este é o terceiro texto de uma série sobre diagramas para criar, inovar e empreender, como diz, aliás, o título. os textos não estão em ordem, muito menos no estágio de arrumação em que devem se tornar partes –quem sabe- de um livro, no futuro. nós começamos com um diagrama que parecia de venn mas não era, no primeiro texto, e o redesenhamos como um de venn, mesmo, para depois sobrepor um caminho no segundo diagrama. e tudo pra falar de um certo conjunto de bases para sustentar inovação.
pra continuar nossa conversa, imagine desenhar um kit de ferramentas [conceituais] para guiar atividades de criação, inovação e empreendedorismo. por onde você começaria? a ideo criou um destes kits, disponível em português, que começa com o diagrama ao lado, que vamos chamar de DPVS. agora a gente já sabe que este é um diagrama de venn, mesmo, aumentado por indícios de ações a serem realizadas numa certa ordem, para obter um dado resultado. no caso, criar soluções que sejam desejadas pelas pessoas e sejam viáveis financeira, política,… socialmente, sejam exequíveis, tecnologicamente, e sustentadas, organizacionalmente. o kit da ideo endereça a criação de soluções por organizações do terceiro setor, para um público cuja principal característica é a carência de políticas públicas e ausência do estado. mas mesmo que você esteja num banco, quase o radicalmente oposto de uma ONG, é fácil ver que se uma proposta para criar, inovar e empreender algo, no “seu” banco, não passar pelo menos pelo crivo das “lentes”, como a ideo chama [pra simplificar] os conjuntos representados na imagem ao lado… ela não vai rolar. alguma dúvida?
ótimo que concordamos. ou não? o diagrama acima retrata processos de inovação incremental, onde clientes e usuários [em potencial, de alguma coisa] imaginam que sabem o que querem e, havendo como elicitar seus desejos [isto é, definir as especificação do que eles querem], fazer um estudo de viabilidade e praticabilidade da solução requerida. olhando só para o diagrama, é claro que não é da interseção das três “lentes” da ideo que sai uma solução pronta para ser usada; o que o diagrama diz é que propostas que não estiverem na interseção dos três conjuntos não vão rolar. parece trivial, só que não. a história da maioria –senão a totalidade- das empresas está coalhada de coisas, na forma de esforço, tempo e dinheiro jogado fora em soluções que não pertenciam ao conjunto soluções da imagem acima. e isso falando de inovação incremental e dentro de negócios que nunca tiveram a menor propensão a fazer mais que isso.
mas a maior parte da literatura sobre inovação se refere a inovação radical. qual é a diferença, e há uma forma simples de definir as duas? sim: inovação incremental é melhorar o que já está sendo feito, melhorias dentro de um contexto onde nem as tecnologias mudam muito, nem usuários, nem o mercado, tampouco as soluções. inovação é radical quando há uma quebra de contexto, quando a nova solução tem pouca ou nenhuma relação com as que existiam anteriormente [se é que alguma existia]. inovação radical é fazer o que não estava sendo feito.
nada disso, também, deveria ser novidade, larry greiner já estabelecia conceitos muito parecidos em “Evolution and Revolution as Organizations Grow”, um clássico entre os textos sobre inovação, originalmente publicado em 1972. e porque é que a gente está falando disso aqui? daqui a pouco a gente chega lá.
o diagrama do início do texto é parte de um approach chamado human centered design, onde o processo de inovação não parte de possibilidades tecnológicas, de uso ou novos modelos de negócios, mas das demandas de humanos, reais, com problemas que precisam ser resolvidos sob pena de [grandes] perdas, especialmente nos casos para o qual o kit foi desenhado. um outro diagrama da ideo, no mesmo kit, define, visualmente, três [e não dois!] modos de inovação. como assim? olhe o diagrama abaixo [IE2R], que leva em conta as ofertas [soluções] existentes e novas e usuários, atuais e futuros.
human centered design [HCD] é o mesmo que desenho centrado no usuário [UCD], o processo de criação de soluções ao redor de necessidades, demandas e possibilidades dos usuários, de conjuntos de usuários. lendo o diagrama acima no contexto do kit da ideo, pode-se imaginar que qualquer uma das classes de inovação pode vir de processos do tipo HCD/UCD. inovação incremental, já vimos, melhora ofertas existentes para usuários atuais. e o diagrama mostra duas classes [conectadas] de inovação evolucionária: novas ofertas para usuários existentes e ofertas existentes para novos usuários. parece jogo de palavras… mas não é. nem pense que estas coisas acontecem naturalmente, sem ninguém fazer nada: há barreiras a vencer, às vezes mais difíceis do que mudar a vida dos usuários existentes, mudando as funcionalidades ou interfaces das suas soluções. você e eu já passamos por isso, quando nossos provedores de soluções mudaram [para o nosso bem?…] a interface de algum sistema. e olha que isso era a inovação incremental “clássica”.
