Efeitos de Rede e Ecossistemas Figitais [viii]

Uma série, aqui no blog [o primeiro texto está em… bit.ly/3zkj5EE, o segundo em bit.ly/3sWWI4E, o terceiro em bit.ly/3ycYbX6, o quarto em… bit.ly/3ycyDtd, o quinto em bit.ly/3J51vZc, o sexto em… bit.ly/3Jkd8vC, o sétimo em… bit.ly/3JTlBHM e o oitavo em… bit.ly/42z6sT1], sobre Efeitos de Rede e Ecossistemas Figitais, com a co-autoria de André Neves. Esse texto é o rascunho de um documento que será publicado como um ebook pela TDS.company.

Os efeitos de rede.
Porque eles importam e impactam.

Todos os negócios já são ou serão ecossistemas de plataformas ou parte de um ou mais deles. As dinâmicas de capital envolvidas nesses ecossistemas[1] fazem com que economias dos mercados habilitados por plataformas sejam diferentes dos mercados tradicionais, e não só porque o valor da plataforma para cada lado depende do tamanho e da qualidade do outro lado.

Nos mercados em rede, além de produtos e serviços, ideias, conhecimento, trabalho e direitos de uso para ativos de todos os tipos [e potencialmente ociosos] se deslocam em e entre comunidades geograficamente distribuídas, mas conectadas e interativas. Tal fluxo figital é aparente em ecologias como redes sociais, mercados online, crowdsourcing, crowdfunding e manifestações da economia compartilhada. Em muitos mercados, as narrativas passam por conceitos como co-creation, co-production, prosumption e peer-to-peer para explicar as relações de troca em rede em termos de suas qualidades desintermediadas, colaborativas e [pelo menos em potencial…] democratizantes.

Para realizar seu potencial, plataformas têm que criar e manter um certo equilíbrio metaestável entre atrair, reter e evoluir dois ou mais lados do mercado para atingir um crescimento sustentável. Neste processo, a evolução dos ecossistemas de plataforma depende de uma variedade de fatores, desde capacidade técnica e de marketing, a existência [imediata, ou no curto prazo] de um produto ou serviço defensável[2], até fatores culturais e sociais e o cenário competitivo.

Um ecossistema de plataforma passa por 3 fases de evolução: formação, expansão e diversificação. A fase de formação é caracterizada pelo foco em construir uma base de usuários e expandir serviços para novos espaços figitais. A de expansão é quando os esforços estão concentrados na penetração nos mercados existentes e entrar em novos mercados por meio de inovação, fusões e aquisições. Na fase de diversificação, quase toda plataforma é caracterizada pela expansão para novas áreas de serviço e criação de novos modelos de negócio.

Uma base para o desenvolvimento de plataformas -e essencial para a criação de efeitos de rede- é o entendimento das jornadas de todos os agentes nas comunidades habilitadas pela plataforma. Um efeito de rede em particular -o efeito de dados em rede– depende essencialmente de… dados e de sua gestão estratégica como parte do ciclo de vida de informação do negócio[3] [na plataforma]. Sem isso, nem que você use muita inteligência [artificial[4]] para tentar, não haverá efeitos de rede.

Em mercados emergentes como o Brasil, ecossistemas de plataforma enfrentam desafios especiais, relacionados a vazios institucionais e regulamentações governamentais[5] e podem depender do desenvolvimento de soluções inovadoras em relação aos mercados mais maduros, como parcerias com empresas tradicionais e colaboração com governos.

A primeira preocupação de um negócio deveria ser sua perenidade. Ou, em outros e mais precisos termos, sua sobrevivência. Em último caso, todas as ações e reações dos negócios têm que levar em conta sua sustentabilidade acima de qualquer outra propriedade. Desde sempre, a continuidade de um negócio depende de quão defensável é o seu modelo de negócios face à competição cada vez mais acirrada e mutante nos e entre mercados.

Em mercados figitais, defender negócios é muito mais complexo do que na competição analógica, onde exclusividade, escassez, localização, tarifas e outros legados históricos sempre foram a base da proteção. Os efeitos de rede são uma das poucas defesas em mercados figitais.

Efeitos de rede acontecem quando um usuário torna o produto ou serviço mais valioso para [todos os] outros, atraindo cada vez mais usuários a partir de mais uso por mais usuários.

Os efeitos de rede podem diretos ou indiretos. Os diretos ocorrem quando o valor de um produto ou serviço aumenta à medida que mais pessoas o utilizam diretamente. Uma plataforma de mídia social se torna mais valiosa para cada usuário à medida que mais usuários ingressam na plataforma. Quanto mais conexões e relacionamentos se estabelecem, maior se torna a probabilidade de haver interações, mais valiosa a plataforma se torna para todos. Nesse caso, o valor da plataforma está diretamente atrelado ao número de usuários.

Os efeitos indiretos ocorrem quando o valor de um produto ou serviço aumenta à medida que mais produtos ou serviços complementares são usados. Por exemplo, o valor de um console de games aumenta à medida que mais desenvolvedores criam jogos para ele. Quanto mais jogos de alta qualidade disponíveis, mais valioso o console se torna para os usuários. Nesse caso, o valor da plataforma está indiretamente atrelado ao número de desenvolvedores que criam jogos para ela.

