Uma das principais características das culturas de inovação é a… cópia. Sim, a cópia das boas ideias. Como assim? Assim: nem todo mundo que tem uma boa ideia tem capacidade de executá-la da melhor forma. Nos negócios digitais, envolve tecnologia, processos, interfaces, investimento, engajamento de usuários, uma miríade de facetas. Nos ecossistemas de negócios mais competitivos do mundo, a palavra-chave não é criatividade, mas execução. Não é inovação, mas performance. No mundo digital, foi assim que o Silicon Valley se tornou líder global em software e serviços, com a vasta maioria das empresas copiando -e executando melhor- as ideias de quem só sabia fazer a gambiarra ou a primeira versão. Isso quando não pirateando, pura e simplesmente, invenções alheias. A primeira máquina de busca não foi Google. Nem Facebook a primeira rede social. Eles apenas executaram as ideias por trás de busca e redes sociais melhor do que ninguém. Nos mercados em rede, um efeito “quem ganha leva tudo”, os tornou, na prática, monopólios. Isso não foi desenhado ou criado pelos dois, é uma propriedade das redes sem escala como a web.
Há adeptos de um outro modelo, onde as ideias teriam donos e estariam sujeitas às mesmas proteções monopolistas dadas às patentes. Mas patentes, que em tese serviriam para fomentar e proteger inovação, estão em cheque: nos mais de 150 anos do sistema anglo-americano de patentes, não há evidência empírica de que elas aumentem inovação e produtividade (The Case Against Patents, Boldrin & Levine, J. Econ. Persp., 2013). E a história mostra que as inovações de grande impacto econômico e social não nascem de patentes, mas de competição radical. Como ocorre no Silicon Valley, onde uma novidade, executada em paralelo por muitos negócios, num ambiente altamente competitivo e acesso a recursos físicos, financeiros e humanos sem comparação no planeta, cria um diferencial quase imbatível para o Vale e suas empresas.
Mas há patentes para ideias, como a da Amazon para a “compra eletrônica com um só click”, dada nos EUA em 1999 e nunca concedida da Europa, porque… é uma ideia. Em 2007, o escritório de patentes dos EUA revogou 21 das 26 pretensões da patente, tornando-a irrelevante. Se a legislação de patentes não concede nenhum monopólio a quem tem ideias, tampouco o faz a de copyright, ou propriedade intelectual. É por isso que, num caso recente de imitação digital, Instagram, propriedade de Facebook, dá crédito a Snapchat pela inspiração para incluir as estórias (stories) do segundo no primeiro. Tudo dentro da lei: não há problema em usar ideia alheia, desde que a forma de expressá-la seja diferente. Quer dizer que não se pode copiar o código, o programa que torna a ideia uma funcionalidade de um serviço. Mas se pode, sim, imitar a funcionalidade.
Snapchat pediu uma patente para sua implementação do conceito de estórias, chamada “galeria de mensagens efêmeras”, mas não pode pedir o monopólio de uso do conceito em si, porque se trata, como já dissemos, de uma ideia. Assim como hashtags, que começaram no Twitter, foram para Facebook e, depois para todo canto. Twitter não tem como proteger o uso de # antes de uma palavra para torná-la um tópico em sua rede. Ou ter o monopólio do uso de @ para indicar o nome de um usuário. Todas as redes usam. E quem seria o dono da ideia de chat, uma sala virtual para troca de mensagens entre múltiplos usuários?
A ideia de chat surgiu em Plato, um dos primeiros ambientes educacionais digitais, com o nome de Talkomatic, em 1973. Uma conversação, na tela original, é mostrada na imagem abaixo. Era básico e lento, mas foi a origem de Skype, WeChat, Whatsapp e todos os comunicadores atuais. Se a ideia de Talkomatic fosse protegida como Mickey, cujo copyright deveria ter expirado em 1984 mas que perdura até hoje, por força de mudanças na lei americana patrocinadas pelo dono do personagem, nossa interação em rede seria platônica. Se muito.
Resumo? Evolução e revolução, na internet, web, redes sociais e móveis, bem como nos sistemas de informação representados pelos apps nos nossos smartphones, se dá muito mais pela cooperação em rede, pelo compartilhamento de ideias e modelos de negócios, pelo acesso a uma vasta biblioteca global de código aberto, acessível a todos e provido aos usuários como serviço, com as modificações e melhorias que cada empresa faz. Ao invés do fechamento, cerceamento, limitações e concessões monopolistas a um ou outro suposto dono de qualquer ideia. Fosse assim, nem Snapchat existiria, quanto mais suas estórias em Instagram.
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Uma versão editada deste texto, com o título Cópia de ‘inovação alheia’ sempre moveu a indústria digital foi publicada em 26/02/2017, no LINK, do ESTADÃO, no endereço… bit.ly/2mkd2vc.