a inovação incremental é evolucionária: cada um pode dar o nome que quiser ao tipo de inovação que faz, mas, se a gente voltar para clássicos como o texto de greiner, dá pra continuar dividindo inovação em apenas duas grandes classes: as mudanças radicais [revolucionárias] e as incrementais [evolucionárias]. e o gráfico acima, que não tem nada a ver com teoria dos conjuntos, tenta nos dizer, combinando dois eixos binários num plano cartesiano, quais são as combinações possíveis, face ao que os eixos horizontal e vertical representam. olhe ao lado: se X quer dizer ofertas, então +X quer dizer novas e –X… as velhas; se Y “são” usuários, –Y são usuários existentes e +Y, os novos. sempre que a gente desejar construir cenários para alguma coisa, como inovação, é possível identificar [pelo menos] dois fatores de incertezas que podem ser mapeados em um diagrama como o que a ideo usa para explicas sua visão de inovação incremental, evolucionária e revolucionária: dois quadrantes, o II e o IV, são igualmente rotulados; o quadrante III é o de inovação incremental e o I, de inovação radical. só que não precisa ser assim e, na prática, raramente é assim.
em “Incremental and Radical Innovation: Design Research versus Technology and Meaning Change” norman e verganti desenham um cenário para inovação tomando por base tecnologia e significados [ou usos] ao invés de ofertas e usuários, e o resultado é o mostrado abaixo.
volte um pouco e compare este diagrama [pense nele como TRIM] com o IE2R da ideo: se havia, lá, três tipos de inovação… aqui parece haver quatro! mais: norman e verganti dizem que se as mudanças tecnológicas e as de significado são incrementais, o terceiro quadrante é o da inovação puxada pelo mercado, ou das inovações que as pessoas já sabem que precisam… que corresponde exatamente ao que se pode fazer se você juntar os usuários pra perguntar o que eles querem, que vem a ser o resultado de HCD/UCD. vez por outra, tecnologia muda pouco e os significados, muito; isso resulta em inovação baseada em usos; vez por outra, a tecnologia é radicalmente modificada e os usos mudam pouco, o que resulta em inovação forçada por novas tecnologias. e há os raros casos em que tecnologias e usos mudam simultânea e radicalmente, o que verganti nomeia como epifanias tecnológicas, as mudanças dramáticas de uso em função de mudanças radicais de tecnologia.
o problema, agora, é: como navegar nestes [diagramas de] cenários, como passar de um quadrante pra outro? norman e verganti têm uma teoria: eles dizem que HCD/UCD só gera inovação incremental, pra comecar, e que isso pode ser a base para os outros tipos de inovação, através de uma mudança radical de [bases de] tecnologia e [ou] significados [e/ou percepções e usos].
e isso faz com que apareça, pela primeira vez em nossa história, um diagrama que parece [mas talvez não seja] uma função matemática como as que nos acostumamos na escola, que mostramos abaixo.
resumo da ópera? o diagrama PQDP, acima, diz que, ao trazer usuários para o processo de solução de um problema [ou evolução de uma solução existente, A], HCD vai lhe levar até um ponto [B], aquém da solução [potencialmente ótima] D; para transitar de B para outro espaço de solução, aqui representado pela curva C – D, também mediada por HCD, é preciso uma transição radical de tecnologia e/ou design sem a intervenção dos usuários, até que a solução volte a ser mediada com e por eles. a transição B – C é abrupta e não passa [pelo menos em tese] por soluções “piores” do que A mas, ao trocar o contexto problema/solução, terá resultados piores do que B. e, segundo norman e verganti, não há como saber, seja lá qual for o contexto, se a transição B – C vai levar a solução [ou soluções] melhor[es] ou pior[es] do que B, a priori. por isso que os cautelosos “morrem” em B, ou antes, e os “medrosos” morrem em A. mas isso é outra história, de aversão a risco, com seus próprios diagramas, que a gente vai ver em outro texto da série. até lá.