Efeitos de Rede e Ecossistemas Figitais [i]

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Este texto se baseia em Systems competition and network effects, de Katz e Shapiro[1], com os conceitos de rede do poder, poder da rede, poder em rede e da rede como programa de poder vindos de A Network Theory of Power, de Castells[2]. Redes sem escala é de Linked, de Barabási[3], moderada por Scale-free networks are rare, onde Broido e Clauset[4] propõem que redes sem escala são raras no mundo real. Lá, ou nas discussões em rede, redes têm uma diversidade que exige ideias e mecanismos inovadores para explicá-las. E não temos todos, ainda. Também tentamos entender Baye e Prince[5] [The Economics of Digital Platforms: A guide…] e Fainmesser e Galeotti[6] [Pricing Network Effects]; deu trabalho. E não entendemos tudo. Mas sabemos que há uma lógica[7] para plataformas e seus ecossistemas, que ela é inescapável, e que efeitos de rede estão lá.

Usando tais bases e referências que vão aparecer aqui e ali no texto, [re]adaptamos, restringimos, modificamos e estendemos a boa proposta de The Network Effects Bible, da NfX[8], trazida para o contexto de strateegia[9], que resultou no material a seguir, onde -claro- todos os erros e injunções são por nossa conta. Aliás, estamos escrevendo e vamos publicar jornadas para desenho estratégico de efeitos de rede na plataforma strateegia.digital, pra você descobrir como usar os efeitos na arquitetura do seu negócio, quer como forças de sua plataforma ou na plataforma de terceiros da qual seu negócio faz parte. Efeitos de rede são como leis dos ecossistemas[10] habilitados por plataformas. Sem entendê-los, um monte de investimentos -num monte de coisas, como marketing- vira custo, sem retorno.

Efeitos de rede e sua contribuição na criação e evolução de ecossistemas figitais serão objeto de décadas de estudo. Este pequeno manual prático –e não um vade mecum– de como lidar com as plataformas que habilitam redes de ecossistemas e seus agentes, agora, foi pensado como um ponto de partida, para ser adaptado, modificado e estendido.

 

 

Efeitos de rede: desde quando?
A humanidade foi construída sobre efeitos de rede.

Em mercados figitais[11], efeitos de rede quase sempre dependem de informação, até porque boa parte dos produtos e serviços é mediada por informação ou é a própria. A história da informação pode ser pensada em estágios, que acumulam efeitos e impactos. Uma forma de ver informação é pensá-la de maneira antropocêntrica, o que nos levaria a dizer que os marcos de uma longa história da informação poderiam ser DNA, cérebros, ferramentas, texto e código: quatro bilhões de anos, em cinco palavras. Há outras visões e classificações, claro. Mas pense… DNA -e quase certamente erros de duplicação de genes como SRGAP2[12]– levou aos cérebros dos nossos antecessores há mais de 2 milhões de anos e, desafiados, foram os cérebros que “fizeram” ferramentas, de todos os tipos. DNA é informação e cérebros capturam, criam, armazenam, processam e emitem informação.

Uma ferramenta separou o Homo Sapiens da competição: o fogo[13],[14]. Mas… qual seria sua utilidade se ninguém soubesse iniciar e terminar uma fogueira de forma repetível e segura, nem entendesse para que e como usar? Fogo ilumina [e espanta predadores], aquece ambientes [e protege pessoas], cozinha [e facilita digestão de alimentos]… molda ferro, cria aço e espadas… e um sem número de usos. Mas para ser útil em escala, muita gente tem que aprender os quês, porquês e comos do uso. À medida que mais gente entende como usar o fogo, há cada vez mais gente capaz de mostrar, a cada vez mais gente, os quês, porquês e comos de seu uso. Assim caminhou a humanidade, usando um efeito de expertise associado a uma tecnologia –ou ferramenta-, para se desenvolver. O fogo, e sua rede de conhecimento, nos criou.

Com o tempo, uma parte do efeito de expertise –a informação– começou a ser codificada em textos, distribuídos desde o princípio da escrita. No séc. XV, a prensa de tipos móveis foi inovação essencial para a indústria do texto e seu mercado, não só bibliotecas, casas e depois livrarias, mas escolas: é preciso saber ler para participar da rede do livro. E quanto mais gente sabe ler, mais livros, prensas, mais escritores, livrarias, mais gente lendo e tendo que aprender a ler: o livro, como ferramenta, se tornou cada vez mais valioso quanto maior seu efeito de expertise, a leitura [e a escrita]. O livro é uma grande rede e a prensa é a base de uma plataforma que causou a terceira onda de inovação da revolução da informação. A primeira foi a escrita, em si, e a segunda a escrita alfabética.

