…também. essencialmente, talvez. produtos e serviços inovadores levam, é certo, a mudanças de comportamento que causam mudanças sociais, às vezes radicais. como foi o caso da prensa de gutenberg a partir do séc. XV. ou da eletricidade e da internet. mas há tempos em que é preciso mudar as bases do “grande” sistema de incentivos para inovar, os fundamentos da sociedade e da economia, para que seja possível inovar de forma mais profunda. parece com o clássico problema do ovo e da galinha… e é mesmo.
depois de dois posts tratando o que é preciso ser feito para que haja inovação de fato em grandes sistemas, como as economias do brasil e dos EUA, o primeiro sobre uma pergunta de clayton christensen [logo antes da eleição, o professor de harvard perguntou… independentemente de quem ganhar a eleição americana nesta terça, quando é –mesmo, e sob que condições- que a economia vai voltar a crescer?] e o segundo comparando o desafio americano [de reordenar o sistema deles, lá, pra voltar a crescer de forma estrutural] e o brasileiro [da necessidade de ordenar o sistema, aqui , para que o país passe a funcionar…] o blog resolveu pedir ao professor josé carlos cavalcanti, do departamento de economia da UFPE, para entrar no debate e considerar os aspectos econômicos do tema.
SM: quais são os problemas de fundo, para inovação econômica em larga escala, que não são capturados pelas dimensões de inovações de clayton christensen e pelos horizontes de inovação discutidos no blog?…
JCC: As contribuições de Christensen são sempre marcantes e instigantes (ele, como você bem registra, é um dos influentes especialistas em inovação do mundo). Mas há algo que na maioria das vezes está ausente tanto nas análises dos especialistas em inovação, quanto em uma grande maioria dos economistas e analistas sociais: a dimensão institucional/organizacional dos problemas sociais e econômicos.
E o que eu vou defender dá suporte ao que você argumenta nos seus dois posts recentes (incluindo o podcast) sobre a necessidade de mudanças nas regras do jogo nos horizontes de curto prazo (h1), médio prazo (h2) e longo prazo (h3) [nota do blog: clique aqui pra saber mais sobre h1, h2 e h3], para podermos perceber transformações no nosso país, em termos de inovações relevantes.
Há pelo menos uns 5 anos eu começo meus cursos em Economia mostrando um quadro de Oliver Williamson, Nobel de Economia de 2009, onde ele aponta os 4 níveis da análise social da imagem abaixo (imagem muito maior neste link).
Creio que o quadro é mais ou menos autoexplicativo. Em essência ele mostra que os problemas básicos da economia são lidados no nível "mais baixo" da análise econômica (L4), e onde as mudanças acontecem continuamente. Mas existem camadas superiores da organização social e econômica onde as mudanças ocorrem mais lentamente: nas esferas da governança (L3), onde se joga as regras do jogo que são definidas na camada institucional superior (L2), e finalmente, a camada mais acima (L1) onde nem os economistas opinam, já que faz parte dos objetos de análise dos sociólogos, antropólogos, e por aí vai.
O que quero argumentar é que pouco adianta falarmos em inovações em produtos, processos e serviços, e esperarmos que eles se distribuam de forma universal na sociedade e na economia se não acontecerem inovações em algumas dimensões nas "camadas superiores", ou seja, nas dimensões institucionais e (ou)organizacionais.
Para exemplificar, cito um livro recém lançado nos EUA, que trata de um desafio social, econômico e tecnológico muito intrigante. O livro se intitula "A Doença do Custo: Porque Computadores Ficam Baratos e os Cuidados com Saúde Não", de William Baumol. Ou seja, existe um dado da realidade mundial que é exatamente o que o título do livro denuncia: por que certos produtos e serviços da "economia capitalista" barateiam, mas os cuidados com a saúde, a educação (os chamados “serviços pessoais”) não seguem a mesma rota, apesar de todas as inovações em produtos, processos e serviços ao redor deles?…
A tese que defendo, como professor e na creativante.com.br, é que precisamos enfrentar certos desafios (mesmo que antigos) com novas armas (marcadamente software). No momento, estou envolvido numa reflexão sobre os problemas da migração de Software como Produto, ou SaaP para Software como Serviço, ou SaaS, e como as soluções de tais problemas nos “serviços empresariais” podem ajudar na superação da “doença de custo” dos “serviços pessoais”. Mas para fazer esta reflexão é necessário “estudar” (e aplicar) também algumas teorias dos inovadores nas ciências econômicas, como as de Oliver Williamson.
Se olharmos para o Brasil e para nosso atraso relativo em matéria de inovação de classe mundial, veremos que há ecossistemas de empresas e organizações (de micro, pequeno, médio e grande portes) que de alguma forma estão tentando fazer inovação no país, mas estes ecossistemas não produzem plataformas globais de produtos, processos e serviços (tais como as FATMAGS que você cita [nota do blog: neste link, as FATMAGS aparecem como parte de uma discussão sobre plataformas de compatibilidade para inovação em rede]: F, de Facebook, A, de Apple, T, de Twitter, M, de Microsoft, G, de Google, e S, de Salesforce), nem tampouco se organizam a partir de arquiteturas sólidas, em rede, de e para negócios. Ecossistemas, plataformas e arquiteturas formam a "Trindade Essencial" dos negócios inovadores. Se formos analisar porque ainda não constituímos tais Trindades Essenciais (como a que caracteriza o Vale do Silício nos EUA), veremos que as raízes podem ser encontradas na falta de inovações institucionais e organizacionais no Brasil que possibilitem que essas trindades venham a existir.
Em resumo, assim como você, também acredito que precisamos mudar “as regras do jogo” para que possamos passar a ter, tanto nos EUA quanto aqui, inovação econômica em larga escala, de modo que as duas nações (e outras) atinjam níveis bem mais satisfatórios de desenvolvimento e bem-estar social.