imagine que o mundo mudasse em pulsos de meio século. se isso fosse verdade, cada uma das ondas de inovação pelas quais a humanidade passa [ou causa] há séculos teria a mesma largura, como mostra a imagem abaixo. mesmo que o tempo de adoção de uma onda de inovação não fosse os 50 [ou 60] anos que a figura aparenta, a ideia é que haveria um tempo social para absorção de inovação na economia e sociedade e que ele teria se mantido mais ou menos igual desde a primeira das revoluções de inovação, há mais de dois séculos.
mas parece que o mundo não funciona como o “modelo” acima parece mostrar e sim como as ondas abaixo talvez queiram implicar. da primeira onda de inovação [de schumpeter, a partir de kondratieff] pra cá, parece que o processo vem se acelerando, com duração dos grandes ciclos de inovação caindo de cerca de 60 para perto 30 anos e o tempo de subida da onda caindo de 40 para [uns] 20 anos.
as ondas originais de kondratieff, mostradas abaixo, tentam descrever os grandes ciclos econômicos; não são unanimidade entre os estudiosos mas podem ser úteis para explicar processos de inovação em um mercado ou economia. a ideia geral é que a subida de uma onda está correlacionada a uma fase de prosperidade, que é quebrada por uma recessão, seguida de depressão e, por fim, a um processo de melhoria que é o princípio de outra onda de inovação e, logo, de prosperidade. a teoria dos ciclos longos, levada ao pé da letra, diz que países e empresas [que competem por mercados, em países] deveriam estar sempre preparadas para as subidas e descidas nos índices de inovação [e atividade econômica…] pois elas são parte da natureza dos mercados.
uma variante dos gráficos acima, mostrada abaixo, dá uma noção da intensidade da inovação [ou de seu impacto econômico e social] em cada uma das ondas. aí se torna clara uma situação que aparece em quase todo debate sobre inovação de que participo, explicitada por duas perguntas:
- está tudo mudando mais rápido? e
- as mudanças são cada vez mais profundas?
para as duas perguntas, a resposta é a mesma: sim e não. mas… por que?
pra responder à primeira pergunta, imagine que você morava no brasil em 1807. ainda não se tinha notícia de uma só impressora em todo território nacional, coisa que veio com d. joão vi, mecanizando a impressão de jornais e folhetos no país, todos pró-governo. aqui, a transição de manuscrito para impresso não só chegou com mais de 350 anos de atraso [em relação às primeiras impressoras europeias], mas não se deu do dia pra noite. para quem sabia do problema [da criação de uma capacidade nacional de imprimir conteúdo, em escala industrial], a solução estava para acontecer há tempos e era inevitável; a vinda de d. joão vi só acelerou tudo. e quem não era do meio foi pego de surpresa: de uma hora para outra, o país passou a ter uma imprensa [controlada, é verdade], criando uma gama de possibilidades. e isso rolou entre 1807 e 1808, e foi uma transição limitada, por e para uns poucos.
pra quem não sabia do que estava pra acontecer em 1808, tudo começou a mudar muito rápido, vertigem [à época] relatada nos diários de quem viveu a transição. a resposta à primeira pergunta, logo, é: se você ignora[r] o que está pra acontecer, é provável que perceba as mudanças provocadas pelas grandes inovações como muito rápidas, cada vez mais rápidas. de uma hora pra outra, na verdade. e isso se dá porque você não tinha [por várias razões] o contexto para entender os porquês, comos, onde e quando das mudanças de uma revolução. então, para quem está por fora, a resposta à primeira pergunta é sim, tudo está mudando muito mais rápido do que costumava mudar. para quem está por dentro, a resposta é não, a mudança está rolando em sua velocidade normal, talvez até bem mais lentamente do que a gente [quem está fazendo ou está perto da mudança] gostaria que acontecesse.
e a segunda pergunta? a estrutura de raciocínio é similar. considere a terceira onda da figura acima. os vetores de inovação são a eletricidade, a química [industrial] e motores a combustão. as tecnologias e base científica, de física, matemática, etc., para as mudanças evoluíam, como não poderia deixar de ser, com a mudança. em alguns casos, a evolução do conhecimento foi o motor da mudança tecnológica e no mercado. quem estava acompanhando o que estava acontecendo em química, física, eletricidade… na terceira onda, não se chocou com o início da quarta, cujas características são a eletrônica e a aviação. uma se origina da eletricidade, física e química e da melhoria da precisão e qualidade de processos industriais da geração [ou {causados pela} revolução anterior] e a outra não teria sido possível sem uma melhoria radical dos motores. de uma certa forma, mudanças naturais, mas só pra quem estava surfando a onda anterior. resumo? pra quem está longe, cada onda se torna cada vez mais alta [e seu conhecimento e impacto mais profundo]; pra quem está perto, uma nova onda não passa de uma consequência quase natural do que já estava acontecendo.
isso quer dizer que dá para prever e estar sempre preparado para as mudanças, no mercado, provocadas pelas ondas de inovação?… não; porque por mais que um de nós esteja dentro da onda atual e capaz de olhar o futuro e possíveis novas ondas, o futuro vem do futuro. e quem paga as contas, ainda, é o presente. nossa ligação com o que estamos fazendo agora, e a melhoria de nossa capacidade de fazê-lo de forma mais eficaz, eficiente e econômica liga, de mais de uma forma, as pessoas ao presente [e as instituições também] e isso nos faz não só ignorar o futuro, mas ao mesmo tempo querer que ele não aconteça e, nos casos radicais, investir para que ele não role de jeito nenhum. mas o futuro nunca se engana. e sempre vem. seja lá quanto tempo demore, um dia ele chega, na sua casa, local de trabalho, sociedade.
consequências? cada onda de inovação destrói empregos e, mesmo com a próxima onda sempre criando outros, raramente pessoas que perderam empregos da onda passada [por desaparecimento de suas ocupações] têm habilidades e competências exigidas pela onda atual, inclusive porque o sistema educacional está preparado para repetir o passado e não para construir o futuro.
precisaria ser sempre assim? não, claro que não. mas imagine, você mesmo, tudo o que teria que ser mudado, em todas as instituições sociais e econômicas, públicas e privadas, no nosso [por exemplo] país, para que não somente nos preparássemos bem melhor para o futuro, mas para que uma parte significativa dele fosse pensada e feita a partir daqui. pense. pense como seria muito mais interessante o trabalho, e escola, a vida, tudo.
e pode ser que a gente tenha que fazer isso não só porque, aí, a vida se torne mais interessante, mas porque as ondas de inovação são cada vez mais altas e rápidas pra muita gente e, se não cuidarmos de trazê-los, todos, para a crista das ondas… eles podem se tornar estruturalmente desempregados. quando isso acontece, boa parte do que poderia ser investido para criar o futuro terá que ser dirigido –inevitavelmente- para programas de compensação social. e haverá cada vez menos futuro, no tempo certo, para todos.
PS: este texto foi provocado por uma declaração de eric schmidt, presidente do conselho de google, de que “tecnologia não está destruindo empregos”. está sim. e não só empregos; como vimos, destrói e cria trabalho. e é importante manter os dois lados da moeda em perspectiva, pra gente não ficar achando que tecnologia [e futuro] “são rosas”…