[Texto da série “Silvio Meira no G1”, publicado originalmente no G1, em 10/10/2006.]
Estamos vivendo o terceiro ciclo da internet. O primeiro foi o da tecnologia, quase como demonstração das possibilidades, e durou 1990/91 até o advento da internet comercial nos EUA, em torno de 1995, quando só havia cinco milhões de computadores ligados à rede, mais da metade dos quais lá mesmo nos EUA. O segundo tempo da internet foi o das “primeiras companhias” e “grandes e ousados planos de negócios”, muitos dos quais eram também ingênuos, inexeqüíveis e, vistos com a sabedoria que a experiência nos dá, hoje, inverossímeis. Aí estão -entre 1995 e 2001- a Amazon.com, Yahoo!, eBay, PayPal, AOL, Netscape, um monte de coisas que a Microsoft fez e, é claro, Google [criado em 7 de setembro de 1998].
Entre as muitas coisas que deram errado para idéias boas e factíveis da segunda onda da internet, estava o simples fato da rede estar se formando naquela época: muitos planos de negócio dependiam de crescimento exponencial de usuários nos sites e não havia usuários porque, na rede, não havia usuários o suficiente. Em 1998, a penetração da internet nos EUA era de 30% [e computador em 50% das casas, contra 20% em 1992]; lá, hoje, 73% da população está na rede, 62% deles em banda larga [eram apenas 21% em 2002]. No Brasil, 17% das casas têm computador e apenas 9.5% da população usa a internet diariamente, segundo o CGI.BR.
Este ano, mais de 50 milhões de americanos já postaram alguma coisa na internet, incluindo vídeos para os usuários de banda larga. O que nos transporta à terceira leva de companhias da web, criadas a partir do rescaldo da bolha da internet de 2001 e do amadurecimento de padrões e tecnologias da segunda onda, como Java [uma linguagem de programação de computadores] e Apache [um servidor de páginas web]. Além disso, há novos modos de projetar e construir sistemas de informação na rede, o que se convencionou chamar de web 2.0, talvez traduzido por construção mais eficiente e eficaz de sistemas de informação na web, combinada com banda larga para os usuários.
Na web 2.0 estão coisas como netvibes.com, um ambiente para composição de fluxos de informação [que serve para centralizar a leitura de blogs, por exemplo], Skype, o responsável mais direto pelo fenômeno de voz sobre protocolo internet [VOIP], que é o envio de fluxos de áudio [e vídeo] pela rede, “de graça” [isto é, pagando só sua conta de banda larga], sistemas de automação comercial como salesforce.com e os responsáveis pela notícia da semana, YouTube, empresa de 67 pessoas, fundada meros 20 meses atrás e comprada pelo Google pela fantástica quantia de US$ 1, 65 bilhão, o que resulta em uma agregação de valor de US$ 80 milhões por mês, no período.
Será que YouTube vale tudo isso mesmo? O Google tem tecnologia para fazer vídeo na rede, tem um site pra isso, muito mais gente de tecnologia em casa e todas as condições do mundo para destruir qualquer empresa “de internet” usando a inteligência de seus 8 mil colaboradores. Mesmo? Acontece que YouTube, que mostra mais de 100 milhões de vídeos por dia, tem 60% do tráfego de vídeo da rede e o Google só 10%. MySpace, rede social comprada por Rupert Murdoch por US$ 500 milhões, tem uns 25%. E o resto dos competidores não conta, pelo menos agora. Deter a melhor tecnologia do mundo é pré-condição para uma empresa chegar ao mercado, mas nem sempre “a melhor” vence: quem tem sucesso é o melhor “negócio”, principalmente do ponto de vista dos usuários
Quando Google veio ao mundo, o Altavista era o rei da busca, tendo destronado Lycos e Excite, por ser competente, multilíngue e simples. Era, inclusive, provedor de busca para Yahoo!. Mas a Digital [e depois a Compaq] não entendeu o poder do que tinha nas mãos e o resto é história. Os dois fundadores de Altavista trabalham, hoje, para o Google. No Google, também, nem tudo dá certo. O Orkut, por exemplo, é um fracasso retumbante em termos globais, com quarenta e cinco vezes menos tráfego do que MySpace [75% do mercado]; este, por sua vez, já vale mais do que Google pagou por YouTube.
Pouca gente sabe –antes de um negócio de tecnologia dar certo– porque ele dará; depois, o campo fica lotado de analistas de passado a dar opiniões, a maioria sem nenhum fundamento. A aquisição que Google acaba de fazer é preventiva: o preço que Google poderia ter que pagar em perda de atenção, um dos itens que realmente conta na economia da rede, poderia vir a ser muito maior, principalmente se um dos outros gigantes da rede [como eBay, Microsoft, Amazon, Yahoo ou MySpace] entrasse no jogo. Ano passado, o eBay comprou o Skype [ou seus 100 milhões de usuários, 60 milhões ativos] por US$ 2, 6 bilhões por uma razão parecida: tinha que agregar gente, ou mais atenção, ou mais valor, aos seus 75% do mercado de transações entre consumidores, com exceção da China [onde o TaoBao tem 60%]. A China é osso duro de roer: o Google, que tem 44% das buscas no mundo, perde de 65% a 20% em Beijing para o Baidu.
Mas vamos voltar ao lado de cá do planeta, porque talvez o leitor esteja se perguntando o que deve fazer para ter a chance de descolar uma loteria como a sorteada para os dois caras que fundaram YouTube. Primeiro, faça algo necessário: as pessoas em rede, com câmeras e celulares que filmam e banda larga, simplesmente precisavam do YouTube para mostrar suas produções para os amigos e, como se descobriu, para o mundo. Depois, faça o necessário sobre uma base tecnológica que possa tratar muitos milhões de usuários: isso não é simples nem barato e o dinheiro para tal dificilmente estará disponível em países periféricos como o Brasil. Terceiro, acerte no marketing: tecnologia de classe mundial é apenas o ponto de partida para você tentar vender o que faz. Se as pessoas não gastarem tempo para entender sua tecnologia e usá-la… você está perdido.
Finalmente, cerque-se de quem entende de dinheiro. Os dois fundadores de Google [por que sempre dois?…] receberam, no começo de sua aventura, US$ 12,5 milhões de uma empresa de capital empreendedor chamada Sequoia Capital, uma das mais competentes do Vale do Silício e do mundo. Quando o Google lançou ações na bolsa, a Sequoia ganhou tanto dinheiro [uns US$ 1,5 bilhão…] que não sabia o que fazer com ele. Mas não foi difícil encontrar: uns meses atrás eles fizeram um investimento de pelo menos US$ 11,5 milhões no YouTube e devem, de novo, estar sorrindo à toa, junto com os fundadores. Resumo da ópera: faça tudo certo e encontre os investidores certos também. Senão, mesmo que você tenha a melhor idéia, tecnologia e negócio da rede e do mundo, seu destino mais provável será a lata de lixo da história…