Uma série, aqui no blog [o primeiro texto está em… bit.ly/3zkj5EE, o segundo em bit.ly/3sWWI4E, o terceiro em bit.ly/3ycYbX6, o quarto em… bit.ly/3ycyDtd, o quinto em bit.ly/3J51vZc, o sexto em… bit.ly/3Jkd8vC, o sétimo em… bit.ly/3JTlBHM e o oitavo em… bit.ly/42z6sT1], sobre Efeitos de Rede e Ecossistemas Figitais, com a co-autoria de André Neves. Esse texto é o rascunho de um documento que será publicado como um ebook pela TDS.company.
As redes dos poderes.
E o poder dos indivíduos em rede.
Há 30 anos, Castells[1] afirmava que redes não poderiam existir nas escalas da época sem a mediação de tecnologias de informação e comunicação. Se lá elas já eram “a forma organizacional emergente do mundo”, nos últimos 15 anos as redes [digitais] se tornaram a base para a transformação das relações de produção em fluxos de informação e poder em rede que redesenham os sistemas de criação, produção e gestão. O que leva a todo um debate sobre os limites de crescimento das redes e de suas implicações sobre a regulação, em todo mundo.
Redes transformam audiência em comunidade. Desde 2006, pessoas informatizadas [smartphones!] passaram a ser agentes de transformação de mercados e participar decisivamente dos processos de desenho de produtos e serviços e do redesenho de negócios e organizações[2] -mesmo que a vasta maioria das empresas não saiba que isso está acontecendo ou tenha apenas uma vaga noção deste novo status quo. Nesta mudança de paradigma, pessoas deixaram de ser meros espectadores para se tornar membros ativos de comunidades. Nas empresas, é preciso entender que pessoas em rede, formando laços e relações mais próximas, podem ser um diferencial competitivo para as empresas, no mercado.
Redes redesenham as articulações das pessoas fora e dentro das empresas. Nelas, o trabalho está em processo de mudança. No passado era trabalho algorítmico, em que pessoas seguiam regras e realizavam tarefas específicas, sob gestão hierárquica [e algorítmica[3], que alguns querem propor como o futuro, agora], com limites muito bem estabelecidos e inquestionáveis. O trabalho do futuro é de conhecimento, criativo, vai muito além das regras e limites já determinados e, de sua iniciativa, [re]desenha suas próprias redes, [re]interpreta as regras, reage a realidades em mudança e lida com requisitos conflitantes para criar soluções minimamente viáveis a partir das quais pode-se pensar em escala e sustentabilidade.
O trabalho está passando a ser realizado por redes de conhecimento que estendem e aumentam o potencial dos trabalhadores, ampliando seu repertório e capacidade de solucionar problemas com mais trocas de experiências e ideias, fomentando colaboração e co-criação. Sem um ambiente para sua evolução, redes de conhecimento perdem muito de sua efetividade potencial nos negócios. Até porque inovação, criatividade e aprendizagem contínua dependem de liberdade para experimentar e testar novas ideias e, em rede, de plataformas apropriadas para facilitar a colaboração entre os membros da rede.
O trabalho não se transforma em redes por acaso. Redes são a forma organizacional mais eficiente porque promovem flexibilidade, escalabilidade e resiliência[4]e influenciam produtividade de todos negócios de forma dramática[5]. Redes não surgiram com tecnologias de informação e comunicação. Mesmo sendo elas duas as bases do processo histórico de extensão e expansão do corpo e mente humana, que hoje habilitam certos tipos de presença humana em todo lugar, o tempo todo, agora, as redes independem delas e estão em toda parte, em todas as dimensões da natureza. Inclusive, nos negócios, como base para os processos de descentralização, distribuição e dessincronização do trabalho, que foram acelerados pela pandemia. É quase certo que empresas capazes de capturar esta nova forma de trabalho na, para e em rede vão criar vantagens competitivas radicais sobre seus competidores, a ponto de redefinir seus mercados. Porque indivíduos em rede tem o potencial de ganhar a escala da rede, e sua performance.
Nesse cenário, as lideranças precisam evoluir para facilitadores e catalisadores da rede[6], em vez de meros controladores: incentivar a participação ativa na rede, promover a diversidade e a inclusão, e estimular relações baseadas em confiança e transparência para habilitar aprendizado contínuo. Em mercados de conhecimento, os negócios são de aprendizado e todas as carreiras são de aprendiz. E toda liderança será exercida de forma colaborativa, envolvendo os membros da rede no processo de tomada de decisão e na definição dos objetivos e metas da organização. Quanto maior e melhor for o engajamento[7] na rede do negócio, maior tende a ser seu desempenho e produtividade[8].
Colaboradores engajados têm um maior senso de conexão e comprometimento com a organização. Isso leva a maior motivação, satisfação no trabalho e senso de propriedade no sucesso da empresa. Quem está engajado é mais propenso a ir além dos requisitos de seu trabalho, a tomar iniciativa e a colaborar com os colegas.
Em suma, o trabalho de conhecimento e em rede está transformando a arquitetura, organização e operação das empresas e como, nelas, profissionais lidam com desafios. As redes de conhecimento têm papel fundamental nesse processo, permitindo a colaboração, o compartilhamento de ideias e a construção de soluções inovadoras.
Nos negócios, no trabalho, agora e no futuro, as pessoas são o poder em rede; as pessoas, as redes e os trabalhos em estado de transição[9],[10],[11]. Não se trata de uma simples adaptação ou evolução de algo que já vinha acontecendo, mas uma transformação radical dos arranjos de criação de valor em todos os tipos de organização, em todos os mercados, em todo mundo.
