A Associação Comercial e Empresarial de Arcoverde me mandou cinco perguntas para sua Revista de 2014… que estão respondidas depois deste comentário inicial. Só a terceira é sobre Pernambuco, e mesmo ela, acho, é de interesse geral, serve pra outros lugares –cidades, estados…- pensarem sobre o que estão tentando fazer para criar polos tecnológicos (ou sistemas locais de inovação).
Não é matéria trivial, como se pode ver neste (sobre cidades tecnológicas) e neste (sobre clusters) links, e raros esforços dão certo (seja lá onde for). Acima e além de tudo, sistemas locais de inovação precisam de conhecimento (em tese), competências (na prática), investimentos (em educação, infraestrutura, novos negócios…), foco (clusters de tudo… dão em nada), resiliência (o mundo muda, nem tudo o que se planejou vai rolar, mude também…) e tempo. Muito tempo.
Uma das coisas que separa –de forma mais dramática- a civilização da barbárie é o tempo.
Hoje, é fácil ver que Cambridge (UK, não MA), é um sucesso. Mais de 1.500 companhias. Mais de 50.000 pessoas. Quase 12 bilhões de pounds de faturamento. E renda por empregado 30% maior do que Londres.
Mas isso é o resultado (parcial) de 50 anos de investimento constante, dia a dia, toda noite e fim de semana. E primavera, verão, outono, inverno, trabalho e férias. Num lugar onde há uma universidade de referência mundial há mais de 800 anos.
Enquanto isso, no Brasil, bastam dez anos (menos, às vezes aquele tempo político chamado um mandato…) tentando fazer algo de grande porte, enfrentando todos os riscos de quem não está na civilização, que os projetos são trocados por outros, tão ou mais incertos quanto, mas novos. Aqui, a gente quase nunca dá certo porque 1. não tenta muito; 2. quando tenta, não se dedica o suficiente e 3. quando o faz, desiste bem antes do que seria o tempo de decidir se as coisas estão dando certo ou não.
Cambridge levou 50 anos para se estabelecer como sistema local de inovação. Muito pouca gente sabe que o Silicon Valley começou, de fato, nos anos 40 do século passado. Há mais de 70 anos. Tornou-se familiar, lugar que todo mundo acha que sabe onde e o que é, com a Internet, no fim dos anos 90. Quando tinha mais de 50 anos, os mesmos cinquenta anos que Cambridge tem hoje. O cluster de aeronáutica de São José dos Campos, SP, é um desenho de sistema local de inovação (quando isso ainda nem tinha esse nome) do fim dos anos 40; o ITA foi criado em 1950. O Bandeirante, primeiro resultado do esforço, voou em 1973, 23 anos depois. A EMBRAER só veio a fazer um IPO em 2000, exatos 50 anos depois da criação do ITA.
Quem não tem tempo, não tem nada. O Brasil, especialmente a inovação e empreendedorismo no Brasil, precisa de tempo. Mas não só tempo: conhecimento, competências, investimentos, foco… resiliência e muito mais. Mas, sem tempo, não dá pra ter mais nada.
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Há alguns anos, a relação tecnologia vs. negócios era vista como algo restrita aos Departamentos de TI que por sua vez também eram tratados como “artigos de luxo” de organizações de grande porte. Como você vê a quebra desse paradigma e qual a importância da tecnologia na gestão das micro e pequenas empresas hoje em dia?
Estamos da quinta década de revolução, inovação e evoluções provocadas por Tecnologias de Informação e Comunicação, o que resultou em um processo de transformação digital na Sociedade e Economia, que atinge, hoje, instituições de todos os tipos e porte, privadas e públicas.
Até a década de 90, os efeitos desta transformação eram essencialmente corporativos: hardware era caro, complexo, grande… software era escasso, comunicações eram em banda muito estreita e somente o essencial escapava das empresas para as pessoas.
Na década passada, vimos surgir os tablets e smartphones, resultado simultâneo da miniaturização e aumento da capacidade e performance do hardware, incluindo as baterias, da simplificação dos processos de criação, distribuição e uso de software, aí incluindo a computação em nuvem e os mercados de aplicações… e agora estamos começando a ter conectividade de qualidade aceitável em escala global, muito superior à que havia há dez anos. A combinação de todos estes fatores faz com que se possa usar um smartphone e um serviço global, como WhatsApp, para um negócio muito pequeno cuidar do gerenciamento de relações com seus clientes. Porque os clientes e consumidores também têm um smartphone e usam a mesma aplicação.
E isso vale para negócios de todos os tamanhos: conheço um gerente de bebidas de um grande supermercado de Recife que avisa as novidades e promoções de vinhos aos seus clientes por WhatsApp. Isso pode ser feito, da mesma forma, por um fiteiro em Arcoverde. Por qualquer um, em qualquer lugar. E é só um dos milhões de exemplos do que as tecnologias que já temos agora possibilitam. Quando começar a era das coisas conectadas, da Internet das Coisas, aí é que o bicho vai pegar.
Muitas pessoas ligam a palavra empreendedorismo a criação de novos negócios. Como você definiria o empreendedorismo em um sentido mais amplo?
