O significado das palavras é dado por seu uso. imagine, por um momento, que uma máquina desse significado a palavras. você tecla uma palavra, ela retorna todos os significados da palavra em todos os contextos possíveis. para tal, a máquina deve armazenar todos os contextos e ter forma[s] de atribuir significados a palavras.
se você acha que a “máquina” do parágrafo anterior parece demais com google [ou bing, baidu…], acertou. é isso que diz, também, boris groys, professor da new york university. em Google: Words beyond Grammar [neste link]. o texto não é pra ser lido na carreira, supõe um conhecimento que vai de saussure a freud, passando por marinetti, heidegger e derrida. mas deixe pra lá que groys, o autor, é crítico de arte, teórico de mídia e filósofo e o resumo pode ser o seguinte: para quase todos os usuários da web, google [que domina, amplamente, o mercado de buscas] é um oráculo que dá significado a palavras, oferecidas a ele de forma singular, fora de qualquer estrutura gramatical. daí o título do artigo de groys.
groys teoriza que, recebendo nuvens de palavras [word clouds, as parole in libertà de marinetti] google responde com significados dentro de contextos previamente calculados, aí incluído o usuário como contexto, cujo comportamento, na maioria dos casos, a máquina de busca tem. assim, um número potencialmente infinito de contextos [e significados] é transformado em uma resposta finita e calculada, que dissolve a gramática.
no texto, groys deixa pra lá detalhes como google ter uma linguagem de comando que permite um grau bem mais específico de perguntas do que a simples entrada de word clouds na caixa de busca. mas quantos usuários sabem o que faz a busca abaixo, em google?…
inurl:meira -site:wikipedia.org redes+sociais intitle:mobilização
clique, pra descobrir; ela tem exatamente uma resposta. qual é a pergunta? que URL tem meira, não está no domínio wikipedia.org, tem redes e sociais no texto e a palavra mobilização no título da página? se a gente concordar que 99% dos usuários de google não sabe [por enquanto] nem qual é a pergunta acima, dá pra imaginar que quase ninguém faz ideia de qual seria a resposta. logo, o diálogo com google é uma troca de palavras por contextos onde palavras ocorrem, pra quase todo mundo.
isso é um problema?… não e sim. não, porque pra muitos, a simples habilidade de interagir com google via palavras[-chave] abriu um universo de possibilidades de acesso a informação. e sim, porque a interface de google [e bing, baidu…] está se sofisticando de tal forma que as interações deixam de ser simples perguntas para ser de fato, comandos. pra traduzir entre linguagens; pra calcular, pra converter entre medidas, moedas [experimente começar a teclar 50 celsius em… ou defina política e veja o que acontece. google prevê o que você vai perguntar [como?… é que “ele” aprende de centenas de milhões de pessoas que estão perguntando…] e começa a lhe dar a resposta antes que você acabe a pergunta. óbvio, não?
neste [e em muitos outros] sentidos, google [now] começa a expandir humanos de forma -prevista há meio século, em Augmenting Human Intellect, aqui– que começa a nos tornar dependentes da web e das máquinas, lá, que nos conectam e cuidam de encontrar o que nos interessa, seja como for.
entender como [e quais] tecnologias fazem isso rolar… fica pra depois. sempre foi assim, não é agora que vai mudar. a distância entre usar tecnologia e entender os princípios de seu funcionamento talvez seja de uma geração inteira, que é o tempo que leva para a sociedade [de forma ampla] simplificar entendimentos, codificar o conhecimento equivalente em termos inteligíveis pela maioria e inserir a inovação [a mudança de comportamento de agentes como fornecedores e consumidores de produtos e serviços] nos novos códigos sociais, transmitidos através de processos educacionais. em rainbows end, a galera do jardim da infância aprende a usar as máquinas de busca da época… de forma subliminar. breve… na lente de contato no seu olho.
resumo da ópera? groys ouviu o galo cantar. sabe mais ou menos onde. mas, até pela dinâmica da evolução do próprio conhecimento sobre a web [e sua aplicação, em novas tecnologias, produtos e serviços], o debate e discurso sociotécnico vão continuar muitos anos, décadas, talvez, atrás da tecnologia propriamente dita. se você quiser pensar porque, volte 50 anos e leia Augmenting Human Intellect, aqui neste link. o engenheiro [douglas engelbart] que concebeu o sistema em 1962 é o mesmo que, em 68, fez a mãe de todas as demonstrações, desenhando o que viria a ser a computação por décadas a fio, quase até agora. veja. vale a pena. para descobrir, inclusive, que 45 anos depois há muito pouca gente capaz de entender a demonstração. muito menos como as tecnologias por trás dela funcionam. entre o que queremos que todos saibam [nada menos que tudo] e todos saberem, teremos séculos [milênios?] de evolução. será um milagre se, nos próximos 25 anos, busca e suas características e efeitos na prática for ensinada, de forma apropriada, no ensino médio brasileiro. tomara. será?…