semana passada foi o fim da temporada do imposto de renda. o conjunto de infraestruturas e sistemas que permite mais de 25 milhões de brasileiros declararem, online, seu ajuste de contas com a receita é um dos mais bem sucedidos exemplos mundiais de governo eletrônico. só os mais velhos, que tinham que enfrentar [além das alíquotas] os formulários de papel e a fila, confusão e carimbos do sistema bancário sabe do que a gente tá falando.
e olhe que governo eletrônico não significa o fim da burocracia. muito pelo contrário: se quem está do lado de lá –o governo- se confundir, os do lado de cá –cidadãos, contribuintes, empresas- podem ter muito mais problemas do que tinham com o velho sistema papel-caneta-e-carimbo. neste aspecto, o brasil é campeão: o peso da nossa burocracia, nos negócios e na vida das pessoas, é quase quatro vezes maior do que cingapura.
mas, no caso do IRPF, houve competência e sorte do lado do governo. declarar imposto de renda no brasil, hoje, é muito simples, mesmo com a parafernália de regras que temos por aqui. como não simplificaremos as regras, no médio prazo pelo menos, está na hora da receita federal inovar [de novo!] e simplificar, radicalmente, a declaração do imposto.
como? a receita bem que poderia disponibilizar, em seu site, o que ela acha que já sabe sobre nosso passado fiscal recente. de posse do cpf, do recibo da última declaração [fechada] e, caso se ache necessário, de uma assinatura eletrônica [não acho que precisa tanto…] a gente pegaria, no site, o formulário juntamente com os dados que a receita já reuniu, durante o ano, sobre nossa vida fiscal.
de posse desta pré-declaração, tudo o que faríamos seria concordar ou discordar da receita e acrescentar –se fosse o caso- coisas que, por um ou outro motivo, ela ainda não sabe [e vai, não se engane, saber, mais cedo ou mais tarde], ou não confere com o que fizemos. aí a nossa vida, e a da receita, iria ficar muito mais fácil.
é possível? sim. é difícil? não. enquanto o ano se desenrola, a receita já acumula dados de empregadores, empresas, profissionais liberais, todo tipo de negócios e pessoas. nestes dados, já estamos nós e nossas receitas e despesas. ainda por cima, não se muda de emprego todo ano, por exemplo; há uma chance muito boa de que o cnpj de sua principal fonte de renda, ano que vem, seja o mesma deste ano. da mesma forma, filhos não mudam de escola como de camisa; não só a receita poderia deixar no meu arquivo o nome e o cnpj da escola das crianças, se não quisesse me dizer quanto ela acha que eu paguei à escola… mas ela sabe, ao fim do ano, quanto meu cpf transferiu para o cnpj da escola. e eu só teria, se ela me dissesse, que confirmar tal número. ou não.
o mesmo raciocínio vale para um sem número de situações. ninguém se separa e recasa todo ano, troca de médico, de carro, de casa… todo ano. ou seja, a vida das pessoas não sofre uma revolução fiscal em pouco tempo. e todas aquelas que passam por tal alteração caem, como não poderia deixar de ser, na malha fina do leão, até que provem o contrário.
uma parte dos dados, como o endereço, dependentes e bens, já fica armazenada na minha declaração anterior, que é importada para a declaração corrente. mas isso é muito pouco e meu risco é muito alto. quanta gente não perde seu disco, tem o laptop roubado, quantas situações de perda de dados podem ocorrer, entre uma e outra declaração?…mas a receita pode fazer mais, muito mais do que nos entregar, a cada fim de ano, um arquivo contendo o que ela acha que já sabe sobre nós.
pode estar na hora da receita prover, para quem quiser, um IRPF online, como serviço. e não só: em tal serviço, eu deveria poder acompanhar, à medida que passam os meses, como estão ficando meus acertos com o fisco. desta forma, a minha declaração de ajuste [que é o que entregamos na semana passada] seria só de ajuste mesmo, final. seria uma operação muito mais simples do que fazemos hoje, quando temos que entrar dezenas [pra quem tem pouca coisa a declarar] de documentos e passá-los todos pelo crivo do software da receita, em uns poucos dias.
ao mesmo tempo, construir a declaração de rendimentos e ajuste no correr do ano seria mais justo, mais democrático, mais eficiente, eficaz e prático para todos… menos para os sonegadores, que passariam a viver em um ambiente fiscalizado mais de perto e em tempo mais real.
parte deste ambiente, por sinal, está sendo construído no país inteiro, pela via de instrumentos como notas fiscais eletrônicas, que acabam com os velhos blocos impressos, aumentam a confiabilidade da nota, a capacidade de fiscalização e diminuem as possibilidades de sonegação. em pouco tempo, todas as empresas terão que, necessariamente, emitir nota fiscal eletrônica. o que significa que, seja lá o que estivermos pagando, a receita [municipal, estadual e federal…] saberá. na hora. no menor detalhe, tipo big brother fiscal.
ora, diríamos eu e você: me contem fora dessa. mas não dá mais. estamos vivendo um processo antigo, continuado e cada vez mais intenso de virtualização da economia. pode haver cada vez mais dinheiro na rua; mas cada vez menos dinheiro circula usando sua representação clássica de papel-moeda. a moeda, que é um virtual, representante do poder de compra, está sendo virtualizada de vez: deixa de ser metal, papel e plástico e passa a ser informação, pura e simples, registro de transação em [muitos, de preferência] sistemas de informação espalhados pela economia.
a receita federal tem competências tecnológicas e humanas para fazer até mais do que se sugere aqui. muito mais. mas já seria muito bom se, na minha declaração de ajuste de 2010, eu e outros vinte e tantos milhões de brasileiros pudéssemos começar a partir do que ela já sabe sobre as nossas contas. tudo muito mais simples e objetivo, governo eletrônico para pagadores de imposto que recolhem [aqui] como os do primeiro mundo e merecem tratamento de primeira classe.
e a história, ou o plano, do IRPF “como serviço”, conferido, preenchido e corrigido online, durante o ano inteiro, todo dia que quiséssemos, poderia ficar para 2011. a receita sabe e pode fazer. é só querer. e tomara que queira.