Há uma definição padrão do que é empreender, e ela é antiga, de 1730, dada por um estudioso franco-irlandês, Richard Cantillon: empreender é tomar a decisão de produzir sob condições de incerteza de demanda e/ou mercado, assumindo os riscos para tal. Essa é a definição clássica e ao mesmo tempo a mais geral possível. É também a que nos permite diferenciar o criador e empreendedor do empresário e gerente; os primeiros estão descobrindo algo, refinando a oportunidade recém-descoberta em um mercado que talvez estejam, também, criando, e tentando entender como construir um modelo de negócios ao redor de sua invenção ou inovação. Os segundos estão preocupados em coordenar os recursos existentes em um negócio já conhecido, tentando fazer com que os meios à disposição sejam apropriadamente distribuídos entre os fins capazes de gerar mais valor atual para a organização. Claro que há pessoas e grupos que conseguem exercer estes papéis conflitantes ao mesmo tempo e com muito sucesso… e isso é o que, por sua vez, define as iniciativas de sucesso na partida e que conseguem, por muito tempo, sobreviver em ambientes de negócios cada vez mais competitivos. A combinação essencial, em qualquer negócio, em todos os mercados, é a articulação entre as capacidades empreendedoras (as da criação de novos negócios, mesmo dentro da organização existente) e empresariais, que são as que mantêm e aumentam a performance dos negócios existentes, agora.
O polo tecnológico estadual está hoje concentrado na RMR, consolidado principalmente em torno do Porto Digital e com forte apoio de Instituições como o C.E.S.A.R., por exemplo. Como um dos líderes no movimento empreendedor em Pernambuco, há planos de expandir essa força para o interior do Estado? Há algo pensado ou já sendo feito nesse sentido?
É verdade que o polo de Tecnologias de Informação e Comunicações –especialmente o de software e economia criativa- está concentrado no Recife. Em qualquer processo de desenvolvimento de novos mercados, que necessitam de conhecimento novo, existe esse tipo de concentração, que deriva da existência de um setor de formação de capital humano de alta qualidade. Acho que se pode traçar as origens do Porto Digital, em uma certa parte, ao processo de transformação do que era o Departamento de Informática da UFPE em um dos maiores Centros de Informática da América Latina, com mais de 100 PhDs em computação atuando… e é isso que o Centro é hoje.
Ainda mais, o Centro de Informática formou milhares de mestres e doutores e, em boa parte, ajudou a criar mais de duas dezenas de cursos de graduação e pós-graduação ao seu redor, tornando a área metropolitana do Recife em um dos maiores espaços de formação de capital humano em TICs do Brasil. O próprio C.E.S.A.R é um spin off do Centro de Informática. A economia de TICs é uma economia de pessoas –e sua educação, num patamar de sofisticação mundial, pois se trata de economia global-, especialmente em software.
O Porto Digital está ultimando os detalhes, com o governo do Estado, para fazer dois pilotos do que poderiam ser sementes de algo parecido com o Porto Digital, em Caruaru e Petrolina, que têm um ambiente de formação de capital humano que pode ser o ponto de partida para um ambiente de inovação, criatividade e empreendedorismo sustentável. Porque, ao fim e ao cabo, trata-se de um mercado, da contribuição de um setor do conhecimento científico, tecnológico e de negócios ao desenvolvimento econômico e social. Dependendo do que acontecer em Caruaru e Petrolina, certamente haverá uma discussão sobre o que fazer depois, quando, como, onde e com que recursos. Tomara que tenha Arcoverde no mapa. Eu adoraria voltar a morar aí, como morei por seis anos na década de 60…
A inovação está no cerne dos seus estudos e em seu DNA enquanto pesquisador. Como as empresas devem trabalhar com a inovação a fim de tornarem-se mais competitivas no cenário atual?
Inovação não é um fim em si mesma; inovação é a capacidade que qualquer negócio deve desenvolver para se modificar e se adaptar a um ambiente de negócios mutante ou, quando tiver a combinação de desenho e energia para tal, mudar o ambiente de negócios ao seu redor.
Inovação é a única fonte de vantagens competitivas sustentáveis. E inovação, muitas vezes, não tem nada a ver com tecnologia: Peter Drucker, um dos maiores estudiosos do tema em todos os temos, definiu inovação como a mudança do comportamento de agentes, no mercado, como fornecedores e consumidores de qualquer coisa. Não tem tecnologia, aí, e tem uma definição radical do que é inovação. Uma definição que chama à ação, ao processo de redefinir o mundo e sua performance. A performance do seu negócio, nele…
O movimento empreendedor vem ganhando força e destaque no contexto econômico atual brasileiro. Quais dicas você daria para alguém que sonha em empreender, mas ainda não sabe exatamente por onde começar?
A primeira é… não pense que é simples e fácil. É complexo e difícil. A primeira e mais fundamental dica é vá trabalhar com quem já está empreendendo. Não com quem está empresariando! Volte pra segunda pergunta pra ver a diferença entre os dois. É possível aprender a empreender, mas não há nenhum registro de sucesso nas tentativas de se ensinar a empreender. Trata-se de algo prático, essencialmente experimental, no contexto e no tempo dos acontecimentos.
A segunda é… tente entender muito do seu assunto, do seu potencial negócio e do mercado dele… antes de começar qualquer empreendimento. E aí eu sugiro a leitura do meu (!) livro Novos Negócios no Brasil, que tem exatamente este foco: discutir o que são, ou o que poderiam ser, novos negócios no Brasil, não necessariamente novas empresas, mas novos empreendimentos de todos os tipos, dentro e fora de organizações já existentes. Não é um livro de fórmulas para empreender, coisa na qual eu não acredito e que faz parte da perigosa literatura de auto-ajuda, mas um livro que questiona muita coisa ao redor do processo empreendedor, que tem sido ponto de partida para muita gente repensar suas iniciativas.