uma das mais insistentes e, hoje, quase ingênuas metáforas que se usa para falar de criatividade e inovação é um certo pensar fora da caixa. como se um negócio ou instituição qualquer fosse uma caixa e, para pensar de forma ortogonal à corporação e tentar mudar alguma coisa [em qualquer lugar] fosse preciso sair da caixa, deixando pra lá os métodos, processos, produtos, serviços e, quem sabe, a filosofia, visão e a hierarquia de um negócio qualquer, para tratar da sobrevivência daquele negócio que você… bem, deixou pra trás.
uma das principais razões pelas quais inovação [e seu principal ponto de partida, a criatividade] é um anátema corporativo é que ela, por quase natureza, é paradoxal. quem muda a organização, quase sempre, é quem foge de seus limites na corporação e corre riscos sempre maiores do que a segurança do emprego recomenda. ou seja, os inovadores são irresponsáveis. se fossem responsáveis, se respondessem às muitas normas e todas as regras da corporação, como a mudariam? daí a ideia do fora da caixa. e se diz muito por aí… e você já ouviu, pensar fora da caixa. esqueça: é fazer, pra começar. e quase nunca é fazer fora da caixa, é fazer outra caixa. porque negócios, de acordo com esta metáfora, são caixas. sempre. este é um dos paradoxos da inovação…
e nem pense que mesmo nas organizações onde já se pensa em inovação de forma mais ou menos estruturada é mais fácil fazer mudanças do que onde inovação é quase uma subversão. as segundas, às vezes, têm muitas vantagens sobre as primeiras. quer ver? mudar comportamentos é a base e a razão de ser da inovação e isso sempre é muito difícil. imagine que seu negócio tenha uma diretoria de inovação que articula meios e métodos para mudar a empresa. imagine também que você vai tentar convencê-los de que tal arquitetura pra inovar não funciona, que historicamente não dá resultado, que inovação deve fazer parte de toda a estratégia de negócios da organização e estar distribuída nela. isso quer dizer que você estaria propondo a extinção da tal diretoria de inovação e a dispersão de inovação na organização, articulada na estratégia do negócio desde o topo e tendo o CEO como líder e principal motor do processo. é [talvez só] assim que inovação acontece. pra funcionar, nós teremos que desmontar a “diretoria” [ou departamento, ou laboratório, ou o que for…] de inovação. você acha que eles serão a favor de tal ideia ou que vão lutar com tudo o que têm, até o fim, pra não desmontar o núcleo de poder [talvez sem propósito ou papel…] que foi construído por eles?…
a imagem acima, de ian whadcock, dramatiza nosso contexto um pouco mais: nas transformações digitais pelas quais mercados inteiros estão passando nas últimas décadas, as pessoas e partes [muito significativas] das organizações estão sendo jogadas fora da caixa empresarial e muita gente está caindo de muito mau jeito. em situação de [quase] estabilidade competitiva, onde o cenário é mais ou menos constante para todos, a ideia de pensar fora da caixa [apesar de ingênua] até que faz sentido. mas quando seu mercado está sendo virado de cabeça pra baixo e quando estão lhe jogando, quer você queira ou não, fora da caixa [dos negócios], é hora de começar de novo, de refazer quase tudo, e das bases pra cima. é isso que acontece há muito tempo, por causa das ondas de inovação digital, e é isso que vai continuar acontecendo por muito tempo. e quais seriam estas ondas ondas de inovação digital? olhe a imagem abaixo.
arbitrando que foi na década de 70 que os computadores digitais começaram, de fato, a entrar no mundo dos negócios e nas instituições de ensino e pesquisa [em 1977, o principal computador do ITA era um IBM 1130 com 32K de memória e o “super” computador do INPE era um B6700 com 400K de memória…], as décadas seguintes viram primeiro software, depois redes [a internet comercial é de 1995, aqui], e mobilidade na década seguinte e, agora, estamos vendo as coisas se conectarem. o começo de cada onda vem de cada década acima e, quando alguém carrega um app de 15 megabytes num smartphone, hoje, surfa uma onda de inovação digital que já tem mais do que as 5 décadas acima, vem de antes da segunda guerra mundial.
