o royal bank of scotland quase faliu em 2009, resultado da crise global. só não foi para o grande cemitério dos CNPJ porque o governo inglês passou a ser dono de 84% das ações. há três anos, pois, é propriedade dos contribuintes. o banco, que se chama RBS por lá, também é dono do natWest [o national westminster bank, que comprou em 2000] e do ulster bank, da irlanda.
ao todo, o RBS tem 17 milhões de contas em suas mais de 2300 agências. e um problema de todo tamanho, talvez o primeiro na história do software no sistema financeiro mundial: uma atualização de um dos seus sistemas deixou 12 milhões de usuários sem poder retirar dinheiro, sem saber o saldo das suas contas, sem poder fazer transferências ou pagar contas e sem usar os caixas eletrônicos.
e não foi por alguns minutos. ou horas. até aqui [porque o problema ainda não está de todo resolvido] foram SETE DIAS. a ponto de, pela primeira vez na história bancária da ilha, as agências do grupo abriram no domingo para tentar resolver problemas dos clientes, pelo menos os que podiam ser resolvidos sem o software funcionando.
tente imaginar o impacto na vida das pessoas e negócios: simule o efeito de uma situação destas na sua vida pessoal, pense em uma semana inteira sem acesso ao seu banco. parece [é o que o banco diz] que o problema técnico foi resolvido, mas ainda há mais de 100 milhões de transações a processar e uma capacidade finita de fazê-lo, o que deve estender a confusão por mais alguns dias.
obviamente, o problema não é só seu e não afeta só o seu banco. precisamos de recursos que estão num banco para pagar contas que estão em outros; o sistema é interligado e, se um grande banco “desaparece”, tudo que depende dele deixa de funcionar. problemas em um banco podem levar a um “risco sistêmico”, pondo o sistema a descoberto. por isso os governos regulam o sistema [aqui, via banco central], vigiam tudo o que acontece e, antes que um banco como o cruzeiro do sul desapareça, chegam perto e intervém. e olha que ele era só o vigésimo primeiro banco do país, com 0,35% dos depósitos.
pra comparar com o cenário brasileiro, pense: das 70 milhões de contas bancárias inglesas, 12 milhões estão “fora do ar” [ou quase]. por alto, 20% do sistema. no brasil, são 92 milhões de contas; 20%, redondo, seriam 18 milhões de contas. o segundo maior banco brasileiro, o bradesco, tem 25 milhões de contas correntes. pense num problema que atingisse 70% delas e você tem uma ordem de magnitude da situação que os ingleses estão enfrentando. ao ponto do regulador do sistema financeiro, lá, pedir para as outras instituições financeiras sejam “lenientes” com atrasos dos clientes RBS… ora veja só, logo na inglaterra.
dificilmente saberemos ao certo o que causou o problema do RBS. sabe-se apenas que foi a “evolução” de uma plataforma de software, que não deve ter sido testada de forma exaustiva o suficiente para indicar problemas que aconteceriam com sua entrada em funcionamento. há gente apontando uma certa “queda nos padrões” de escrita de software como causa, e vamos lembrar que a NASDAQ citou uma “falha de projeto” de software como a principal causa do pálido desempenho das ações de faceBook logo depois do IPO em maio passado. ou seja, problemas de [ou com] software passaram a ser determinantes da performance [de pelo menos parte] da economia, em qualquer país.
há sinais de que o governo inglês vai investigar o assunto do RBS de bem perto. dependemos de software [ou informaticidade] como de eletricidade, água e da infraestrutura de transportes. e todas as infraestruturas econômicas e sociais dependem, o tempo todo e cada vez mais, de software. um dos “testes de stress” pelos quais o sistema e as instituições financeiras devem passar, além da solidez e resiliência das práticas de economia e finanças, está relacionada ao estado do seu software. e não só os programas e a documentação que formam os sistemas devem ser considerados, mas deve-se observar processos, métodos, técnicas, ambientes, ferramentas e a educação e certificação dos profissionais que cuidam da criação, manutenção e evolução dos sistemas.
com um detalhe absolutamente essencial: boa parte da inovação, em todos os setores, depende de software. aí, o problema é garantir a confiabilidade [faz o que deveria fazer], segurança [só faz pra quem deveria fazer] e escalabilidade [faz pra todo mundo que deveria poder fazer] do software por trás dos bancos e instituições financeiras, ao mesmo tempo em que se habilita a inovação que, pra citar um exemplo do passado, trouxe boa parte das transações bancárias para a rede. já imaginou se houvesse, então, uma regra proibindo transações financeiras na internet até que se provassem que elas seriam “completamente seguras”?… não haverá tal prova jamais… simples assim. e não é por isso que vamos deixar de usar bancos online. pois o que precisamos é a garantia de que as transações online são tão seguras quanto poderiam –em tese- ser, e nada mais.
pode ser que o RBS resista –em meio a uma prolongada crise do setor financeiro- a mais este problema. até porque, agora, é uma estatal. só que a perda de confiança, no mercado, pode ser definitiva. o banco não precisava passar por isso, agora.
independentemente da sorte do RBS, nenhum sistema pode depender da “sorte” como parte das práticas de cada instituição. pois não seria razoável que uma concessionária de eletricidade “saísse do ar”, para 70% de seus clientes, por uma semana, porque seus engenheiros “acham” que não haverá raios em uma região e “confiam na sorte” para que tal não aconteça.
ao contrário, eles têm, por obrigação embutida na concessão que operam, que se preparar para condições adversas, dentro de limites combinados com o regulador, para tornar a operação resiliente e, ao mesmo tempo, economicamente viável. deixar o preparo do sistema elétrico para “a sorte” teria consequências, multas e talvez, até, perda da concessão. eu sei, e você também, que um banco não é uma concessão. mas é como se fosse, ou mais, tal a complexidade das regras para se operar uma instituição financeira.
daí, há que se tomar as providências para não sermos pegos de surpresa por um “RBS” por aqui, algum dia. pois o castigo pode não ser a falência de um banco, em particular, quebrado pelos seus problemas de [ou com] software, mas um dano sistêmico irreparável, destes de fazer sumir, como que por passe de mágica, boa parte da economia nacional, por causa de um… bug.