Gato é o nome informal pra qualquer coisa que você conecta a um serviço formal [como eletricidade ou TV a cabo] sem que as regras do serviço se apliquem a você. lá em 2011, parecia com o que é relatado neste link. há algum tempo, o brasil usa um sistema em que o congresso [na prática] não é o ambiente onde grandes decisões nacionais são debatidas, votadas e, se aprovadas, transformadas em lei. ao invés, os problemas realmente complexos são decididos pelo judiciário [lá no STF] e os de menor importância [os mais operacionais] são tratados pela via de medidas provisórias emitidas pela presidência da república e tratadas pelo poder legislativo “quando dá”.
claro que este blog não tem nada a ver com isso, pois tratamos das tecnologias de informação e comunicação e seus impactos nos indivíduos, grupos, comunidades, economia e sociedade. para saber como chegamos no estado de coisas onde “se governa por medidas provisórias” e como isso prejudica o estado de direito, vá ver este texto nos arquivos da câmara.
mas acontece que tudo é software. as leis são o código da sociedade; à risca, e de forma prescritiva [e não descritivas], podem levar a muitas situações onde o comportamento de cada indivíduo é determinado por textos criados nos gabinetes de brasília. cada vez mais parece que é assim, e de forma independente da opinião dos nossos representantes nas casas legislativas.
numa longa sequência de mudanças no software [ou nas regras] do país, saímos de 20 MPs em 1988 para 44 em 2012, sobre temas que vão da criação de feriados e secretarias de estado a programas de estudo e bolsas, concessões para geração de energia, mudança nas regras de depreciação de veículos e alteração de nomes de empresas estatais. uma espécie de festival de besteiras que assola o país… só que não é besteira, são novos termos legais que entram em vigência na data de sua edição, a menos que o congresso rejeite a proposição. na prática, e na opinião de parlamentares que foram presidentes, o executivo “fecha” o congresso com um derrame de medidas provisórias.
numa democracia representativa [que é o caso do brasil] as regras do jogo não são escritas por todos, mas por programadores escolhidos pelo voto direto e secreto. uma moçada foi escolhida para executar e outra para fazer as regras, muitas das quais, pelas regras vigentes, podem ser propostas por quem vai executá-las, e que não por acaso é chamado de executivo.
pois bem. a norma, de um tempo pra cá, é que o legislativo não funciona, em parte por ter se tornado uma grande câmara de vereadores federal, onde a maioria dos representantes do povo está interessada em sua reeleição, que depende do que cada um consegue carrear de recursos para seu eleitorado… e noutra parte porque o sistema parece tão complicado que dificilmente seria um parlamento verdadeiro mesmo que a maioria dos seus membros tentasse fazê-lo funcionar. e o executivo, que tem que tocar o país, chova ou faça sol, resolveu programar a coisa toda, e de cabo a rabo.
uma das formas dos programadores se divertirem é esconder easter eggs [ovos de páscoa, ou surpresas] nos programas [e às vezes no hardware] a seu encargo. é uma funcionalidade inesperada ali, uma imagem que não deveria estar num chip… mas está, além de variadas e secretas [por um tempo] formas de pular de nível em um jogo, sem ter que realizar as tarefas que exigidas pra isso. e o que é um ovinho de páscoa em software, no mundo virtual… é um gato no real, nas leis.
brasília está cheia de programadores. ao invés do senso de humor de quem escreve software, a galera por lá é muito objetiva. dado que o executivo passou a governar por medidas provisórias [código, para o país, que vem quase pronto do palácio do planalto], uma das únicas formas da sociedade fazer parte do processo legislativo é introduzir “gatos” nas medidas provisórias. e fazer isso em comum acordo com o palácio, para garantir que haverá consequências práticas, e não só uma afronta ao “processo” legislativo.
exemplo? a MP 612, de 4/4/13, reestrutura o modelo jurídico de organização dos recintos aduaneiros de zona secundária… e dá outras providências. quais?…
bem… lá num §6º há um gato, onde se diz, literalmente: Consideram-se empresas jornalísticas, para os fins do inciso XX do §3º, aquelas que têm a seu cargo a edição de jornais, revistas, boletins e periódicos, ou a distribuição de noticiário por qualquer plataforma, inclusive em portais de conteúdo da Internet. e quais são os fins do inciso XX do §3º? são parte de uma relação de setores econômicos que trocarão o pagamento de 20% da folha de salários ao INSS pelo recolhimento de 1% do faturamento a partir de 2014. jornais, rádios, TVs, portais, empresas de engenharia e arquitetura e de transporte metroferroviário de passageiros, entre outras. o §6º trata de mudança na legislação trabalhista, contrabandeada numa MP sobre o modelo jurídico de parte da alfândega. tudo a ver, coerência total.
uma coisa que se aprende muito cedo, quando se escreve software, é que quanto mais remendos –ou gatos- se insere em um sistema [programa, módulo] mais a sua complexidade aumenta e mais difícil é o entendimento, manutenção e evolução da coisa. olhando para a MP 612 como se fosse parte do código do país [e é, e já está valendo] há um risco imenso de estarmos aumentando, por tal método de escrita do software nacional, sua complexidade, custo operacional e de manutenção e evolução, quase certamente inaceitável se estivéssemos fazendo um estudo do custo total de longo prazo de fazer as coisas assim, aqui e agora.
por essas e por outras é que o custo brasil só aumenta. e sem que quase ninguém [quando se computa todos os que sofrem as consequências] perceba. e la nave va.