Fundações para os Futuros Figitais, #1

Este é o segundo de uma série de cinco posts sobre o assunto do título. O primeiro estabelece o contexto para esta conversa e está no link bit.ly/4F5P20L, o terceiro trata de plataformas figitais, sem as quais não há ecossistemas figitais, e está no link bit.ly/3lMn1rN. O quarto post trata das experiências fluidas que são habilitadas por flexibilidade combinatória e plataformas figitais, e está no link bit.ly/3CKB6fs. O último post trata de transformação estratégica como uma fundação essencial para futuros figitais, no link… bit.ly/384K210. Para entender este texto, sugiro fortemente a leitura do primeiro, que dá o contexto para a discussão que se segue.

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A série trata de um conjunto de fundações, lógicas e princípios para competir em futuros figitais, e neste capítulo tratamos do ponto de partida para um universo competitivo onde as dimensões digital e social assumem proporções semelhantes à dimensão física, clássica, da nossa velha “vida real”. Essa nova “composição do espaço” demanda um novo tipo de arranjo organizacional que reverte a tendência e as forças de concentração de decisões e poder que vinham estruturando os negócios há mais de um século. Agora, em um ambiente competitivo onde o contexto passou a ser figital e reescrito, em software, de forma distribuída e dessincronizada, por todos os agentes de mercado ao mesmo tempo… e continuamente… as velhas formas de organização já não funcionam mais. Precisamos de novas fundações e lógicas para competir.

Às nossas fundações e lógicas, pois, dito e levando em consideração tudo isso. A primeira é…

Até que enfim, A rede é O computador, como havia anunciado John Gage em 1984. Demorou, mas chegou. E, se é verdade, isso quer dizer que o código de toda solução para qualquer problema no mundo figital está em rede, está na rede e depende de características e propriedades da rede. Quer dizer que deveria ser possível “programar a rede” e desenvolver [por exemplo] uma solução que orquestra a busca de B, o estoque de E,…  a operação financeira de F, logística de L, o atendimento de A… para criar um ecommerce para T, com a mesma fluidez e facilidade com que se pode elaborar uma aplicação “só sua”, de componentes todos seus, sobre alguma das infraestruturas-como-serviço disponíveis na rede.

Para que isso fosse possível -e ainda não é- seria necessário que cada uma das propriedades dos agentes BEFLAT, acima, fossem como legos: blocos construtivos que podem ser conectados uns aos outros, através de interfaces comuns, para construir sistemas [complexos]. Para chegar em tal ponto, é preciso que a organização esteja dispersa em componentes que permitam uma flexibilidade combinatória.

Um artefato, um conjunto deles, ou um sistema, é flexível quando é facilmente modificado para responder a [ou criar] condições de contexto. Um sistema tem propriedades combinatórias quando há relações de interconexão, generalização e de especialização entre um número de estruturas discretas, possibilitando a criação de arranjos de elementos a partir de um conjunto de padrões que satisfazem regras específicas, dependentes ou criadoras de contextos.

Em qualquer organização minimamente complexa, o volume e variedade de componentes que resulta de um processo de modularização é potencialmente muito grande. Escolher que componentes são essenciais e reduzir o número total ao mínimo possível é parte do trabalho de preparar a organização para competir no mundo figital, até porque cada componente demanda código digital para suportá-lo ou é código ele próprio. A competitividade e mesmo a cultura das organizações figitais depende de e é mediada por código , que precisa ser, por isso, escrito e reescrito continuamente, quer por causa de -e para causar- mudanças deliberadas na organização [em sua estratégia, por exemplo] ou por imposição do contexto.

Quanto mais código a escrever, mais energia a investir na sua escrita; escolher onde investir tal energia é vital para a a sobrevivência do negócio pois, seja onde for, os recursos, como um todo, são finitos. Melhor, então, ter menos código, de maior impacto, a escrever, e ter a rede -seu ecossistema- a escrever uma parte do “seu” código. Como veremos mais adiante, isso será parte essencial de uma das outras fundações para os futuros figitais. Mas a esta altura do campeonato já deve estar claro que, com todo mundo escrevendo código na, para a e em rede, tal processo é muito mais complexo do que só conectar e ativar funções figitais no e para o negócio, até porque ainda estamos criando as fundações e lógicas que descrevemos aqui.

Mesmo que ainda não se consiga orquestrar a “solução BEFLAT” apropriadamente, em rede, é claro que dá pra começar a transformar seu negócio para que, “lá dentro”, ele obedeça as lógicas da flexibilidade combinatória. Em rede, isso vai acontecer à medida em que mais negócios tornem tão flexíveis quanto as possibilidades que temos ao combinar múltiplas caixas de legos de famílias diferentes. Quanto mais começarmos a perceber organizações como fluxos, desenhados por algoritmos, executados sobre plataformas, em ecossistemas figitais, mais a rede será tão flexível quanto um grande conjunto de legos.

Mas… quais são as 5 lógicas da flexibilidade combinatória? É o que você vai ver depois da imagem.

  1. Desintegração: os sistemas deixam de ser tratados como monolitos e são desintegrados até chegar a fragmentos únicos, tão simples quanto possível, que possam ser combinados  [são combinadores, afinal…] para criar funcionalidades de múltiplos níveis de complexidade.