Os efeitos de rede diretos e indiretos podem criar poderosos efeitos de lock in, que ocorrem quando usuários se tornam cada vez mais leais a um produto ou serviço à medida que mais pessoas o adotam. Isso dificulta a entrada de concorrentes no mercado, pois eles precisariam superar os efeitos de rede estabelecidos.

Compreender os efeitos de rede em jogo em cada estágio da plataforma é importante para quem opera em mercados multilaterais, onde o valor sendo criado depende dos usuários, provedores, complementadores, facilitadores e outros. Ao mesmo tempo, entender se os efeitos de rede em questão são diretos ou indiretos é fundamental para o desenvolvimento de estratégias para atrair mais usuários ou provedores e outros agentes para a plataforma e, finalmente, aumentar seu valor.

Com efeitos de rede[6] em ação, a vida da competição fica cada dia mais difícil quando um negócio atinge massa crítica. Até porque os outros poucos fatores que podem ser usados para defender o negócio, em mercados figitais, dependem dos efeitos de rede de alguma forma. Tal é o caso de economia de escala [que pode ser atingida mais rápido com efeitos de rede], marca [que pode se espalhar e ser reconhecida mais depressa usando efeitos de rede] e incorporação -de seus serviços nos fluxos de outros serviços, de sorte que eles se tornam quase insubstituíveis-, que também pode ser facilitada e aumentada por efeitos de rede.

A história do que aconteceu no seu mercado alvo importa; plataformas que habilitam ecossistemas de “qualidade” média abaixo de novos entrantes podem continuar atraindo novos participantes[7], em situações de equilíbrio de competição que parecem contraintuitivos. Na verdade, plataformas incumbentes de menor qualidade podem continuar dominantes indefinidamente em ecossistemas habilitados por mais de uma plataforma, o que acontece quando todos os competidores tentam se manter relevantes no longo prazo.

Parece estranho, mas não é. Mas é exemplo de que efeitos de rede não são tudo e nem sempre garantem que o winner takes all e muito menos que plataformas que sabem usar efeitos de rede muito bem são imbatíveis nem tampouco sustentáveis. Um dos mitos sobre a internet é que você nunca pode superar os efeitos de rede[8]. Pode sim, e você deve tentar. Sempre.

Como as plataformas que tratamos aqui são figitais, os 16 efeitos de rede aqui descritos também podem ser entendidos como efeitos de plataformas que habilitam redes. E plataformas não são só associadas a negócios [naturalmente] digitais, claro. Nem plataformas de negócios “digitais” deixam de lado negócios ou produtos físicos; AirBnB é um exemplo [provedores de serviço originais tinham que ter espaço físico disponível para participar da rede] e Uber, óbvio, outro: motoristas tinham um carro para [no começo] compartilhar. Estas duas plataformas, aliás, são um exemplo de que tudo muda; surgiram negócios inteiros de renovar e construir casas para AirBnB e de prover carros para Uber.

Mesmo quando criam ofertas intrisecamente suas, as plataformas podem incluir uma variedade de bens e serviços complementares, atraindo negócios analógicos para expandir sua proposta de valor, agora “em rede”. Ao habilitar ecossistemas, plataformas interferem nas e redesenham[9] as redes de valor dos participantes de suas redes [“seus” clientes], ao ponto de criar sérios efeitos de lock-in.

E não deveria ser supresa para ninguém que, exatamente porque plataformas habilitam mercados em rede, os principais fatores competitivose mecanismos de defesa e sustentabilidade de negócios [de novo] em rede são… efeitos de rede. E quais são? Tratamos disso nos próximos capítulos…


[1] Langley, P., A. Leyshon, “Platform capitalism: the intermediation and capitalization of…”, FaS, 2017, bit.ly/3yYukSF.

[2] Zhu, F., N. Furr, “Products to platforms: Making the leap”,  HBR, 2016, bit.ly/3FENS22.

[3] Meira, S., “Dados, Análises e Decisões”, silvio.meira.com, 2022, bit.ly/3VXR678.

[4] Gregory, R. W. et al. “The role of artificial intelligence and data network effects…” AMR, 2021, bit.ly/3Zlj2Tn.

[5] McIntyre, D. P., A. Srinivasan. “Networks, platforms, and strategy: Emerging …”, SMJ, 2017, bit.ly/3JThECU.

[6] Banton, C., “Network Effect: What It Is, How It Works, Pros and Cons”, 2022, bit.ly/3FD5cEK.

[7] Halaburda, H. et al, “Dynamic competition with network externalities:….”, RAND JoEs 2020 bit.ly/3AiTw7Q.

[8] Belleflamme, P., “MYTH #41: Network effects cannot be overcome”, BUSTED! The Truth about…, 2019, bit.ly/3SSN9iY.

[9] ten Hompel, M., M. Schmidt, “Silicon Economy: Logistics as the Natural Data Ecosystem”, Springer, 2022, bit.ly/3dyg6QJ.

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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