futuro: o imaginado e o real

em SYNESIS, [vol.4, 2013: Imagining Tomorrow: Why the Technological Future We Imagine Is Seldom the One We Get] van riper pergunta, no título… por que, ao imaginar o futuro tecnológico, a gente quase nunca acerta? a resposta não parece óbvia, mas é. olhe as imagens abaixo, cromos de previsões para [usos de] tecnologias no ano 2000, feitas em 1910, na frança. a primeira é de uma mensagem de voz…

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…entregue cerimoniosamente por um mordomo [que a recebeu do carteiro] a seu senhor, que vai tocar o cilindro [não era nem disco ainda, em 1910…] num fonógrafo que quase ninguém que vai ler este texto viu, quanto mais ouviu tocar. em 2000, claro, mensagens de voz eram deixadas nas caixas postais dos celulares [antes, ficavam nas secretárias eletrônicas] e qualquer tipo de arquivo, inclusive de áudio, podia ser enviado por emeio, para quase todo ponto da terra. na imagem abaixo, você pode ver…

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…o que a gente diria hoje que “seria” um robô, só que este é da imaginação da época: um barbeiro controla duas torres de barbear e cortar cabelo, usando comandos [olhe a alavanca!] de um sistema que iria acelerar muito seu trabalho. mas eu não sentaria nestas cadeiras nem a pau. a mesma classe de imaginação vale para a toilette das senhoras…

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…e para a sala de aula, onde um aluno [ou professor auxiliar, coitado] está literalmente moendo os livros que são transferidos para os fones de ouvidos dos alunos.

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não que as aulas de hoje sejam melhores do que isso, mas nem parecem com isso. em muitas delas, se for permitido, os alunos botam os fones pra não ouvir o que o professor está dizendo, talvez…

o que há de comum nestas imagens [há mais, aqui]? eletricidade. por acaso, que onda de inovação viviam os franceses, em 1910? frança, quase toda a europa e os EUA estavam vivendo no começo onda de inovação cujos principais vetores eram eletricidade, motor a combustão interna e química. outras imagens da mesma série tratam exatamente de possíveis futuros usos de química e motores. é o que mostra o gráfico abaixo; a onda vermelha era a frança da previsão dos postais e nós, agora, estamos vivendo a combinação das ondas de eletrônica [digital], software, redes e sistemas em rede, as três ondas com nomes em azul. image

em 1910, aviação era algo rudimentar; eletrônica, nem pensar; software, então… apesar de alguns conceitos terem origem no séc. XIX, não era de se esperar que o imaginário científico e popular do tempo pensasse em [e previsse] a internet, móvel, smartphones e apps no ano 2000.

sabe o que é mais interessante? este julho comemora 30 anos de um dos livros mais importantes do século XX, neuromancer, de william gibson. há três décadas, gibson previu a rede como ela quase é hoje, incluindo as redes sociais, experiências sensoriais muito além de google glass e oculus rift… mas o livro não tem um celular; smartphone ou apps… nem pensar. os telefones do texto são fixos e os personagens de um futuro distante [visto de 1984] usam orelhões. pelo menos há os que tiram “pequenos consoles planos do bolso e digitam sequências de caracteres”. isso lhe parece com smartphones? neuromancer é brilhante e foi o primeiro a ganhar, merecidamente, os três maiores prêmios de ficção científica; inventou toda uma estética e ainda vamos viver muita coisa que ele pensou. e que ele não pensou, também, como estamos “vivendo” smartphones.

imagemas… e se você fosse escrever um livro sobre daqui a 30 anos, 100 anos… o que diria? estamos falando de escrever algo que pode –ou vai- rolar em 2050, 2100. olhando pras ondas de inovação, acima, descritas por hargroves e smith em 2005, já está faltando coisa, não? onde estão os robôs, por exemplo? avanços recentes de genética? a biologia sintética? e a combinação destas? pois é: pra prever o futuro é preciso desenhar cenários, primeiro. e isso não é simples, mesmo para quem está acostumado a fazer tal tipo de exercício. o conselho mundial de energia publicou, em 2013 um cenário para energia em 2050, com o auxílio de dezenas de especialistas. sabe qual é a conclusão, analisando 15 conjuntos variáveis que tratam mais de 100 aspectos do problema? um trilema, um espaço de três opções onde não se pode ter [tudo de] todas ao mesmo tempo. no caso, as escolhas são entre duas de segurança energética, acesso e preço de energia e sustentabilidade ambiental. aí… se você fosse escrever uma novela sobre o futuro da energia, em 2050, escolheria o que?

veja o caso de neuromancer: gibson pode ter pensado que os riscos eletromagnéticos ligados aos celulares eram tamanhos que, se a humanidade fosse minimamente consciente deles, não haveria celulares em 2014. como nunca houve aviões a propulsão nuclear, que são “futuros do passado” ou yesterday’s tomorrows. como a era espacial prevista, pra quase agora, por heinlein, von braun e tantos outros.

em seu artigo em SYNESIS, van riper conclui que

We have ample evidence that the needs technology meets are subject to change, that technological change is not invariably linear and incremental, and that “inevitable” technological changes can be stopped cold by popular opposition or indifference. Why, then, do we persist in imagining the future as if—in each case—the opposite were true? Part of the answer is that our casual, day-today view of technological change readily suggests the myth, just as watching the sky suggests that we stand, fixed, at the center of a spherical universe. Another part of the answer is that the reality displaces the myth only in the long—a view that relatively few of us back up and take.

