E AÍ, IA… [I]

IA fará com que todos sejam iguais
em sua capacidade de serem desiguais.
É o maior paradoxo desde que Yogi Berra disse…
‘Ninguém mais vai lá. Está sempre muito lotado.’

Difícil ler este texto e não ter nem ouvido falar de ChatGPT, um bot que usa processamento de linguagem natural para conversações online. Baseado num grande modelo de linguagem [LLM], ChatGPT usa algoritmos de aprendizado profundo para gerar respostas semelhantes às humanas para textos de entrada, dando impressão de domínio do entendimento e expressão linguística de humanos. Mas não é mágica, nem inteligência: são algoritmos preditivos, que usam parte relevante do conteúdo da web e outras fontes para criar texto.

De atendimento a clientes, assistentes pessoais e agentes conversacionais à análise de exames médicos, respostas a questões de provas, síntese de imagens descritas por texto, LLMs podem ser altamente personalizáveis e treinados em conjuntos de dados específicos para tarefas específicas. Se ChatGPT for treinado de tal maneira, suas “conversas” com pessoas serão similares a conversas entre pessoas, criando uma percepção de que há uma inteligência similar à humana -uma inteligência artificial, IA- por trás da máquina. E de onde isso veio há muito mais.

A onda de inteligência artificial generativa [ChatGPT é só um exemplo] capturou a atenção do mundo de uma maneira que feitos anteriores de IA nem chegaram perto, graças a serviços fáceis de usar, disponíveis na web, que podem ser usados [bem ou mal] para quase tudo. Quase qualquer pessoa usá-las para tarefas rotineiras, incluindo reorganização e classificação de dados. Mas a capacidade desses sistemas ao redigir textos, compor músicas e criar arte digital chegou às manchetes e atraiu consumidores e famílias para experimentar por conta própria. Como resultado, um conjunto muito amplo de interessados está lidando agora com o impacto da IA generativa nos negócios e na sociedade, na maioria dos casos sem entender o que está acontecendo, porque está, para onde estamos indo e quais são as consequências.

Não é à toa que os otimistas bradam que IA vai salvar a humanidade, resolvendo nossos problemas mais críticos, enquanto os pessimistas gritam que IA vai destruir a humanidade… e, para sorte de quem não está nas duas pontas -e nem é especialista…- nenhum dos dois grupos tem razão. Os realistas, que costumam ser mais fundamentados no que proferem como alerta, vêem uma grande oportunidade para a humanidade, a maior desde a energia elétrica, por um lado, e da prensa de tipos móveis, por outro, com quase toda certeza.

Grandes modelos linguísticos já estão transformando educação, ciência e sociedade. Com todos os problemas que ainda têm e que provavelmente terão por muito tempo, LLMs geradores de texto e imagem estão criando um novo espectro de uso de algoritmos de IA e em todas as facetas da sociedade. A transformação do trabalho cognitivo, que parecia a salvo nos processos mais amplos de automação, informatização e robotização da economia, vai impactar radicalmente as pessoas, as organizações, o emprego… quase certamente será o ponto de partida para mais uma onda de inovação muito intensa da revolução da informação, a base definida em código, e sempre mutante, para a economia do conhecimento.

Usando radical para definir a transformação causada por IA, no curto prazo, para as pessoas, já estamos no processo radical de iminente obsolescência do profissional criativo mediano e abaixo dele. Se no passado imaginávamos robôs [instância física, móvel, de inteligência artificial] substituindo de motoristas e varredores de rua a garçons, o que acontece agora é um impacto radical de IA no trabalho de escritores, ilustradores, jornalistas, advogados, contadores, designers e profissionais de saúde. Na verdade, quando consideramos que a IA que temos agora é muito competente em processamento simbólico, as profissões mais ameaçadas são exatamente aquelas em que manipular símbolos, incluindo dados, é a maior parte da ocupação. Isso prenuncia um apocalipse para uma parte das carreiras mais bem remuneradas, e as consequências são, em boa parte, imprevisíveis.

Não se trata de um exagero futurista, mas de uma realidade tangível que se desdobra diante de nossos olhos. Hoje, IA pode fazer análises sofisticadas de grandes volumes de dados, criar notícias, ilustrações, modelos de design, relatórios legais e contábeis e… escrever textos como este que você lê. Além disso, IA tem feito progressos significativos em diagnóstico de imagens médicas, genômica, assistência ao paciente e… descoberta de novos medicamentos. Médicos e enfermeiros não serão substituídos de imediato, mas IA está mudando a forma como trabalham. IA já é capaz de diagnosticar certas condições analisando imagens como raios-X e ressonâncias magnéticas, e cada vez mais com a com a mesma -ou maior- precisão que um especialista humano.

“IA generativa e automação criativa reduziram o piso de custo de produção de todo tipo de conteúdo de forma radical. Uma consequência? Estamos entrando num cenário [nos mercados intensivos em conteúdo, como marketing] cheio de ruído de alta qualidade“. Essa citação, de tradução livre aqui, é parte de… Never mind ChatGPT: inside marketing’s quiet revolution, no link  bit.ly/3NDZh6F. Se você tem algum interesse em IA em marketing, vá ler.

Lá em 2018, já havia estudos considerando centenas de cenários de aplicação de IA no mercado e apontando marketing como uma das áreas de maior impacto [veja… How to Design an AI Marketing Strategy, bit.ly/3CIHkgT]. E olhe que ainda seriam anos para o atual surto de IA. Olhando com um retrovisor em 2022, revisando a literatura, o impacto potencial de IA em marketing já era impressionante [veja Artificial intelligence applications for marketing: A literature-based study, em bit.ly/3pcu953]. Ou seja… os sinais de que haveria grandes mudanças, em algum futuro próximo, eram claros, estavam todos por aí. Não leu e não entendeu quem não estava prestando atenção. Ou não estava nem aí…

Hoje, quando falamos de automação criativa e suas possibilidades, nem precisa dizer que o grande desafio é criar – ou orquestrar – sinal forte, sofisticado, complexo, articulado, focado, sustentado, capaz de se sobrepor ao ruído e se tornar significado. Isso pode estar associado a criatividade; mas nem sempre a criação, em estado puro, vai criar narrativas num mundo em rede. quase sempre, em todos os contextos, é preciso muito mais que um criador para que uma criação tenha o impacto desejado. Mas disso vamos falar depois.

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