TV digital precisa de articulação para decolar

ceila santos estava fazendo uma reportagem-balanço sobre os primeiros seis meses da tv digital no brasil e resolveu perguntar minha opinião. a entrevista era pra um jornal de são paulo, que acabou resolvendo não inserir o debate sobre tv digital num caderno especial sobre inovação. capaz de ter sido por falta de audiência. ou porque inovação [segundo peter drucker] é a mudança de comportamento de agentes, no mercado, como produtores e consumidores de bens e serviços. e isso, no caso de tvd, por aqui, ainda não aconteceu.

como se não bastasse, a tv digital brasileira e as discussões sobre o tema andam meio sumidas da realidade e do imaginário nacional. depois de um começo onde se prometeu muito, em dezembro do ano passado, a partida do SBTVD começou bem devagar e, depois, quase parou. a conversa com ceila foi sobre isso e taí embaixo.

CS: Qual é o balanço que faz sobre os seis meses de TV digital no País?

SM: Não dá muito pra fazer um balanço, pois é como se o SBTVD tivesse que começar de novo. As expectativas iniciais eram muito elevadas e, ao se lançar o sistema logo em São Paulo, maior cidade do país e com um terreno muito difícil, acho que exigimos muito do SBTVD. Eu avaliaria o que aconteceu até agora como um experimento…
CS: O volume de conversores vendidos neste semestre foi considerado razoável ou baixo? Na sua visão, o que é preciso ser feito para aumentar a demanda pelos equipamentos que convertem o sistema análogico para digital?

SM: Muito baixo. Pra vender TVD é preciso haver uma proposta de valor que convença os espectadores a investir seus recursos em conversores. Enquanto TVD tiver exatamente a mesma programação analógica, sem interatividade significativa ou qualquer outra característica que não temos no analógico, acho que vai continuar com demanda muito baixa. E com todo mundo comprando computadores e se ligando em banda larga… aí é que a coisa complica mesmo.
CS: Qual grande apelo comercial da TV digital?

SM: Boa pergunta. Imagine que uma estação transmitisse (de novo!) Titanic no canal analógico (com alguns patrocinadores) e, no digital, jogos do Campeonato Brasileiro, regionalizados, com cada torcida vendo seu time. Aí se criaria, no digital, o competidor para a TV paga que transmite o futebol. Pra tal programação, com a atratividade que ela teria, na escala em que seria vista, haveria (e há) patrocinadores de monta. E esta não é a única oportunidade…

CS: O C.E.S.A.R tem quais expectativas com a TV digital?

SM: Estamos trabalhando com interatividade, com middleware, segurança e aplicações para TV digital, aberta (como no SBTVD) ou fechada, a cabo ou na internet (vídeo e IPTV). Achamos que persistência e caldo de galinha, neste caso, não fazem mal a ninguém. Temos muito o que fazer, ainda, para ter um modelo vitorioso no Brasil. Mas não estamos focados apenas no mercado nacional. O mundo é grande e oferece muitas oportunidades.

CS: Acredita que a interatividade e os multicanais da digitalização da TV serão oferecidos à sociedade brasielira quando e porquê?

SM: Esta pergunta nos faz retornar ao modelo de negócios para as estações, anunciantes, produtores e espectadores, entre outros, no SBTVD; interatividade e multicanais serão oferecidos quando fizer sentido, do ponto de vista de modelo de negócios, de justificativa de investimento, para vários dos atores listados. Ninguém “faz” TV, digital ou analógica, porque acha bonito, mas porque é um negócio. Pra resumir, o SBTVD tem que, paulatinamente, se mostrar um negócio para seus stakeholders, senão terá sérias dificuldades de decolagem.

recentemente, o ministro do desenvolvimento disse [sobre a possível instalação de uma fábrica de chips no brasil, pelo japão, como parte do acordo do SBTVD] que o acordo brasil/japão “era mais um blábláblá“… em resposta, o minicom reafirmou que a tal fábrica japonesa vem mesmo por aí… ou seja, enquanto o governo perde seu precioso tempo em um verdadeiro blábláblá [e em público] sobre fábrica de chips [algo completamente irrelevante para o sucesso do SBTVD, por sinal], não se vende conversores, não se produz mais conteúdo digital, não se avança no modelo de negócios, não se atrai mais anunciantes e espectadores, a coisa não anda.

desde o começo, todo mundo sabe que a primeira rodada de introdução de sistemas abertos de tv digital teve sérios problemas em outros países [veja aqui, aqui e aqui, por exemplo]. o que não deveria ser novidade, pois se trata da substituição de um modelo de negócios [e da tecnologia subjacente] que está aí há mais de quatro décadas. o que nós precisamos, para o SBTVD decolar mais depressa, é de um esforço muito maior e mais bem articulado do que aquele que vem sendo possível no momento, com bem menos blábláblá e mais ação, mais articulada, de todos os envolvidos.


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