o que as 5 ondas de inovação digital, agindo ao mesmo tempo, fazem com os negócios? mudam tudo, como você já viu na primeira imagem deste texto. jogam todo mundo pra fora de suas caixas, de tempos em tempos. mas… todo mundo do mesmo jeito, na mesma frequência e força? claro que não. olhe pra imagem abaixo…
…que combina as incertezas de demanda [mercado] e tecnologia [suporte tecnológico] por tipo de negócio e se nota, claramente, que quem trabalha com ouro, por exemplo, deve ter uma vida bem menos tensa do que a moçada de fármacos e software, com entretenimento e tecidos em algum lugar entre os dois. é bom notar que a medida de investimento em P&D versus receita é logarítmica: os bancos investem dez vezes menos, nestes termos, do que o povo de aeronáutica. de um jeito ou outro, e vindo do quadrante superior direito pra baixo, todo mundo é afetado pelas mudanças de contexto causadas por uma revolução como a digital, que serve de suporte a quase todo tipo de atividade e mercado. e a gente poderia comparar com a revolução que já começou mas que muitos não percebem, a de genética. será que genética tem a ver com tudo, tanto quanto digital? a resposta é… quase certamente não. apesar de ter a ver com muita coisa, especialmente quando for combinada com a revolução digital. pense nisso, e nisso no seu negócio [atual].
pra terminar, o que é que a gente tem que fazer quando mexem na –ou evaporam, de repente- nossa caixa?… se isso está acontecendo ou está para acontecer, deveríamos estar em um processo de transformação digital. o que é isso? imaginando que os processos de criação, produção, entrega e captura de valor de seu negócio tenham muito a ver com infraestruturas digitais de suporte à performance, olhe para o diagrama abaixo, que vem deste link…
…e pense: se você fosse liderar uma mudança que parte do encontro dos eixos e cujo propósito é operar uma transformação digital no seu negócio, o que você faria? indo primeiro pelo QUE, sua estratégia seria redefinir [em último caso] toda a proposta de valor [digital, ou com muito digital, talvez] para o usuário e então articular [talvez refazer] toda a rede de capacidades [digital, também] para fazer a entrega [COMO]. seguindo primeiro pelo COMO, isso se inverte: primeiro você se torna digital, capaz de entregar valor digital em quase toda sua gama de ofertas e, aí, pensa as ofertas em função de suas novas capacidades. acontece que a vida real é muito mais enrolada e o que se dá, especialmente nas empresas que conseguem liderar estas transformações é algo como o mostrado no diagrama abaixo: ao invés do caminho 1 ou 2, descritos acima, outro, mais complexo e ao redor da diagonal, 3, é o que ocorre. isso quer dizer que, ao mesmo tempo em que você redefine o valor, se prepara para a entrega, o que não é só um casamento de desenvolvimento com operações mas, também, de conceituação e desenho com planejamento, de estratégia com [des]organização, de criatividade com inovação e empreendedorismo. e, claro, execução, muita execução.
a rota azul, como você pode notar, não é linear; cada linha que sai da corrente principal de transformação e “dá um passeio” ao seu redor pode ser um processo que realmente precisa ser isolado e que depois se realinha, mas também pode ser um grupo –um desenho- que se desgarrou e talvez não volte nunca mais; três deles, na imagem acima se perdem; dois muito rapidamente [o que é bom se você conseguir trazer o time que estava lá e seus aprendizados de volta] e um morre depois de muito tempo e várias interações. o isso pode ser bom, se a gente aprender muito no processo, se o desgaste do “time perdido” não for terminal e se o negócio ainda tiver tempo para mudar. porque tempo é quase tudo. ou mais: é só o que você tem. e o tempo é pouco, se você está pensando em fazer uma transformação digital no seu negócio, transformar sua caixa noutra, digital.