este blog acabou de publicar um texto sobre a indústria da literatura, olhando para uma [muito] pequena parte do problema que já está sendo enfrentado pelos que vivem no e do livro. parte do que pode acontecer com o livro já vem acontecendo com os jornais há pelo menos uma década: nos dez anos passados, o investimento em propaganda e marketing nos jornais, no brasil, caiu 40%. e isso enquanto triplicou na internet, como você pode ver neste outro texto do blog.
que as notícias estão indo para a rede há tempos é fato irrefutável. veja o gráfico abaixo, fruto de pesquisa da PEW americana, publicado aqui no blog em julho deste ano. lá nos EUA, a internet já é a principal fonte de informação para 65% das pessoas entre 18 e 29 anos. aqui não vai ser diferente, assim que tivermos conectividade mais ampla e barata.
a pergunta já não é mais, há tempos, se dá pra salvar os jornais em seu formato atual. não dá mais, mesmo que se perceba, no brasil, um aumento de circulação provocado pela ascensão sócio-econômica recente de milhões de famílias. a pergunta é se dá pra salvar o bom jornalismo, o que este blog vem discutindo desde 2009.
e o problema –que editoras, livrarias e autores também estão começando a ter- é de encontro de contas: o que se gasta para criar, publicar e distribuir conteúdo tem que ser remunerado em receita vinda dos usuários e [ou] clientes. mas as receitas da web, até agora, parecem não ser suficientes para sustentar jornais como o financial times que, por isso, resolveram usar plataformas como o iPad para distribuir seu conteúdo. pago, claro. e, como não poderia deixar de ser, com a apple como sócia.
a apple como sócia? pois é: tudo que passa pelo appStore deixa 30% nos cofres da companhia de cupertino. até aí, tudo bem, até porque a empresa [que faz uma fortuna em hardware e não nas receitas do market] tem um trabalho considerável para manter seu mercado de aplicações no ar.
mas, desde fevereiro, tudo o que é comprado dentro de uma app qualquer… também paga 30% para steve & co. ou seja, caso você compre a app do financial times e, lá dentro, resolva comprar uma edição especial, ou um serviço qualquer que não faz parte de sua assinatura… a apple leva 30%. com se não bastasse, todos os dados dos compradores dos seus serviços são tratados pela apple como segredo de estado e a chance de você por as mãos na informação que lhe ajudaria a entender o comportamento de seus clientes e usuários é… zero.
a revolta entre muitas empresas que usam o appStore não é pequena, até porque a regra de taxar "in app purchasing" foi introduzida a posteriori e, bem ao estilo apple, sem qualquer consulta prévia. mas vamos admitir que tais atritos sejam parte do processo de estabelecimento da cadeia de valor propriamente dita e que, até os mercados de aplicações e serviços digitais se estabelecerem, haverá mudanças drásticas.
resultado, até aqui? o financial times, que teve sua app de notícias para o iPad comendada pela apple como uma das melhores de 2010, decidiu descontinuar sua oferta para o iPad e iPhone e vai procurar outras alternativas de receita. que podem passar por HTML5 como plataforma, o que a amazon já está fazendo com seu "kindle cloud reader" que, tratado diretamente por um browser, passa completamente por fora de qualquer appMarket.
HTML5 é a última versão do velho HTML que existe desde o começo da web e, mais arrumado e capaz do que seus antecessores, pode trazer de volta para dentro da web padrão o que há tempos vinha fugindo para apps e appMarkets: a capacidade de codificar, distribuir e processar aplicações complexas [como o kindle reader] dentro do próprio browser, ao invés de se tratar e gerir uma miríade de aplicações de propósito específico como estamos quase nos acostumando a fazer nos smartphones e tablets.
olhando para as dificuldades dos mercados de aplicações, as peculiaridades da apple e as novas capacidades trazidas por HTML5, é capaz de estarmos começando a observar uma volta, em grande escala, para browser. o que não seria de todo ruim. isso porque, no caso de iPad e iPhone, nem a apple nem os desenvolvedores ganham dinheiro de verdade com apps, porque o app market de google para android é confuso… e porque as empresas não estão dispostas a serem sócias, obrigatoriamente, de seja lá que mercado for. ainda por cima, uma volta radical ao browser poderia ser o fim dos sistemas operacionais, o que seria ainda melhor para os usuários [e não necessariamente para os fabricantes, mas isso é problema deles].
em tempo: o próprio steve jobs acha [ou achava] que o futuro é da web aberta e não de padrões fechados. é certo que ele não falou contra mercados fechados e controlados, se também [como o appStore] seriam coisa do passado da rede, mas que é capaz da evolução de HTML5 dar cabo de vários deles. vamos esperar pra ver quem vai seguir a amazon, financial times, box… no caminho de volta para o browser.
em particular, vamos ver o que os jornais digitais vão fazer. pra quem não fez uma app de respeito ou que é usada em larga escala até aqui, a hora é de pensar porque não investir em HTML5 e "pular" os mercados de aplicações, trazendo de volta a web de informação e notícia para dentro do browser, que talvez seja a única aplicação que realmente precisamos ter numa rede ubíqua e pervasiva.
e voltar a pensar -resolvida a tecnologia, pelo menos por enquanto- em modelos de negócio capazes de sustentar, de novo e daqui pra frente, um jornalismo de qualidade. possivelmente em rede [e social] como nunca foi antes. e que talvez seja uma das únicas saídas daqui pra frente.