depois da confusão recente com google, a china resolveu que tá fazendo pouco para criar uma “guerra fria de informação” ou, de outro ponto de vista, um “controle totalitário” de toda a informação que circula debaixo de seu céu. esta semana, o governo decidiu censurar todo e qualquer SMS enviado no país.
se você acha que é um absurdo, não perde por descobrir como eles acham que vão fazer isso: as autoridades decidiram que um conjunto de nove departamentos do governo central vai começar a aplicar treze critérios para crivar os torpedos pelo nível de ilegalidade e insalubridade. quem cair na malha tem o SMS suspenso e, para reaver o direito de mandar mensagens, terá que comparecer a uma delegacia da polícia de costumes e assinar uma declaração prometendo não cair em tentação de novo.
pequeno detalhe: não se publicou nenhuma linha sobre os tais treze critérios; eles são, digamos, secretos. o governo chinês aprendeu algo com o senado brasileiro e os pobres usuários terão que adivinhar as regras debaixo das quais, a partir daqui, vão ter que se comportar.
ah, sim: a população está sendo estimulada a dedar mensagens suspeitas de ilegalidade ou insalubridade, como sempre é o caso nas ditaduras; quanto mais gente olhando por cima dos ombros dos outros e fornecendo informação, mesmo que falsa ou mal intencionada, aos órgãos de segurança, melhor. quer dizer, melhor para os órgãos de controle social.
segundo a forbes, a china opera uma rede de cerca de 40.000 pessoas monitoranto a internet, de salas de chat a sites, sistemas de busca e redes sociais, prontos para tirar do ar o que julgarem ofensivo à moral e aos bons costumes, ou melhor, aos ditames do partido comunista chinês. não se sabe o tamanho do contingente que vai censurar os SMS…
a secretária de estado dos EUA, hillary clinton, disse nesta quinta-feira que uma “nova cortina de informação está descendo sobre uma boa parte do mundo”, e pediu à china para investigar os ataques contra google e outras companhias. a constatação de clinton é óbvia e o pedido, inútil. a china não está nem aí e continuará censurando de jornais a conversas de bar, passando por karaokê [como você pode ver neste link] e o que mais se pensar.
na economia industrial, quando o mundo se separava entre capital [controlando poder e trabalho, uns] e poder [controlando trabalho e capital, outros], a guerra fria era material e as armas eram a versão séc. XX de instrumentos e sistemas bélicos seculares. conhecimento e informação eram, de certa forma, coadjuvantes.
na economia do conhecimento, estão em jogo os sistemas, repositórios e os fluxos de informação e conhecimento, especialmente os que ocorrem entre pessoas, formando grandes e potencialmente explosivas redes sociais. e isso ocorre somente se há direito de expressão, de acesso aos meios de comunicação e conectividade, de formação de redes. o que não é o caso de países como china, uzbequistão, egito, irã, cuba, venezuela e muitos outros.
a “guerra fria” no mundo [que parecia] globalizado e do conhecimento pode estar sendo iniciada por estes tempos [com a invasão do google chinês no papel do novo muro de berlim?…] e definido nos termos da declaração de clinton. neste caso, indústria e armas postas ao lado, como coadjuvantes, seria uma disputa entre as sociedades onde há liberdade e consequentemente uma rede, em todas as vertentes, ampla, geral e irrestrita e aquelas onde não há e, por consequência, onde a vasta maioria dos cidadãos e seus pensamentos e expressão é controlada pelo estado.
no fundo, mais do mesmo, só que em rede? talvez não, por termos nos movido em grande escala para um mundo onde cada um é seu próprio repórter, editor, distribuidor… onde a importância do pensamento e da voz individual é muito maior. de mais de uma forma, a censura na economia e sociedade em rede tem um impacto muito maior que a velha censura aos meios de comunicação. enquanto aquela calava os que representavam a voz do povo, esta tenta calar o próprio povo. vamos ver se consegue, em que escala, e por quanto tempo.
tal preocupação pode ser uma boa razão para se estudar criptografia, redes, linguagens de programação, web… porque é muito mais difícil [certas horas é impossível] controlar o que fazem, veêm, lêem ou dizem os hackers. nem google consegue segui-los em todos os casos. de resto, desde que o mundo é mundo, encontrar formas de ouvir e dizer que driblem as vigias do poder autoritário sempre foi um mecanismo de sobrevivência bastante eficaz.
por outro lado, não é a partir dos EUA que você pode, por exemplo, apostar em jogos de azar na rede [“apostar” é uma forma de expressão?], mesmo que os sites estejam fora do país; a frança detona, sistematicamente, usuários P2P e muitos países têm filtros contra pornografia, o que leva a uma discussão sobre o que é a “boa” censura, capaz por um lado de oferecer anteparo legítimo para controlar incitação à violência e pornografia infantil na rede e, por outro, promover a real liberdade de conexão e comunicação.
a “má” censura, esta todo cidadão de bem deveria saber qual é e como age. sobre a china, uma coisa dá pra saber: a censura de lá não é a “boa”. resta saber se à medida que beijing assume, no mundo, o papel econômico e político de washington, suas práticas, políticas e polícias irão, também, dominar nossas vidas.
espera-se que não. espera-se que a terra continue sendo um lugar legal pra viver e onde se diz o que se pensa e quer, sem temer as consequências. mas que existe o risco da china exportar suas práticas pro resto do planeta, existe. quem viver, verá.