…e o papel do estado. acabei de publicar, no blog do terra uma série [nota: todo o material do antigo blog no TERRA veio para esta web; a série reescrevendo humanos em software: está nos links episódio #1, episódio #2 e episódio final] sobre como é que nós, humanos, estamos reescrevendo outros humanos em software, como parte quase que intrínseca da revolução da informação e do conhecimento. pra ver do que estou falando, clique nos links acima. logo depois da série, como se fosse um exemplo, saiu uma reportagem sobre um robô para podar parreiras, trabalho muito delicado, mas de baixa remuneração, para o qual é cada vez mais difícil encontrar interessados.
a tese da série é que todas as funções humanas que puderem ser escritas em software o serão. e não porque software [na forma de robôs, como o que poda parreiras…] pode trabalhar 24 horas por dia, “sem remuneração” e sem causar problemas trabalhistas… mas porque, cada vez mais, há um conjunto de funções essenciais na sociedade e economia que humanos não querem exercer. procure, ao seu redor, na sua família, um garoto ou garota que tenha vocação para lixeiro ou varredor de rua. ou mesmo pra aspirar o pó da sua casa ou limpar a piscina. roomba que o diga.
como sempre acontece, a velocidade na qual postos de trabalho e os empregos serão perdidos tem uma chance muito alta de ser maior do que a demanda por novas competências e a capacidade de entender e atender esta nova demanda. a destruição criativa, depois de fazer sua sua parte na renovação na sociedade e economia, sempre nos leva a um ponto de equilíbrio. mas é possível fazer mais. enquanto a indústria, os centros de inovação, os empreendedores estão construindo um novo tempo, o tempo todo, outros agentes sociais deveriam estar fazendo, bem mais e melhor, a sua parte. é este o tema de um texto que publiquei no jornal da tarde, de são paulo, em dezembro de 1998, há quase 14 anos.
parece distante, e o texto seria antigo, se tivéssemos feito muito mais do que fizemos, de lá pra cá. mas não fizemos. os governos não fizeram. quase uma década e meia com a qualidade da educação brasileira andando de lado. e não podemos esperar muito mais, porque os custos, humanos e sociais, poderão ser insuportáveis. leia a série “reescrevendo humanos…” e, aí, o texto abaixo, pra ver porque…
Dia destes estive numa discussão sobre alguma parte do futuro, na qual se tratava os problemas da exploração e exclusão na era do conhecimento. Só para lembrar, esta era, contemporânea da sociedade virtual, tem por característica a substituição dos valores físicos, nas empresas e economias, por valores intangíveis baseados em informação e conhecimento.
No mundo industrial, boa parte da tensão entre o capital e o trabalho era que o primeiro podia ser pintado no papel de explorador, de dominador de uma classe trabalhadora que entrava no cenário apenas para ser usada no limite literal de sua força física. O capital era quase sempre hereditário e havia razões para se acreditar que, fosse ele distribuído mais homogeneamente, com cada um levando mais ou menos o mesmo quinhão, todos seriam mais felizes. Não funcionou, inclusive porque naqueles todos havia alguns que queriam ser muito mais felizes do que os outros.
No século XXI, a chave da felicidade será o conhecimento e a capacidade de indivíduos, grupos, empresas, governos e países de gerá-lo, transferí-lo, transmití-lo, comercializá-lo. De que importa importar fábricas, se o resultado de sua operação no país é a remessa ao exterior, em pagamento a tecnologia e processos, de um montante maior que o distribuído localmente em salários, lucros e impostos? Vale a pena ter fábricas só para ter mais empregos? Para nós, eles são receita ou despesa?
A composição da cadeia de valor de muitos produtos, hoje, pode ser distribuída pelo mundo de forma que seus extremos, que são a pesquisa e desenvolvimento, a distribuição e comercialização, concentram quase todo o resultado da operação. Países que não dominam propriedade intelectual, em processos, produtos ou serviços associados, vão passar ao largo das margens de lucro de uma economia onde os atores valem pelo seu conhecimento.
Pessoas, em especial, vão passar por tempos difíceis: enquanto a exploração do homem pelo homem, em função do poder econômico, era e continua sendo anti-natural e condenável, o que dizer da divisão do mundo entre os que sabem, ou que conseguem aprender, e os que não? O que fazer se a diferença de valor de mercado entre trabalhadores deriva do desnível de conhecimento? Claro que já é o caso, hoje, em qualquer lugar, que os cirurgiões são mais bem remunerados que os lixeiros. Pode-se até questionar a justiça intrínseca da diferença; mas na raiz, está o conhecimento.
Mas nós vamos enfrentar algo mais grave do que a exploração dos lixeiros pela sociedade, que os remunera não pela necessidade e insalubridade do trabalho, mas pelo nível de conhecimento que é necessário para fazê-lo, já hoje em dia. À medida que aumenta a automação e sofisticação de ferramentas e ambientes de trabalho, não por causa da globalização, mas porque os consumidores exigem mais produtividade e qualidade, os postos de trabalho serão de quem fala mais de uma língua, entende diagramas complexos, está preparado para tomar decisões sofisticadas, para quem teve muito mais oportunidades e tempo de formação do que hoje é o caso no Brasil.
Neste darwinismo social, só os que tiverem mais conhecimento sobreviverão. Inclusive porque não vai haver muito como justificar que alguém que sabe mais deve ser penalizado em favor de outro, que sabe menos: não há nem como subtrair conhecimento do primeiro para adicionar ao segundo.
Neste cenário, o grande papel dos governos será criar o maior número possível de oportunidades iguais de educação de qualidade para todos. Falhando isso, o crivo do conhecimento dividirá a sociedade os que sabem e o que não, em dois mundos diferentes. Muito mais distantes, um do outro, do que os proletários e burgueses de Marx.
a figura a seguir é de loet leydersdorff, em “the knowledge-based economy and the triple helix model“; o que ela quer dizer é que as dinâmicas associadas às infraestruturas de conhecimento, de inovação e à {política da} economia interagem para criar uma outra dinâmica, de ordem mais alta e instável, que é a tal economia do conhecimento. esta é essencialmente fluida {ou “líquida“, de acordo com zygmunt bauman} e os principais processos a ela associados, tanto do ponto de vista das empresas como das pessoas, são os de aprender, desaprender e reaprender, continuamente.]