A Encyclopaedia Britannica anunciou que sua última edição em papel foi a de 2010. No mercado desde 1768, a enciclopédia era atualizada a cada dois anos e estava na hora de refrescar os tomos e imprimir uma nova série. Nunca mais. O conjunto só estará disponível, no futuro, na web e em aplicações móveis. A decisão é um marco para a indústria analógica do texto, e já não era sem tempo para a enciclopédia. Seu principal e muito mais usado concorrente, a Wikipedia, nunca teve uma versão em papel e é atualizada na velocidade das ocorrências e descobertas. O tempo, na rede, é diferente –e muito mais rápido- do que no papel.
É fácil dizer que livros de papel estão para se tornar artigos de colecionador e peças de museu. Até porque é isso mesmo que vai acontecer, é só uma questão de tempo. Veremos sinais disso, em escala social, nos próximos 20 anos. Mas a nova indústria literária, digital e em rede, apenas engatinha e tem muito o que aprender com o formato ancestral, anterior a Gutemberg.
Por um lado, há vantagens indiscutíveis: é possível comprar um “livro” digital em um táxi ou ônibus, num engarrafamento e, minutos depois, esquecer o trânsito imerso numa história fantástica. Por outro, há problemas quase intransponíveis, hoje, a começar pela verticalização das ofertas de conteúdo, onde cada provedor quer dominar nossa atenção e carteira com seu formato, leitor digital, autores exclusivos e por aí vai. O que nos deveria levar a discutir quais são as bases de uma nova indústria literária que interessa a todos, principalmente aos leitores, que vão pagar a conta até prova em contrário.
Primeiro, os novos livros têm que ser pensados como um sistema, uma ampla plataforma social e de compatibilidade para a literatura. Isso quer dizer que a cadeia de valor ao redor do “livro” é muito mais ampla do que o par formato/leitor que vem sendo vendido pelos novos “livreiros”. Estes, ao exercerem funções múltiplas, antes distribuídas em vários nichos do mercado, são ao mesmo tempo editores, codificadores [a “nova” gráfica], distribuidores, livrarias, bibliotecas… uma fusão de papéis que é parte da confusão no novo mercado literário, até porque atribui muito poder a um único agente. Que, por sua vez, só pensa em (ou que vai) dominar o mundo com seu formato/leitor.
Do lado do autor, a verticalização até parece natural: posso digitar um livro inteiro e usar alguma ferramenta para “publicá-lo” diretamente numa livraria (ou mercado) digital e receber deste, como resultado, parte das vendas. Se é simples assim, porque não desintermediar o processo de forma radical e partir para o futuro? Porque ainda não discutimos, amplamente, as bases para a nova indústria e mercado literário.
E quais deveriam ser? Não há um amplo acordo, agora. Mas é certo que se precisa discutir as funcionalidades do novo livro, pois este não será só a digitalização do correspondente analógico. Poderá ter muito mais que letras na tela, a começar por links para deslinearizar a escrita e leitura. Às funcionalidades devem corresponder formatos e fundações que as sustentem no longo prazo, porque seria muito bom usar o conteúdo que vamos adquirir agora daqui a 100, 200 anos, a exemplo da Bíblia de Gutemberg, legível mais de 500 anos depois de impressa. E formatos digitais não têm uma boa história neste aspecto: tente ler, hoje, um floppy disk de 8” (lançado em 1971, 100KB de memória). Além disso, a tríade funcionalidades-formatos-fundações deve cuidar para que haja flexibilidade de representação e evolução (livros de arte, didáticos, manuais, mapas…) e facilidade de criação, uso, adição (de comentários e resenhas, por exemplo) e compartilhamento, sem o que é muito difícil imaginar que a indústria literária que ora se desenha tenha um futuro sustentável.
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Uma versão editada deste texto foi publicada no ESTADÃO em 14/03/2012.