uma das principais inovações da e na internet, desde o começo da rede lá na década de 70, é uma estrutura de governança que envolve todos os setores da sociedade, do governo às empresas, da academia à cidadania organizada.
aqui no brasil, a experiência pioneira do comitê gestor da internet brasil, CGI.br nos ensinou que [e como] é possível articular as necessariamente múltiplas visões de mundo da academia, do mercado, do governo e cidadania para ter uma rede que é ao mesmo tempo aberta à inovação e estável. sem a primeira característica, não há futuro. sem a segunda, não há presente.
é claro que desde o princípio havia interessados em que as coisas não fossem bem assim. aqui no brasil, a embratel queria “ser a internet”. e até foi, por um tempo: o acesso à rede só era possível através da estatal, que tinha uma fila de inscritos pra tal, manipulada como filas são tratadas em órgãos públicos não supervisionados que administram demandas por recursos escassos. ainda bem que este estado de coisas durou tão pouco tempo que só os antigos, como o autor, se lembram.
para proteger seu modelo de negócios, as teles perderam a maior parte da janela de oportunidades da internet. é claro que uma tele deveria ter escrito skype. mas não: como skype canibaliza parte das receitas das teles –apesar de gerar outras-, nenhuma tele se aventurou a propor ao mercado o que seus laboratórios tinham, pronto, como conceito ou produto, há muito tempo. o resultado é que, quando a microsoft comprou skype, talvez nenhuma tele do planeta [quase todas afogadas em um mar de dívidas] tinha os meios para disputar o negócio com redmond.
e os governos? em alguns países, como irã e cuba, o controle sobre a internet é total. em outros, como a arábia saudita, quase. em dubai, onde está se realizando a conferência da união internacional de telecomunicações, há filtragem explícita de sites e tipos de conteúdo. em cada lugar um destes lugares, tudo é explicado como ações do seu grande irmão, o governo, para proteger você e sua família ‘do que ele entende que lhe pode ser prejudicial. como o debate amplo, geral, irrestrito sobre o governo, por exemplo.
bem, a UIT está reunida em dubai para discutir a regulamentação internacional de telecomunicações, acordo que faz com que alguém possa telefonar de taperoá pra totky, se alguém é doido o suficiente pra fazer isso, ao invés de fazer uma chamada em skype ou faceBook video call. um dos objetivos declarados da reunião de 193 governos em dubai é democratizar a internet. o secretário geral da UIT diz que "A verdade… é que a internet permanece sendo em grande parte um privilégio de ricos. Queremos mudar isso".
muito engraçado: em parcos 15 anos, a internet chegou a 2 bilhões de usuários sem ajuda da UIT [ou das teles ou da vasta maioria dos governos…] e agora a UIT vem com esta onda? olha o que diz, da declaração da UIT, uma das responsáveis pela agenda digital da europa [cujo plano é simples, “todo europeu online”]…
…simples, não? tá funcionando, não conserte. e “tire as mãos daí, UIT”.
a verdade é que muitos governos querem a internet sob seu controle exclusivo, excluindo da governança a academia, que criou a rede, a iniciativa privada, que investe desde o princípio e que assumiu boa parte da agenda de inovação da rede, e a cidadania organizada. governos, em suma, não querem ser incomodados.
agora que a internet é uma infraestruturas essencial da economia e sociedade, pra que ter parceiros? com parceiros tudo é mais livre e aberto. aí, segredos são muito mais difíceis de guardar. e se torna muito mais difícil distribuir benesses e excluir indesejados. numa rede livre e aberta, qualquer tentativa de aumento de controle causa terremotos na opinião pública, que está em rede e sem tutela do governo. se o governo brasileiro, e só ele, controlasse a rede, aqui, pode-se apostar que algum tipo de criminalização de comportamentos em rede [como a lei azeredo, da qual só sobraram uns pedacinhos, quando finalmente passou] teria sido aprovado há uns dez anos. sem qualquer chiação coletiva.
o grande plano da UIT é deixar de tratar telecomunicações e passar a ser a união internacional da internet. simples assim. ainda sem entender de onde vem, o que é e como funciona a rede, muitos governos que fazem parte da UIT querem, com a mesma estrutura de debate, deliberação e poder fechados que a UIT vem usando desde 1865 [sim, 1865…], cuidar do presente e futuro da mais revolucionária entre todas as inovações do último meio século.
aqui, todo cuidado é pouco. por mais declarações de princípio e amor à rede e seus preceitos que a UIT professe publicamente, não custa nada lembrar um discurso de pekka tarjanne, ex-secretário da UIT, na conferência da organização em 1998. tarjanne se dirige à platéia real de uma conferência de uma fictícia international internet union em 2008. a abertura?…
I would like, in this paper, to use the benefit of ten years of hindsight to look back on the issues which were live in the year 1998, when I had the pleasure of being the Secretary-General of the International Internet Union, still known at the time under its antiquated name of International Telecommunication Union.
o final?…
To conclude… I would like to return to the main theme of this conference: “Coping with convergence: The future is now”. Convergence had already happened by 1998, but many commentators did not recognise it at the time. That is probably because, at the start of 1998, the Internet still had less than one hundred million users worldwide and was plagued with terrible congestion and transmission delays. How, people asked, could this unreliable, insecure, toy network ever be the information superhighway of the future?
Now, of course, in 2008, we know better!
detalhe: este texto desapareceu da web da UIT e só pode ser encontrado no cache de google, neste link.
conclusão: pra muita gente na UIT, os planos da organização para dominar a rede estão pelo menos meia década atrasados [em relação a 2008]. levando em conta que muito mais gente, além de tarjanne, tinha entendido o cenário lá em 1998 e começado a tomar as providências para dar a direção que está em discussão em dubai, são 15 anos de atraso. a UIT demorou, mas chegou. não temos nenhuma outra alternativa a não ser lidar com o problema. e vai dar um trabalho danado, isso é certo. e se a gente se descuidar… ela vai tomar conta de tudo, na rede.