o fim do papel vem sendo anunciado há décadas. e não parece estar nem um pouco perto de acontecer. já o fim do que a gente costumava chamar de "jornal", aquela empresa que coletava notícias e opiniões, vendia anúncios, editava tudo junto, imprimia o conjunto em papel "jornal" e distribuía pelo mundo, mesmo que fosse o mundo perto, como arcoverde, pesqueira, pedra e buíque… este fim parece estar cada dia mais perto.
o papel, desde que não seja como "meio de transmissão" de informação, vai muito bem, obrigado. talvez nunca tenha estado melhor. mas os jornais estão em seríssimas dificuldades em muitos de seus principais mercados. nos estados unidos, jornais centenários como o christian science monitor desistiram de sua edição diária e estão de mudança para a web. outros, menores [mas localmente importantes] como o albuquerque tribune [86 anos de publicação] simplesmente desapareceram.
a história do tribune é típica. a circulação do jornal caiu de 42 mil por dia em 1988 para menos de 10 mil em 2008, tornando a operação inviável. os leitores foram para a internet, os anunciantes também e o modelo de negócios do "diário impresso" deixou de fazer sentido. 38 jornalistas e editores perderam seus empregos. o tamanho da bronca, nos eua, este ano, é grande: pelo menos 13.500 jornalistas, editores, administradores e outros cargos desapareceram na indústria de jornais. clique na imagem abaixo para ver um mapa interativo mostrando empresas e lugares que estão desempregando jornalistas como nunca se viu nos estados unidos.
no brasil, a circulação dos jornais cresceu mais de 11% em 2007, situação que parece com a dos países emergentes, mas é muito diferente dos eua, onde grandes jornais, como new york e los angeles times perderam 5% da circulação no mesmo período. os estados unidos [e os países mais ricos] estão se transformando em verdadeiros cemitérios dos jornais "de papel".
bote mais gente na rede, por aqui, mais banda, preços mais razoáveis [anatel! precisamos de competição em banda larga!], monitores de melhor qualidade, impressoras de maior resolução… e vamos ter o mesmo efeito dos estados unidos. e no espaço de uma década, aqui. o modelo "papel como mecanismo de transporte de informação" está teoricamente falido. agora é só esperar que seja efetivamente subsituído por jornais online, blogs, redes sociais, twitters e por aí vai
em 28 de abril de 2000 publiquei um texto inaugural na minha coluna na revista eletrônica NO., começo de dois anos de conversa sobre a internet e o mundo cá fora. o texto tinha por título o fim de um dos fins do papel e tratava exatamente do que estamos falando aqui. o texto ainda tá novinho em folha. clique no continue lendo, abaixo, e continue lendo…
Não passa um dia em que não haja uma frase de efeito, em algum lugar da mídia, sobre o fim do papel, da tinta e do livro. Só que, ao invés de um fato acontecido ou iminente, anuncia-se na verdade um debate, quase briga, quando bibliófilos estão por perto. Sem falar nos fabricantes de papel e plantadores de eucalipto.
Papel e imprensa andam juntos há 500 anos, mas há uma impressão de que a imprensa estaria saindo do papel. Principalmente quando se criam constelações de competência para fazer notícia e opinião virtual, literalmente, sem nenhum registro a ser vendido em banca. Seria isto mais um augúrio do tão esperado fim do papel?
Nem tão cedo. Nem os mais radicais adeptos das telinhas ficam à vontade lendo on-line. Ainda é difícil tomar notas, grifar texto, circular parágrafos de interesse e ligá-los a outros, noutras páginas. Dobrar bordas do papel para criar marcas, nem pensar. Este papel, que o papel exerce insuperavelmente, hoje, é o do papel-pra-ler.
Há também o papel-pra-escrever, o papel-pra-armazenar, para embalar. Apesar dos laptops e Palms, tomo notas em cadernos, concretos, de papel real. Desenho, faço gráficos, expresso modelos, meus e dos outros, em papel, enquanto converso. Este papel-pra-escrever vai demorar, também, muito tempo para ser substituído. Quer ver, preste atenção nas pessoas tomando notas em Palms ou coisas do tipo.
O papel para armazenar também tem uma chance. Papel e tinta de qualidade duram séculos; já CDs de qualidade comercial começam a se degradar em menos de 15 anos. Em 50 são inúteis, mesmo que tenhamos preservado os formatos em que foram escritos, um dos problemas adicionais de armazenamento abstrato de informação. Mais de um projeto já ficou sem história porque o formato e dispositivos usados para guardar informação desapareceram. Ou quase: minha tese de doutoramento estava numa fita de 9 trilhas ICL, inglesa, gravada no sistema operacional EMAS, em 1985. Joguei fora, pra poupar raiva… é mais fácil digitalizar a cópia de papel.
Mas uma coisa é certa: o papel-pra-transmitir, que leva informação entre pontos, vai se tornar relíquia em pouco tempo. Os argumentos são financeiros, temporais e ecológicos. Uma revista impressa nos EUA custa pelo menos 100% a mais no aeroporto de São Paulo e, se chegasse em Campina Grande, talvez custasse 200% a mais. A maioria, claro, nem em São Paulo chega. Ninguém precisa ser um gênio para imaginar que tal sobrepreço não fica com a banca, mas com o transporte 11 aéreo. Papel pesa, e muito: enviá-lo por via aérea é uma forma segura de mandar o preço para o espaço.
E revistas têm que vir de avião, para ter algo a ver com o presente. Com os jornais é ainda pior: não há como ler a edição em papel do Asahi Shimbum em São Paulo, no mesmo dia. Muito menos em Lençóis, BA. E jornal diário só interessa no mesmo dia ou então quando vira história. Entre os dois, é um recurso, anti-higiênico, para se embrulhar peixe. O que é, me parece, uma figura de linguagem, pois faz anos que não vejo um surubim nas páginas policiais.
E o papel-transmissor não fará falta se as bancas imprimirem jornais e revistas, sob demanda, para quem quiser lê-los no seu formato de tinta, cola e celulose. Todas as bancas, então, poderiam ter todos os jornais, revistas e, talvez, livros do mundo. Escolha o título, pague e imprima na laser colorida da banca. Na hora, que nem caldo de cana. Quem não quiser tanta qualidade imprime em casa. Vai acontecer no futuro próximo, antes dos livros eletrônicos. Que parecem o Brasil: há anos são o futuro (do texto, no caso).
E a discussão principal não é o fim ou não do papel e sim a qualidade e utilidade do que vai estar nele, real ou virtual, daqui pra frente. O papel, real, vai conviver com a imprensa e a informação por muito tempo. Mas boa parte da produção está indo para o virtual e eliminando o papel-transmissor. O que é bom pra todos, porque leva notícia e opinião para todos os cantos do mundo, num piscar de olhos. Ou num clicar de mouse…