…mudanças [de bases] tecnológicas não são lineares e incrementais [lembre-se das “ondas” de inovação]; que mudanças  “inevitáveis” muitas vezes não rolam por causa da oposição ou indiferença… e que nós continuamos investindo nos nossos “mitos tecnológicos” porque eles só se provam errados no longo prazo, às vezes no muito longo prazo.

e daí? o futuro imaginado a partir do passado, pela via do presente, raramente acontece. o futuro vem do futuro. nosso papel, no presente, é trazê-lo de lá. é imaginar o abstrato concretizável e concretizá-lo.  de preferência, e se possível, imaginar futuros em que haja humanos em posições relevantes. e isso não é fácil, por exemplo, quando se imagina certos cenários de futuro do trabalho, algo que imaginamos essencialmente humano. ao contrário do barbeiro da primeira imagem, cujo futuro era imaginado em termos de eletricidade, seja qual for o futuro do trabalho, há de ser imaginado em termos de dados, informação, conhecimento, informatização e automação. o que pode levar um dos mais célebres pensadores do contexto atual de desenvolvimento e uso de TICs a dizer que

There won’t be much work for human beings. Self-driving cars will be commercially available by the end of this decade and will eventually displace human drivers—just as automobiles displaced the horse and buggy—and will eliminate the jobs of taxi, bus, and truck drivers. Drones will take the jobs of postmen and delivery people.

The debates of the next decade will be about whether we should allow human beings to drive at all on public roads. The pesky humans crash into each other, suffer from road rage, rush headlong into traffic jams, and need to be monitored by traffic police. Yes, we won’t need traffic cops either.

Robots are already replacing manufacturing workers. Industrial robots have advanced to the point at which they can do the same physical work as human beings. The operating cost of some robots is now less than the salary of an average Chinese worker. And, unlike human beings, robots don’t complain, join labor unions, or get distracted. They readily work 24 hours a day and require minimal maintenance. Robots will also take the jobs of farmers, pharmacists, and grocery clerks.

robôs aparecem nos parágrafos acima como “exploração espacial” nas narrativas de futuro da década de 50. e o futuro também tinha carros sem motorista nos anos 50, como mostra a imagem abaixo… era só botar o carro na linha do trem… e aproveitar a viagem. aqui no brasil, hoje, nem linha de trem nós temos, enquanto a inglaterra vai começar a testar carros sem motorista nas cidades em janeiro de 2015. se derem certo, de onde vão vir os carros, tecnologias, especialistas no assunto, pra cá?…

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no fim dos anos 50, o futuro estava engarrafado e o transporte para o trabalho era de helicóptero.

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pense!… e havia fumantes e não fumantes, ainda por cima. onde estão os fumantes? porque a gente não conseguia, até os anos 80, imaginar um mundo onde havia quase só não fumantes?

e, se havia este de transporte, não havia internet; mas –nos anos 50- o futuro tinha e-commerce!

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imagine: pesquisar, escolher e comprar coisas numa “tv-fone bidirecional”. não foi o que rolou até aqui. porque mudou toda a plataforma para conectividade, relacionamento e interação e, mais que isso, a mudança tecnológica habilitou todo um novo universo de criação de significados. bye, bye, “tv-fone bidirecional” pra compras. o tv-fone tá no skype, hangOut e o que mais, mas não pra compras.

o futuro do futuro só acontece no futuro. karl valentin dizia que o futuro era melhor no passado [no original, früher war selbst die zukunft besser]. certamente ele previu ou acreditou em previsões de futuro que eram baseadas no passado pela via do presente. não podemos correr tal risco ao fazer planos, sob pena de cair na nostalgia de valetin, de ter saudade de um futuro que nunca existirá.

como desafio, imagine seu futuro, da sua instituição, do seu negócio, do país. o seu futuro. é claro que vai ter um monte de tecnologia lá. quais são as próximas ondas de inovação, quando cada uma começa a pegar e quanto tempo vão levar para atingir seus picos, o que corresponde ao maior impacto sócio-econômico em relação à onda anterior? e se lembre que inovação não é  tecnologia, mas a mudança do comportamento de agentes, no mercado, como consumidores e fornecedores de qualquer coisa. seja o que for mudar nas plataformas tecnológicas, isso envolve as mudanças nos comportamentos das pessoas, o que por sua vez envolve educação, normas, regras sociais, éticas, políticas e por aí vai. pra começar sua prospecção de futuro, visite este link e tente entender o mapa de possíveis tecnologias [e usos] que mostramos parcialmente na figura abaixo.

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o mapa é o mais popular deste link. vá lá. e proponha suas ondas de inovação [e não de tecnologia]. e escreva a história do futuro que você quer que aconteça, dentro de um espectro de possibilidades plausíveis. pra coisa rolar mesmo, inicie um novo negócio inovador de crescimento empreendedor, no brasil, pra que o futuro aconteça daqui pro mundo. a gente consegue. se tentar, claro. se não, o nosso futuro vai, quase sempre, ser o passado dos outros. como vem sendo até agora, aqui.

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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