o brasil é um grande mercado de software, cerca de US$10B por ano, povoado por quase dez mil empresas. as demandas nacionais de automação e sistemas de informação criaram uma grande rede de competências no país, representadas no imaginário do setor pelos sucessos dos sistemas de imposto de renda, automação bancária e votação eletrônica, entre outros. se tudo fosse um mar de rosas, haveria um mercado externo gigantesco para as soluções brasileiras [inclusive os ícones mencionados] de muitos bilhões de dólares por ano. só que nossa exportação de software, nos últimos anos, não tem sido essas coisas todas. segundo os pessimistas, ano passado foram US$300M; já os otimistas apontam para US$800M. talvez haja, no meio do caminho, uns $500M de exportações de software. muito pouco, para um mercado interno tão grande e competências que prometem tanto.
pra se ter uma idéia da pedreira que enfrentamos no mercado internacional, as exportações do setor de TI da índia [pouco hardware, software e muitos serviços] somaram US$36.6B em 2007, um crescimento de 41% sobre o ano anterior. e as projeções do valor total [interno + exportações] apontam para um mercado indiano de US$132B em 2012. e a índia é apenas um dos jogadores, com presença mundial e uma larga percentagem da população tecnológica e de serviços falando inglês, a língua dos negócios internacionais em qualquer setor, seja lá com quem for.
nesta segunda, o país lançou mais uma tentativa de política industrial, agora rotulada de desenvolvimento produtivo. e o setor de software está contemplado com medidas especiais e números tão otimistas quanto foi o caso no começo da década de 90. lá, o alvo era exportar US$2B, partindo de pequenas empresas espalhadas por todo o país, ao redor dos núcleos do programa softex, baseado em produtos. não rolou. agora, pretende-se exportar US$3.5B e gerar 100.000 novos empregos formais no setor até 2010 [só faltam dois anos…], numa estratégia centrada, principalmente, em grandes fábricas de software para mercados que poderiam ser chamados de commodity, em competição direta com os indianos. nós vamos voltar ao tema neste blog.
antes, vamos criar um contexto mais amplo. numa entrevista recente ao convergência digital, césar gon [ceo da Ci&T, de campinas] disse que o brasil tem que fugir do mercado mundial de body shopping, o aluguel de pessoas para realização de trabalho de desenvolvimento, se queremos ser mesmo grandes no setor de software…
CD – Nessa questão de exportações ouço muita empresa e a própria Brasscom dizer que as companhias brasileiras só podem se lançar no mercado internacional e ter competitividade com a Índia, por exemplo, se conseguirem desonerar a folha de pagamentos; se reduzirem a carga tributária, entre outras questões. O senhor comunga dessa idéia ou conseguiu, mesmo com todas essas supostas dificuldades, vencer lá fora?
César – Depende de que mercado a empresa vai disputar. Se for disputar o mercado de body shop – que costumo brincar que é o de quem paga os piores salários – aí as questões básicas são preço e o custo de mão-de-obra. Neste caso, há uma estrutura pesada para competir. Mas, digo que esse mercado é uma fatia de muito baixo valor agregado porque na verdade está pondo uma pequena margem de salário e carga tributária. Então para competir vis a vis com uma estrutura indiana, é um problema sério mesmo. O que acho é que há um espaço na área de Tecnologia da Informação de maior geração de valor, onde é possível fugir, simplesmente, desse mercado de prover mão-de-obra e passa a discutir know how, competências técnicas e capacidade de se diferenciar por outros mecanismos, outras características.
veja a entrevista completa aqui. este blog fez outras quatro perguntas a gon, três delas antes da divulgação da política governamental e outra hoje, depois que se entendeu [mais ou menos] o que ela pode vir a ser para o setor de software. acompanhe as três da semana passada…
[1] a Ci&T é o caso ou é exemplo de uma categoria?
Creio que a nossa indústria de serviços tem uma deformação: as maiores empresas nacionais cresceram como alocadores de mão-de-obra e não raro tornaram-se quarteirizados de integradores estrangeiros ou dependentes de contratações governamentais. Estão na verdade muito longe do cliente para descobrir como gerar valor. Na outra ponta, temos dez mil micro e pequenas empresas, algumas delas com mais de 20 anos de idade, com incrível adaptabilidade voltada para continuarem as mesmas. Minha tese é que em algum lugar entre estes dois extremos reside uma classe de empresas, que chamo de “terceira geração”, mais intensivas em know-how e com capacidade empresarial para competir lá fora. Como finalmente temos um ambiente menos hostil e melhor disponibilidade de capital, é provável que algumas decolem. O desafio delas, e da própria Ci&T, é ganhar velocidade sem perder consistência.
[2] o que as outras empresas deveriam ter feito, e não fizeram, pra chegar onde a Ci&T está chegando?
Não há receitas prontas e cada empresa vive uma realidade. Dito o óbvio, acho que fizemos apenas a lição de casa: priorizamos a internacionalização, investimos em qualidade e tiramos o tal CMMI-5, de verdade e para toda empresa. Colocamos inglês também como prioridade e nesse caso levamos alguma vantagem pela diferenciação de capital humano que acreditamos ter na empresa. E finalmente procuramos mercados onde nossa oferta fosse competitiva, sempre fugindo da competição orientada a preço, que ecoa hoje de Bangalore e Xangai.
[3] e se a brasscom conseguir mudar significativamente a política do país para o setor de software, o que muda, inclusive pra Ci&T?…
Na improvável hipótese de isso realmente acontecer, o país fica mais competitivo e aumenta a chance de desacelerarmos a desnacionalização da nossa indústria de TI. Na mais rara hipótese disso acontecer logo, daria até para revertemos isto. Para a Ci&T, acho que poderíamos aumentar nossas ambições e tentar acelerar.
e uma, nova em folha, respondida hoje:
[4] a política de desenvolvimento produtivo anunciada pelo governo federal muda alguma coisa no setor? e nos seus planos?
A política recém anunciada começa a atacar um dos problemas do setor, que é a carga tributária sobre (altos) salários. E é criativa quando associa a desoneração à exportação, que para mim é a prova dos nove para saber se um empresa brasileira de TI faz mesmo sentido. Porém, além dos custos, o setor tem talvez um desafio bem maior: formação de gente qualificada, de verdade e em quantidade. Nesse tema, muita conversa e pouca ação. Na Ci&T, continuaremos com nossa obsessão em exportar. A trajetória do barco está definida e qualquer vento in poppa será comemorado. E essa política certamente é um vento a favor e merece ser aplaudida.
nos próximos meses, vamos ver como é que o vento vai soprar. a MP com a política foi assinada pelo presidente e sua implementação vai começar a transitar pelos vários setores de governo que são afetados, incluindo a receita, o sistema S e o inss. não vai ser fácil: empresários ouvidos pelo blog acham que algumas regras são muito complexas, como identificar exatamente os funcionários envolvidos em exportação numa empresa; já há quem fale em criar empresas só para exportar, como forma de contornar a inevitável burocracia em que se verão envolvidos. e a assespro pergunta: como fica o mercado interno? ao incentivar apenas a exportação e esquecer, na prática, as milhares de empresas que já atendem o mercado nacional, a política, na prática, joga fora o mercado interno. será? voltaremos ao assunto em breve.