Sistemas, nesse contexto, são figitais e incluem, claro, a organização e sua arquitetura e operações.

  1. Distribuição: os processos de criação, entrega e captura de valor são descentralizados e distribuídos na organização, assim como a liberdade e a responsabilidade pela performance local.

Processos de criação, entrega e captura de valor, nesse contexto, são figitais, e incluem todas operações do negócio e os agentes que as realizam, humanos inclusive.

  1. Reintegração: os fragmentos criados no processo de desintegração, distribuídos na instituição, devem ser reintegrados para compor funcionalidades complexas, resultantes da combinação de elementos mais simples.

Movimentos de desintegração – distribuição – reintegração devem ser uma dinâmica constante em instituições figitais.

  1. Coordenação: para reintegrar fragmentos [como serviços] e construir funções [como parte de ecossistemas], é preciso concatenar agentes na organização [e fora dela], na rede que se torna possível pela flexibilidade combinatória.

Agentes, nesse contexto, são todos os responsáveis por processos de criação, entrega e captura de valor, e isso inclui de serviços providos por software a ações realizadas por humanos, passando por entregas realizadas por veículos e condutores.

  1. Plataformização: a reintegração dos sistemas a partir dos fragmentos não deve levar a novos monolitos, mas a um conjunto articulado de infraestruturas e serviços que habilita aplicações escritas dentro e, principalmente, fora da organização.

Infraestruturas e serviços são as bases da plataforma que codifica os fundamentos da organização e as aplicações são as funcionalidades criadas interna e externamente. A tríade infraestrutura, serviços e aplicações é a plataforma que habilita o ecossistema figital do negócio e|ou a sua participação em ecossistemas habilitados por outras plataformas.

De pouco adianta haver lógicas se elas não têm modelos, se não podem ser ancoradas por interpretações que as estruturam e criam as condições para que sejam possíveis e válidas em um contexto. No nosso caso, vamos chamar tais interpretações de princípios e os que correspondem às 5 lógicas da flexibilidade combinatória estão na imagem e na sequência de definições abaixo.

Se você tiver olhos um pouco mais “lógicos”, vai notar que a associação feita aqui é só “mais ou menos”, e não necessariamente um a um; afinal, este não é um texto de lógica formal… e Tarski vai perdoar. Ao mesmo tempo, já vale a pena dizer que estes 5 princípios valem não só para flexibilidade combinatória, mas para todas as 4 fundações tratadas neste texto. E isso não é pouco.

  1. Organização em processos: a desintegração deve ser simultânea a um redesenho da organização ao redor de processos  tão simples quanto possíveis, que possam ser combinados para criar redes de processos para resolver problemas de maior complexidade.

A governança dos processos em que a organização se distribui também é a governança do ciclo de vida de informação no e para o negócio; os dados correspondentes até podem, com as devidas salvaguardas estar distribuídos, mas sua governança deve ser integrada.

  1. Desburocratização: a distribuição de processos deve corresponder a um processo de desburocratização da organização, redesenhando sua arquitetura e entregando poder para as bordas, ao mesmo tempo em que se estabelecem processos de responsabilização pelas performances locais.

A responsabilização local deve ser articulada levando em conta os compromissos, habilidades e competências locais e o propósito, objetivos e metas globais.

  1. Organização em times: a desintegração da organização exige a distribuição do trabalho realizado na organização em times, que também respondem pela sua reintegração.

Um time é feito de trabalho e pessoas, um grupo coeso, focado, resolvendo problemas relevante, entendido e tratado como tal.

O processo de estruturação de uma organização em times é contínuo e demanda atenção constante, que depende de uma…

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  1. Organização que aprende: em rede, e em ecossistemas figitais, onde código, introduzido por qualquer um, muda o cenário e os hábitos das pessoas constantemente, toda a organização deve se redesenhar para aprender o tempo todo, em todos os focos de atividade, em todos os níveis. Isso deve ocorrer de forma independente de alguma função de aprendizado centralizada, que se existir deve tratar da gestão do ciclo de vida de conhecimento no negócio.

Na economia do conhecimento, os negócios que sobrevivem são de conhecimento e baseados em aprendizados continuado e em contexto.

Até aqui, demos conta da já complexa agenda das bases para se ter flexibilidade combinatória em um negócio. Mas liquidificar sua organização e criar uma flexibilidade combinatória internamente não resolve os verdadeiros problemas de competir no mundo figital. Porque o interesse fundamental da instituição não é o que está acontecendo dentro dela e sim, e não de agora, mas há muito tempo, o que está rolando na interface entre o negócio [leia as pessoas, nele] e as pessoas, fora dele, que podem vir a estabelecer conexões, relacionamentos e realizar interações com “você”, negócio… e aí, quem sabe, eventualmente, uma parte das interações pode até se transformar em transações.

É daí que vem a segunda fundação –plataformas figitais, no próximo post, no link bit.ly/3lMn1rN-, que habilita a organização a se relacionar com as suas próprias bordas e com o mundo exterior a ela de uma forma muito diferente, e de muito maior potencial de formação de redes, do que era possível antes dela. Pra continuar lendo é só clicar no link acima. Até lá.

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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