria e entrega em rede. papel está terminado como meio de transmissão de informação, papel que exerceu por séculos a fio, para o mundo todo.
acima, uma "double octuple newspaper press" de 1911, que podia imprimir, dobrar e contar 96.000 jornais de 16 páginas por hora. o papel que esta prensa exercia migrou para a rede nos últimos anos mas a mudança que vimos, até agora, é só o começo.
o livro e o jornal lineares e estáticos como os impressos na maravilha mecânica da imagem ainda estão sendo transpostos para a rede quase ipsis litteris, como se tudo a fazer em um jornal ou revista na rede fosse publicar o mesmo material na web, na mesma forma em que se fazia no tempo de comunicação para disseminação de informação. aqui mesmo no blog, há um número de leitores que ainda não entende que isso aqui é um link, uma ligação para um conteúdo noutra página, na maioria das vezes fora do TERRA…
tudo bem, só faz 15 anos [apesar do conceito e seus primeiros protótipos terem quase 50…] que a noção de hipertexto começou a se disseminar; ninguém é obrigado a saber que existe e a saber usar, muito menos [no caso dos sites dos jornais na web e nos livros digitais] a saber escrever de forma hipertextual. mas assim é a web: nós, conteúdo e links, um grafo.
no lançamento de um livro em recife na sexta passada, combinei uma palestra sobre literatura na era digital. vai ser num lugar de livros e literatos e propus que o título da conversa seja… "o fim do livro". ao ouvir tamanha afronta, uma senhora perguntou: o fim do livro? onde foi que você leu isso? claro que a resposta esperada era… num livro; e a que eu dei foi "na web, claro". web –ou rede hipertextual- como a definida por ted nelson em xanadu, na década de 60… [veja este link, a partir da pág. 123]
"Well, by ‘hypertext’ I mean non-sequential writing – text that branches and allows choices to the reader, best read at an interactive screen. As popularly conceived, this is a series of text chunks connected by links which offer the reader different pathways."
…coisa que todos, ainda, vamos aprender a fazer e usar, em tudo que vai substituir as noções de jornal, livro, TV e rádio no médio e longo prazos. não é possível que eu não vá poder "clicar" em qualquer rádio [ou melhor, no fluxo que ela está transmitindo] pra ver onde mesmo é que fica a cidade onde estão dizendo que houve um terremoto, furacão ou algo assim.
“Digital textuality opens an infinite field to expand literary expression. The difference between print and digital texts can be put simply: print text is static, digital text is dynamic.”
…o impresso [e o rádio e a TV atuais] são estáticos, e o digital, hipertextual, é dinâmico. mas’isso não é tudo: à dinâmica do digital vamos associar as conexões e as possibilidades do grafo social da web. e aí, quem sabe, está o futuro não só da literatura que costumava ser embutida no livro mas de todos os tipos de conteúdos, incluindo o que hoje chamamos de notícia.
o processo de digitalização da literatura está adiantado: a coréia, um dos lugares onde o digital, conectado e móvel está quase sempre à frente do resto do mundo, decidiu digitalizar todos os livros escolares até 2015 e vai substituir as mochilas dos alunos [que andam cada vez mais pesadas e há muito são um dos riscos à saúde dos estudantes] por tablets. a idéia é simples…
…the Ministry of Education, Science and Technology announced [that] it will invest US$2.2 billion by 2015 to create an environment where students can study using better and more interactive content anytime and anywhere… develop[ing] digital textbooks for all subjects and all schools;… digital textbooks will contain the contents of ordinary textbooks and various reference resources such as multimedia and FAQs to help students understand the materials better. …[all the material will be available over] a cloud computing system…, so that users can access a database of all digital textbooks and choose what they want from their tablet PCs…
…e os coreanos têm uma esquisita mania, raramente vista por aqui, de fazer o que planejam, e mais ou menos no prazo, no longo prazo.
começando por lá [e nós depois, mais uma vez, usando só como clientes…] e pelos alunos, que serão educados sobre plataformas digitais, conectadas, sociais, não há qualquer chance de que o analógico, na forma de livros, jornais ou rádio e TV clássicas, vá ser mais do que uma curiosidade no futuro.
por isso que está quase passando da hora, agora, de testar os formatos e modelos de negócio para conteúdo digital, interativo e social [e isso inclui, veja só, a bíblia].
essa é, talvez, a grande notícia destes tempos. o resultado vai ter a forma de paper.li, flipboard ou vai haver um guardian digital, universal, pra ser lido no kindle, nook e web? pouco importa: a hora ainda é de experimentação, se bem que há quem esteja ganhando dinheiro, hoje, sem fazer ideia de quais são e como vão estar os formatos e conteúdos daqui a dez anos.