wMcCann e grupo.mobi publicaram uma pesquisa muito interessante sobre o comportamento digital, conectado e móvel dos brasileiros e o blog conversou com ricardo cavallini, que conduziu o trabalho pela wMcCann, sobre o que está por trás do trabalho e a interpretação de alguns dos resultados.
ricardo cavallini, que reside em http://cava.net.br/, é vice presidente de convergência da wMcCann e autor dos livros "o marketing depois de amanhã", sobre novas tecnologias e seu impacto sobre o comportamento do consumidor, "onipresente", que coloca em um contexto histórico a transição do mercado de comunicação, de "mobilize", sobre as possibilidades de propaganda e marketing no universo móvel e "a arte de desperdiçar energia", sobre o site pornô mais famoso do brasil.
a seguir, nossa conversa, pautada por slides da apresentação da pesquisa, que estão neste link. os itálicos e negritos, nas respostas, são daqui do blog.
pergunta 1, sobre o slide 9: qual o sentimento de vocês sobre os 44.4% dos proprietários de celulares convencionais que pretende trocar de celular nos próximos seis meses? as ofertas existentes no mercado farão que parte deste público de dezenas de milhões de usuários migrar para smartphones, e consequentemente, acesso a internet móvel? e quais serão as consequências disso?
Nenhuma pesquisa traz respostas exatas ou definitivas, mas uma pesquisa bem conduzida pode servir para entendermos uma tendência, um norte. Quando escrevi o livro Mobilize ano passado, com o Leo Xavier e o Alon Sochaczewski, tivemos muita dificuldade para levantar números mais precisos ou oficiais sobre muitas coisas. O universo móvel está crescendo rapidamente, temos mais de 200 milhões de linhas de celular mas ainda conhecemos muito pouco sobre os hábitos dos brasileiros.
A velocidade de troca é um destes assuntos. Através de informações internas de operadoras e especialistas, era de conhecimento comum que a troca de aparelho no brasil ocorria a cada 2 anos (de 18 a 24 meses em média). Mas na pesquisa ficou claro que existe uma faixa da população (de 20% a 30%) que não costuma trocar de aparelho nunca. Esta faixa empurra a média para cima. Se ignorarmos esses "atrasados", a maioria das pessoas troca de aparelho em até 1 ano. Só não podemos dizer que o aparelho celular virou descartável porque sabemos que uma pessoa passa seu telefone para frente (para família ou amigos) quando compra um aparelho novo.
Por não atingir a maior parte da população, a posse do smartphone está
hoje nas mãos dos mais conectados. Por outro lado, o fato da tecnologia estar cada vez mais disponível e mais fácil pode acelerar esta curva de adoção. A banda larga móvel ainda não está disponível para todas as cidades mas estará em poucos anos. As vendas de smartphone estão acelerando e agora sendo impulsionadas pelos subsídios das operadoras.Quanto mais acessível, mais fácil e mais possibilidades tivermos, mais
usaremos. O iPhone é um ótimo exemplo disso. Por sua facilidade, seu uso e interação é muito mais forte que em outros aparelhos. Por isso digo que o crescimento de vendas de smartphone poderá causar uma explosão no uso como acesso à internet, download de aplicativos e
acelerar a queda de uso de SMS. Quando falamos de acesso à internet e outras coisas, o smartphone é causa, mas também é consequência.
pergunta 2, sobre o slide 31: pelos resultados da pesquisa, 40.8% dos consultados já acessa a internet através do celular. mais gente, proporcionalmente, do que a internet "fixa" quatro anos atrás. 83% do acesso vem de smartphones. as empresas, de mídia e negócios, estão preparadas para esta mudança? deveriam? por que? como?
Se compararmos com a internet fixa de quatro anos atrás, ela recebia
muito mais investimento (suor, atenção e grana) do que o universo móvel hoje. Acredito que isso aconteça por dois fatores. Primeiro, acho que não aprendemos com os nossos erros. Muitos ignoraram o digital nos últimos 15 anos e vão continuar ignorando as mudanças que estamos sofrendo.O segundo fator é também um agravante, mobile está crescendo e
evoluindo muito mais rápido do que a internet fixa. E isso não é algo novo, já aconteceu várias vezes (internet atingiu 50 milhões de usuários mais rápido que TV, que por sua vez cresceu mais rápido que o rádio, que cresceu mais rápido que o telefone fixo, etc.), e continuará acontecendo.Para empresas cuja estrutura e cultura não é concebida para evolução e inovação, está cada vez mais difícil acompanhar a mudança. Talvez por isso temos tantos exemplos atuais de empresas que eram líderes há poucos anos e hoje se encontram em situações tão delicadas (Nokia, por exemplo).
No livro, mostramos vários cases de empresas que já estão trabalhando no universo móvel. Apesar disso, o número de empresas que vejo perder
oportunidades é muito maior do que as que estão experimentando.Em resumo, na minha opinião, as empresas deveriam estar se preparando e rápido, para não cometerem o mesmo erro que cometeram com a internet nos últimos 15 anos. Assim como a internet, o celular não é apenas mais um meio (como muitos comunicadores acreditam). É muito mais do que isso. É uma mudança de comportamento e cultural, isso é bem maior do que apenas propaganda e marketing.
pergunta 3, sobre o slide 42: mesmo na classe C, que tem o menor acesso a smartphones [19%, contra 49,7% na classe A], o acesso móvel a faceBook está bem perto de orkut [50,3% vs. 56,4%]. o que isso quer dizer? que futuro você prevê para orkut? qual será o papel de google+ neste cenário?