Se os efeitos de rede são parte do processo de evolução da humanidade e grupos, nela, a intuição nos diz que deve ter havido tanto bons benefícios quanto maus resultados, para chegarmos aonde estamos, num planeta e em países e regiões tão diversos e desiguais. E cada vez mais parece que é isso mesmo[15]: externalidades de rede, aprendizado em rede [social] e influência normativa fazem com que a desigualdade aumente quando efeitos das diferenças individuais são multiplicados pelas redes sociais.

É por isso que a criação e evolução de mercados figitais sustentáveis também demanda políticas de regulação que incluem outras, de equidade. Sem elas, as novas plataformas e ecossistemas quase sempre relegam ao segundo e terceiro plano os que são negativamente impactados no processo, aqueles que não percebem e|ou não conseguem aproveitar as oportunidades de aprendizado e os que, mesmo tendo potencial, também não conseguem, sob a influência dos que não percebem as oportunidades e|ou não aprendem.

O código dos efeitos de rede é, também, o código da sociedade, a partir de seus pontos de partida. Sem saber, quase nunca, quais são os de chegada. E a sociedade e a humanidade são cada vez mais escritas em código. O mesmo código “da” história da informação [do DNA, cérebros, ferramentas, texto…código], um tipo de texto executável à risca por máquinas, que pode ser usado para tratar [no sentido de processar] texto, é usado para criar ferramentas, é a base para sistemas que tratam DNA [como dados] e ponto de partida teórico para tratar DNA como código [da vida] e o código de inteligência artificial, cujo objetivo, há décadas, é criar sistemas que têm o mesmo comportamento de… cérebros. Sem falar que, um dia, talvez a gente descubra que está vivendo numa… simulação[16]. Escrita em código. Sério? Sim. Pelo menos a ponto de ser uma ideia que deve ser levada a sério[17].

O segundo episódio da série Efeitos de Rede e Ecossistemas Figitais está no link bit.ly/3sWWI4E, também com a co-autoria de André Neves, que responde pela criação dos desenhos da série, usando Stable Diffusion.


[1] Katz, M. L., C. Shapiro. “Systems competition and network effects.” J Ecom Pers 1994, bit.ly/2ZzTYPs.

[2] Castells, M. ” A network theory of power.” Int J of Comm 5 (2011): 15, em bit.ly/3xHKlLd.

[3] Barabasi, A. L., “Linked – how everything is connected to everything else…”, 2003, bit.ly/3E7F69Y.

[4] Broido, A. D., A. Clauset. “Scale-free networks are rare.” Nat Comm 2019, go.nature.com/3E4Risg.

[5] Baye, M. R., J. Prince. “The Economics of Digital Platforms: A Guide for Regulators”, 2020, bit.ly/3xyKX5X.

[6] Fainmesser, I. P., A. Galeotti. “Pricing network effects.” The Rev of Econ St, 2016, bit.ly/3DhxFMt.

[7] Fehrer, J. A. et al.: “A systemic logic for platform business models”, JSM, 2018, bit.ly/3BJCeBw.

[8] NfX, The Network Effects Bible, bit.ly/2ZDyUHW.

[9] strateegia.digital, plataforma para colaboração criativa da TDS.company, em strateegia.digital.

[10] Adner, R., “Ecosystem as Structure: An Actionable Construct for Strategy”, JoM, 2016, bit.ly/3qSEFLK.

[11] Meira, S., Fundações para os futuros figitais. TDS.company, [49pp], 2021, bit.ly/futurosfigitais.

[12] Callaway, E., Human brain shaped by duplicate genes., Nature, 2012, go.nature.com/31AHDey.

[13] Adler, J., Why fire makes us human, Smithsonian Mag., 2013, bit.ly/3D3qfMn.

[14] Pyne, S., Before fusion: a human history of fire. The Conversation, 2016, bit.ly/3D3r0Fd.

[15] DiMaggio, P., F. Garip: “Network effects and social inequality.” Ann Rev of Soc, 2012, bit.ly/3rnl0EW.

[16] Bostrom, N., “Are we living in a computer simulation?”, The Phil. Q., 2003, bit.ly/3AC3xNT.

[17] Wilczek, F., “Are We Living in a Simulated World?”, WSJ, 2020, bit.ly/3PkSblc.

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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