curitiba sediou semana passada a CICI2011, a conferência internacional de cidades inovadoras. com tantos problemas a resolver em cidades de todos os tamanhos e em todas as geografias, o assunto desperta interesses e paixões, atrai pensadores e realizadores de todos os tipos de competências.
parte essencial da discussão do que fazer é o debate sobre as causas da situação atual das cidades, especialmente das regiões metropolitanas e megalópolis. e uma das potenciais fontes de soluções inovadoras para os problemas das grandes cidades é a informática, as soluções que envolvem a combinação de um ou mais de seus três eixos fundamentais, computação, comunicação e controle.
e não há solução simples, por sinal. como nós estamos vendo nas grandes cidades brasileiras, de são paulo a recife, passando por todas as outras, só o problema de mobilidade já é um desafio quase irresolvível. enchentes e alagamentos anuais, então, estão se tornando a norma e não mais a exceção. dia destes ouvi alguém propor que o verão do sudeste deveria ser renomeado para a estação das monções, tal a semelhança com o regime de chuvas que costumávamos associar apenas à ásia.
claro que não chegamos na situação onde estamos por acaso. um certo "design", deliberado ou emergente, nos trouxe aos estados aparentemente caóticos em que estamos, resultado de ações e omissões dos gestores urbanos, por décadas, séculos a fio.
assumindo que seja inviável [pelas mais variadas razões] recomeçar do zero uma cidade inteira como recife ou são paulo, e partindo do princípio de que vamos fazer algumas coisas para tentar resolver várias das classes de problemas que atanazam os moradores das grandes cidades, o problema seguinte passa a ser o que e como fazer. porque o quando era anteontem.
aí é onde entra o "digital". interpretado de forma estreita, o conceito de "cidade digital" implica na integração de serviços públicos [destinados à cidadania] e acesso em banda larga, para todos e em toda a cidade, aos mesmos e à rede. como nesta reportagem aqui, de um ano atrás, onde se diz que o país terá quase 10% de suas cidades "digitalizadas" até 2014, o ano em que tudo vai acontecer por aqui. ou, por outro lado, nada.
mas isso é muito pouco quando consideramos a cidade como um todo, principalmente as grandes e seus problemas. pra começar, será que não poderíamos dar um tratamento "digital" ao megaproblema da imobilidade urbana? gastamos cada vez mais tempo indo de um ponto a outro da cidade, quase sempre de onde moramos para onde trabalhamos ou onde estamos indo encontrar pessoas. e as tentativas de resolver tal problema com mais pistas nas ruas e mais viadutos sobre as pistas têm tido um grau de sucesso muito baixo.
a [i]mobilidade urbana foi discutida no dia das cidades digitais no CICI2011 e o blog participou do debate usando os slides que estão neste link. minha visão pode ser resumida em torno de como tratamos os…
…que é meu resumo predileto da trilogia de castells sobre a era das redes e da informação, que se aplica tanto à sociedade como um todo quanto à cidade em particular, como as cores das letras da última palavra do slide acima deixam transparecer.
olhando a cidade como uma rede e, nela, seus atores [pessoas e coisas, como carros, motos, ruas, sinais de trânsito, rios e canais, bancas de revistas…] como podemos redesenhar as trocas e interações de tal forma que o espaço urbano seja usado de forma mais eficaz e eficiente?
vá dar uma olhada lá nos meus slides. claro que as formas são muitas, tantas quanto a diversidade de posições contra e a favor de qualquer uma delas. mas o certo é que, transformando a cidade em uma verdadeira rede, intensamente informatizada, podemos pensar em diminuir radicalmente a necessidade de trocas e interações físicas, que exigem [por exemplo] mobilidade urbana de longo curso, como atravessar a cidade inteira para trabalhar.
redesenhando a cidade como uma rede –em todos os sentidos e não só do ponto de vista de acesso aos serviços públicos e à internet-, poderíamos pensar no estabelecimento de workCenters altamente conectados, pontos de articulação concreta e virtual da grande rede urbana e seus fluxos. isso seria um reuso da idéia e implementação de shopping centers distribuídos pela cidade, lugares de trabalho mais próximos para que as pessoas se movam muito menos para trabalhar, coisa que quase todos os adultos fazem, quase todos os dias, quase sempre muito longe de sua moradia.
workCenters poderiam ser núcleos e nós de articulação de uma grande rede social urbana [ao invés de um sistema operacional urbano], parte da infraestrutura que poderia transformar a cidade num conjunto de…
…ao invés dos poucos centros que atraem, hoje, tanto fluxo e causam, por sua vez, tanto tráfego.
redesenhando a cidade como uma grande rede de comunidades distribuídas e altamente conectadas, inclusive internamente às comunidades, deveria ser possível trocar parte substancial do fluxo concreto de pessoas e coisas por fluxos abstratos, de castells, virtuais. o impacto sobre a mobilidade, só pra citar um dos itens mais afetados, seria gigantesco. poderíamos ir tão longe quanto preciso fosse, nos afastando de casa apenas o suficiente para que tivéssemos acesso a workCenters de classe mundial em nossa vizinhança.
claro que há muitas considerações a fazer e o assunto é muito complexo. e só estamos dando uma pincelada no grande quadro dos problemas urbanos e suas soluções. e nem estamos falando de automação urbana em grande escala, como seria o caso de tratar chuvas, enchentes, manifestações e ordenação do tráfego.
deixando estas preocupações como pano de fundo, pense… e se sua [grande] cidade começasse a ter infraestruturas de comunicação digital de classe mundial, da mesma forma que quer ter [e algumas têm] viadutos e pontes monumentais, marcos do caos urbano? e se sua cidade tivesse IPTU positivo e negativo? prédios que resolvessem grandes problemas urbanos poderiam receber da cidade por isso, ao invés de pagar.
workCenters estariam nessa classe: perto de sua casa, pequenos, médios e grandes centros de trabalho onde você [ao invés de trabalhar sozinho em casa, coisa que nem todos conseguem] estaria em grupo, talvez com dezenas de pessoas do seu próprio trabalho, sem ter que "ir até lá", aquele lá longe, que hoje lhe faz perder [em são paulo…] quatro horas de sua vida, por dia, no trânsito.
se todos fôssemos, na cidade, mais locais e, ao mesmo tempo, mais globalmente conectados, seríamos mais glocais e talvez, ao contrário da grande cidade atual, onde…
…porque eu raramente estou lá, nossa maior localidade física talvez nos fizesse prestar mais atenção e cuidar muito mais da nossa vizinhança, lugar que se torna muito mais interessante quando é, de verdade, uma comunidade.
para serem inovadoras e tratar alguns dos problemas profundos e reais de cidades de todos os portes, as iniciativas de cidades digitais terão que passar, e muito, da conectividade básica e do acesso aos serviços públicos.
a infraestrutura e serviços de informação que começa a ser tão essencial à cidade como água, esgoto e eletricidade tem que se tornar, e agora, uma preocupação essencial da cidade, seus gestores, seus moradores.
a cidade tem que ser vista por todos como uma rede, como um sistema social, emergente, em modo beta perpétuo, resultado das interações de uma rede de comunidades distribuídas, altamente conectadas, em evolução permanente. porque assim é a vida, das cidades inclusive.