Em comunidade, abundância digital –de conexões, capacidade dos fluxos e dos nós de tratamento de informação das redes- se contrapõe à escassez analógica como a luminosidade à escuridão. Um mantra de 13 Cs está na base de tudo…
…compartilhando confiança, comunidades colaborando criam contextos, conhecimento, combinações e cultura, convencem consumidores, causam comércio.
Mas há um risco sistêmico: para Castells, as sociedades [e muitas, muitas empresas] estão cada vez mais estruturadas sobre uma oposição entre redes e indivíduos, com as primeiras literalmente minerando[12] os segundos e deles extraindo sua singularidade ao ponto de desumanização[13].
A saída? O poder da identidade, da pessoalidade, do tratamento singular, da habilitação cidadã, do empoderamento. A sustentabilidade de redes e dos efeitos de rede depende –intrinsecamente- de engajamento continuado, criado por experiências que habilitam, estendem e aumentam pessoas, suas capacidades e habilidades no tempo e espaço –agora- figitais.
No longo prazo e sob regulação que mitigue efeitos predatórios e de lock-in de grandes plataformas, o maior poder nas redes é o dos indivíduos, em rede. Ainda mais em redes que são descentralizadas e distribuídas e quando os indivíduos se tornarem programadores e conectores. Toda estratégia de longo prazo, para negócios em rede -ou seja, todos os negócios- deve levar esta premissa em conta: em última análise, poder será dos indivíduos, sobre as organizações.
A participação ativa e o engajamento dos indivíduos são a chave para a sustentabilidade das redes. Em ambientes onde digital e social permitem conexão instantânea entre pessoas em qualquer lugar, o potencial para o crescimento de comunidades é imenso… mas o sucesso das redes não depende apenas da tecnologia, mas também do comportamento humano.
Um exemplo de poder dos indivíduos em rede pode ser visto em comunidades de código aberto, onde pessoas se unem para colaborar no desenvolvimento de software. A habilidade de programar pode ser a liga [na verdade, veremos, faz parte de um efeito de rede…] que une as pessoas, mas o real poder da comunidade se origina da contribuição e do envolvimento de cada indivíduo. É através da troca de ideias, da resolução conjunta de problemas e da colaboração que a comunidade se fortalece e evolui.
Outro exemplo vem da economia colaborativa, baseada na ideia de que é possível compartilhar recursos e habilidades de forma mais efetiva do que elas são negociadas nos mercados e negócios ortodoxos. Ainda outro exemplo -quase oposto às comunidades de código aberto- está em redes como Twitter ou Instagram, onde indivíduos criam suas comunidades e se tornam influenciadores, com o poder de moldar tendências, opinar sobre marcas e produtos e influenciar milhões, como líderes que ditam comportamento de terceiros. Como certos tipos de influenciadores mostram, o poder dos indivíduos em rede também pode ser usado para fins negativos.
O resumo da ópera? Redes são a base da transformação das relações de produção em fluxos de informação e poder em rede, redesenhando sistemas de criação, produção e gestão. Nelas, pessoas se tornam agentes de transformação de mercados, do [re]desenho de produtos, serviços, negócios e organizações. Em rede, as pessoas deixaram de ser meros espectadores para se tornarem membros ativos de comunidades, onde uma nova articulação, dentro e fora das empresas, estende e aumenta o potencial dos trabalhadores e seus potenciais clientes, ampliando repertórios e capacidades de solucionar problemas com mais interações e trocas, fomentando colaboração e co-criação.
As empresas precisam capturar a nova forma de trabalho na, para e em rede, para transformar seu próprio poder e torná-lo um diferencial competitivo no mercado.
[1] Anttiroiko, A-V., “Castells’ network concept and its connections”, JoSS, 2015, bit.ly/3liD7vz.
[2] Tollman, P. et el., “A New Approach to Organization Design”, BCG, 2016, on.bcg.com/3QrS6gM.
[3] Nurski, L., Algorithmic management is the past, not the future of work, Bruegel, 2021, bit.ly/3ZStL8m.
[4] Castells, M., Informationalism, Networks and the Network Society… [pp. 3-], Elgar, 2004, bit.ly/3mQa8zl.
[5] van Alstyne, M., N. Bulkley, Why information should influence productivty, [pp. 145-], Elgar, 2004, bit.ly/3mQa8zl.
[6] Ibarra, H., M. L. Hunter, “How Leaders Create and Use Networks”, HBR, 2007, bit.ly/3yP99lL.
[7] Levin, D. Z., T. R. Kurtzberg, Sustaining Employee Networks in the Virtual Workplace, SMR, 2020, bit.ly/3ZVKSGT.
[8] Lauricella, T. et al., Network effects: How to rebuild social capital…, McK, 2022, mck.co/3TsWnmo.
[9] Bryan, L. L. et al., “Harnessing the power of informal employee networks”, McKQ, 2007, mck.co/3SOL8Ea.
[10] Dimitrova, D., B. Wellman, “Networked Work and Network Research”, ABS, 2015, bit.ly/3QLCKU2.
[11] OMIDYAR network, “Our Vision for the Future of Workers and Work”, 2020, bit.ly/3pk1gA1.
[12] Zafarani, R. et al., “Social Media Mining”, Cambridge, 2014, bit.ly/3w43jvY.
[13] Harel, T. O. et al., “Identity, Affective Polarization, and Dehumanization on Facebook”, SM+S, 2020, bit.ly/3w43jvY.