a urna eletrônica apareceu no blog mais de uma vez. numa série de textos antes das eleições de 2008. e de novo em 2010. as urnas eletrônicas têm um número de vantagens, que todos conhecem. já pensou quanto tempo levaríamos para saber do resultado, se ainda usássemos cédulas de votação em papel e contagem centralizada, como era o caso até a chegada do voto eletrônico?
e não era só o tempo para apurar: nem todos os apuradores estavam a serviço de uma eleição limpa, mas de seus candidatos. e muito voto deixou de ser branco na mesa da contagem. as falhas do processo em papel, da urna até a apuração, eram tantas que, em cidades mais remotas, os “coronéis” se perpetuavam no poder pela via do controle do processo eleitoral.
e a coisa chegou a um ponto em que a eleição tinha que mudar. não só era preciso mais rapidez mas, ao mesmo tempo, mais segurança. no começo, tínhamos os dois, de forma quase inquestionável. rapidez porque a urna eletrônica era muito mais eficiente do que cédulas de papel e segurança porque, nas primeiras eleições em que a urna eletrônica foi usada, não se sabia como fraudar o voto, ou invadir a urna para contaminar a votação [como os “coronéis” faziam na eleição em papel].
acontece que celeridade não é argumento para comprometer confiabilidade. pense em um avião que pode ir de recife a são paulo em 1h, ao invés das 3h30 de agora… mas que só sai vez por outra, outras vezes lhe deixa no rio, vez por outra despenca e ninguém chega, nem vive pra contar o porquê. e a confiabilidade dos aviões não depende só de seu desenhista e fabricante: antes de voar, cada um deve passar por uma longa série de testes [independentes do fabricante…] que certificam o projeto, o processo de fabricação e a performance e segurança em vôo. só então um de nós se torna passageiro num deles. e não poderia ser de outra forma.
no brasil, como muita gente sabe, e há tempos, o processo eleitoral é monolítico: um único órgão, o TSE, define as regras, os processos e métodos, os implementa como sistemas, realiza o processo eleitoral [as “urnas” são só parte do “sistema”], dirime dúvidas, julga todo e qualquer litígio entre postulantes, contra eles e, como se não bastasse, as reclamações dos postulantes ou do público contra o “sistema eleitoral” em qualquer de suas facetas.
nossas eleições talvez sejam a única faceta da administração daqui que encontra paralelo na china; lá, seja qual for o processo, executivo, legislativo e judiciário frequentemente se confundem, principalmente quando é de interesse do estado.
de tempos em tempos, o TSE convoca terceiros para testar a segurança da urna. o sistema de informação eleitoral como um todo, em todos os detalhes de desenho, projeto, implementação e uso, jamais foi exposto e, por conseguinte, testado por agentes externos ao tribunal. no começo do ano, um dos times que topou a parada de avaliar as urnas descobriu uma falha no mecanismo de proteção do sigilo do voto eletrônico, entre outras. o TSE, no entanto, garante que o processo é seguro e transparente, o que é disputado por avaliadores independentes.
o professor diego aranha, da UnB, publicou um relatório sobre sua descoberta, que foi tratada pelo TSE como mais um detalhe a corrigir do que como indício de um processo de especificação, desenho, desenvolvimento e uso das urnas que precisa ser repensado em larga escala. qual é a conclusão do relatório da UnB?
…Com a adoção do do voto impresso pela Índia, o Brasil permanece como o único país no mundo a adotar sistema de votação sem verificação independente de resultados. Acreditamos que por esse motivo, e dadas as fragilidades discutidas neste relatório, o software utilizado no sistema de votação eletrônica brasileiro não satisfaz requisitos mínimos e plausíveis de segurança e transparência.
o blog fez uma só pergunta a diego aranha… quais são suas principais críticas à segurança da urna eletrônica do TSE? e a resposta que ele nos enviou por emeio é publicada na íntegra em itálico, abaixo, com negritos nossos.
Os principais problemas de segurança da urna eletrônica estão exatamente ligados aos dois requisitos fundamentais para a lisura das eleições: sigilo e integridade dos votos. Durante os testes de segurança, encontramos uma vulnerabilidade que nos permitiu derrotar o único mecanismo de segurança implementado na software da urna para proteção do sigilo do voto. Utilizando essa vulnerabilidade, minha equipe conseguiu recuperar a lista ordenada dos votos em eleições simuladas com até 475 eleitores a partir unicamente de informação pública, com impacto potencial até em eleições passadas. Além disso, detectamos outras fragilidades que abrem a possibilidade de adulteração ou substituição do software de votação por uma versão que conta os votos de forma desonesta. Todas as urnas eletrônicas do país compartilham uma mesma chave criptográfica que protege os seus dados mais críticos e esta chave está ainda disponível na porção desprotegida dos cartões de memória. Mesmo que corrigidas pontualmente, este conjunto de vulnerabilidades denuncia um processo de projeto e desenvolvimento de software defeituoso, incapaz de detectar trechos de código inseguros inseridos no software por acidente ou sabotagem e que descarta completamente a possibilidade de fraude promovida por agentes internos.
É certo que sistemas de votação puramente eletrônicos, como o adotado no Brasil, permitem apuração rápida, mas criam simultaneamente um cenário ideal para fraudes indetectáveis em larga escala. A velocidade de apuração nunca deve ter prioridade sobre a integridade do que é apurado. Para mitigar esse perigo, sugere-se aumentar a transparência atualmente insuficiente do nosso sistema por meio da reintrodução do voto impresso conferível pelo eleitor. Esse recurso consiste em apresentar uma versão materializada do voto para conferência dentro da cabine de votação e depósito automático em urna convencional. Assim, uma contagem manual posterior dos votos conferidos pode determinar se a contagem eletrônica foi feita corretamente, sem no entanto fornecer um comprovante que possa ser utilizado para violar o caráter secreto do voto. Além da verificação independente de resultados, é possível ainda realizar auditoria externa por fiscais eleitorais e recontagem de votos para resolver disputas. O Brasil é o único país do mundo que permanece utilizando significativamente sistemas de votação eletrônica que não fornecem um nível desejável de transparência.
e domingo é dia de eleição. tomara que tudo dê certo. pois, ao contrário do que muitos pensam, os brasileiros interessados na revisão de nosso sistema eleitoral “eletrônico” não torcem para que ocorra uma catástrofe só para que eles possam pronunciar o “eu não disse?…” dos picuinhas pessimistas. querem, apenas, e isso não é pedir muito em uma democracia, um processo eleitoral célere, confiável, transparente e seguro. parece muito, mas é pouco. e basta o TSE querer, que faz.