No acesso via computador, o crescimento do Facebook foi brutal nos
últimos 2 anos. Apesar do Orkut continuar crescendo, não é mais um líder isolado. Segundo a ComScore, o Facebook já tem 70% dos usuários do Orkut.Ainda assim, é interessante ver que no acesso móvel esta diferença caiu para margem de erro, mesmo na classe C. Esta pequena diferença também acontece quando olhamos para usuários de celular convencional.
O valor de uma comunidade não são suas features ou suas ferramentas, mas sim a própria comunidade (segundo a lei de Metcalfe). Não quer dizer que o Orkut está morto, mas quero dizer que o maior diferencial do Orkut deixou de ser diferencial.
Também mostrou que a leitura de que "Orkut é coisa de pobre" e "Facebook é coisa de rico" era apenas uma visão preconceituosa. Estávamos passando por uma migração e não uma segregação. Com o provável crescimento do Google+, será interessante descobrirmos se existe espaço para termos 3 "sugadores de atenção" tão parecidos. Eu não arriscaria um palpite agora, é uma discussão mais longa, mas seria interessante lembrar que, com tantas opções, ninguém é mais fiel a nada. Nem a produtos e serviços, nem a comunidades online.
pergunta 4, sobre o slide 65: cerca de 15% dos usuários já comprou alguma coisa a partir do seu -como dizem os portugueses, telemóvel. como você vê a evolução deste cenário nos próximos 1.000 dias e como será o impacto disso, principalmente sobre o varejo tradicional e os shoppings, por exemplo?…
Dos cerca de 40% que acessam a internet pelo celular, cerca de 15% já
compraram através do aparelho. A maior parte deles, da Classe A. É um número absoluto muito baixo. Por outro lado, segundo a ebit, temos 23 milhões de compradores online. Se temos 81 milhões de internautas (segundo o Datafolha), significa que cerca de 28% deles são compradores.Dado a escassez (ou melhor, quase inexistência) de lojas adaptadas para o ambiente móvel, com este comparativo, os 15% se tornam monstruosamente grandes para dados coletados no começo de 2011.
Todos os hábitos adquiridos e conquistados no acesso via computador
serão transferidos para o celular. Toda a curva de aprendizado, mudança comportamental e cultural não precisaram ser "reconstruídas", foram herdadas.Os brasileiros têm o hábito de acessar redes sociais e levaram este comportamento para o celular. Os brasileiros que compram pela internet o farão no ambiente móvel também. Então, o resultado pode não vir no curtíssimo prazo, mas se eu fosse um varejista, começaria ontem a experimentar e marcar minha presença no ambiente móvel.
Nos próximos mil dias, acho que a influência do celular na compra será mais importante do que a compra em si através do celular. O aparelho será nossa grande interface com o mundo analógico. Poderemos comparar preços, ver opinião de outros consumidores e até achar lojas próximas com ofertas melhores. Todo aquele poder que a internet trouxe para o consumidor, na sua mão, o tempo todo.
pergunta 5, sobre o slide 49: os aplicativos mais instalados nos celulares de todos os tipos são jogos [cada vez mais sociais…] redes sociais e variados tipos de instant messenger. os aplicativos considerados mais importantes são os de redes sociais e mensagens [como mostra o slide 50]. somos todos, mesmo, móveis, conectados, sociais? que consequências isso pode ter para os negócios?
O celular é um sucesso no Brasil. Redes sociais então, nem se fala. Era quase óbvio que iria terminar em casamento.
Em outra pesquisa da WMccann, olhando apenas para o comportamento digital da Classe C, descobrimos que os consumidores emergentes usam as redes sociais muito mais profundamente do que algumas pessoas imaginam. Além de usar para socializar, usam também para realizar negócios, ajudar na carreira e até na família. Coisas como aprender a ser melhores pais, interagir com especialistas da sua profissão e até mesmo ganhar dinheiro, vendendo na web.
Ironicamente, o brasileiro aprendeu usar as redes sociais de maneira mais profunda e intensa do que a maioria das empresas, mesmo comercialmente falando.
Respondendo a pergunta, para quem ainda acredita que redes sociais é apenas coisa de desocupado, nenhum impacto. Para quem percebeu o tamanho da mudança que isso representa, o impacto é monstruoso.
Na próxima década, o celular será a interface das pessoas com o mundo à sua volta, provendo localização, contexto e comunicação com lugares, pessoas e objetos. Novamente, é quase óbvio que isso vai trazer mais opção e mais poder para o consumidor. E isso muda tudo, de novo.
pesquisas como esta estão melhorando muito nosso conhecimento sobre o mercado brasileiro em muitos sentidos. sempre fomos famosos [notórios, talvez] por não termos dados sobre quase nada do que acontecia no país. fazer tais pesquisas e liberar boa parte do resultado para o grande público é uma contribuição ímpar para um melhor conhecimento do mercado brasileiro e para o desenvolvimento, por todos e para todos, de uma economia digital mais sustentável. a wMcCann e o grupo.mobi estão de parabéns. e nós todos esperamos que o esforço não seja episódico, mas parte de um trabalho estrutural que possa continuar ainda por muito tempo.