um frenesi legislativo ronda a internet.BR, motivado pelo processo de discussão e votação do marco civil. a coisa vem de longe, desde a [muito antiga] lei azeredo e de esforços mais recentes para legislar sobre a rede. e o marco civil até que vinha bem, na câmara, e o assunto deveria ter sido votado na semana passada. mas os desencontros ao redor do que é neutralidade de rede e quem deveria cuidar dela trouxe a decisão para esta terça, talvez. e há propostas de última hora para atender interesses de setores específicos, que não vinham sendo discutidas até aqui, e [como sempre, por aqui] pode-se levar mais tempo do que todo mundo pensou para tirar o marco civil da câmara. no senado, ah…, o senado… lá, é capaz de ser outro deus-nos-acuda.
como a verdadeira neutralidade de rede tem muitas implicações econômicas para os provedores, há sinais de que o governo pode descumprir o acordo feito com o relator e mudar o texto, preparado com a colaboração de tanta gente, durante tanto tempo. será que é por causa das pressões das operadoras? pense…
pra refletir sobre o estado de coisas, convidamos o professor ronaldo lemos, da FGV/RIO e do centro de tecnologia e sociedade da instituição. ronaldo esteve envolvido durante muito tempo, e muito intensamente, na conversa nacional em rede que levou à proposta original do marco civil. leia…
SM: quais são as consequências do que foi [e deixou de ser] aprovado recentemente no congresso, do ponto de vista de liberdade de expressão, propriedade intelectual, criação comunitária e neutralidade de rede?
RL: Olhando isoladamente o texto das leis sobre cibercrimes aprovadas no Congresso, o saldo é positivo. São textos balanceados e pontuais, que não trazem os efeitos colaterais graves que ocorreriam se a a versão original da "Lei Azeredo" tivesse sido aprovada. Mas a batalha foi árdua. A Lei Azeredo (PL 84/99) perpetuou-se no Congresso nas mais diversas encarnações. E foi determinante a mobilização da sociedade civil para mostrar como ela seria ruim para o país. Só lembrando, se ela tivesse prosperado, o país mandaria para a cadeia quem desbloqueia um celular (pena de 4 anos) ou quem fizesse o download das músicas de um iPod de volta para o computador. Em outras palavras, procedimentos essenciais para a inovação, de engenharia reversa, circunvenção e testes de funcionalidade seriam tipificados como crimes.
Felizmente, nada disso aconteceu. No caso da Lei Azeredo, dos seus 22 artigos só 5 sobreviveram à votação, todos tratando de temas pontuais (fraude de cartão de crédito, por exemplo). E o outro projeto de lei aprovado, proposto pelos deputados Paulo Teixeira, Manuela D´Avila e Luiza Erundina, dentre outros, foi construído em intenso diálogo com a sociedade civil e todos os outros setores interessados na questão dos cibercrimes. Foi ele que viabilizou que a Lei Azeredo fosse progressivamente sendo editada, eliminando os pontos problemáticos. Sua redação é pontual e equilibrada e não traz os problemas que a Lei Azeredo trazia.
SM: será que estamos, ao mesmo tempo, aumentando as possibilidades de litígio e diminuindo as de criação, em rede, pessoal e coletiva? por que?
RL: Se do ponto de vista dos cibercrimes a questão foi equacionada em bom termo, na minha visão, no contexto mais amplo estamos com um problema grave: o fato do Marco Civil não ter sido aprovado ainda. E com isso, o fato de prevalecer no Brasil um ambiente de total insegurança jurídica para a inovação.
Conflitos são naturais em zonas de fronteira, como é o caso do desenvolvimento tecnológico e suas implicações. O problema é a absoluta falta de critérios legais para resolvê-los. Hoje, as brigas com relação à internet são levadas ao judiciário. Só que ao chegar lá, não existe lei para orientar os juízes sobre como resolvê-las. Com isso, as decisões são totalmente contraditórias. Um juiz diz uma coisa, outro na sala ao lado diz exatamente o contrário. Para o empreendedor, para quem está pensando e fazendo inovação, é o pior dos mundos: não ter como mensurar o seu risco. E essa é uma distinção importante: saber que há risco é algo positivo para o empreendedor, já que ele é mensurável. Já a incerteza é péssima, porque é impossível calcular os riscos. Sem regras como o Marco Civil, o empreendedor brasileiro está e estará trabalhando em regime de incerteza.
SM: no longo prazo, você imagina quais podem ser as consequências, do ponto de vista econômico, social e comunitário?
RL: Não precisa ir nem no longo prazo. Já estamos atrasados e perdendo a onda do desenvolvimento trazido pela internet. Basta comparar com o que aconteceu nos EUA. A principal legislação civil americana para a internet data de 1998, 14 anos atrás. Trata-se do DMCA, que criou salvaguardas para que provedores da rede não fossem automaticamente responsabilizados por conteúdos de terceiros. Apesar de o DMCA ser objeto de muitas críticas, não dá para negar: seu impacto sobre a inovação é impressionante e positivo.
É por causa dele foi possível surgir um Youtube, sites como Tumblr, Pinterest e praticamente todas as redes sociais, incluindo o Facebook. O Brasil tem hoje a oportunidade de, com década e meia de atraso, aprovar uma lei que fomente a inovação no país. Esse atraso traz apenas uma vantagem: aprender com os erros e acertos do DMCA e propor, no Brasil, uma versão que acerte no que ele acertou e evite os problemas que surgiram dele. Em síntese, podemos ter uma lei que gere os benefícios, sem gerar os mesmos problemas. Tudo vai depender do texto que pode ser votado nesta terça na Câmara dos Deputados.
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vamos ver, então, o que acontece lá no congresso, hoje e daqui pra frente. não que se deva esperar muito, como se pode ver pelo exemplo dado pela aprovação, pela comissão de ciência e tecnologia da casa, de um projeto de lei que proíbe o uso de robôs [ou seja, algoritmos, software] em pregões eletrônicos de compras federais.
tente entender a lógica: num pregão eletrônico, do lado do governo, está um robô, comprando. ou seja, é permitido usar software do lado do comprador. o congresso está querendo proibir software do lado do vendedor. como este blog não cansa de comentar, não passa um dia sem que o legislativo aprove mais uma forma de entravar a capacidade de inovação e empreendedorismo nacionais. deve ser os nossos parlamentares a serviço de nossa competição global. é capaz, tem que ser…