a era da informação, segundo peter drucker, não começou com a internet, mas bem antes, ao fim da segunda guerra mundial. até então, vivíamos a era da energia, ao redor da qual estavam centrados os negócios e a atividade científica, tecnológica e inovadora. as palavras de ordem eram mais forte, mais rápido, mais potente, num universo de pressões, temperaturas e velocidades. o domínio da tecnologia nuclear e a possibilidade de simular processos estelares deu um ar de fim-da-história ao mundo da energia. a partir daí, os processos biológicos passaram a ser a dominar o cenário e estes, apesar de baseados em energia, estão organizados ao redor de informação e seu processamento.
temos meio século, pois, de era da informação, o que coincide com a idade das máquinas computacionais, digamos, modernas, inauguradas com o eniac em 1946. os primeiros processadores eletrônicos de informação eram tão complexos que as organizações que os tinham em casa foram obrigadas a criar departamentos de tecnologia, populados por gente que entendia de sistemas computacionais -os computadores propriamente ditos e sua infra-estrutura de software-, capaz de fazer as “máquinas” produzirem os “resultados” exigidos pelos negócios. da mesma forma como, no princípio dos tempos da energia, as indústrias de sucesso tinham seu próprio departamento de energia [e algumas o têm até hoje], os negócios mais inovadores destes sessenta anos de era da informação foram aqueles que melhor souberam tirar proveito dos computadores, usando para isso a competência tecnológica interna e de tantos parceiros quantos foi possível.
os computadores e seu uso nos negócios foram inovações radicais do século XX, mudando o mundo e criando possibilidades que, processando dados à mão, eram impensáveis. mas toda inovação é incompleta, imperfeita e impermanente, e sempre chega, de novo, a hora de inovar. não que informática tenha se tornado commodity e qualquer um, em qualquer lugar, possa provê-la. mas, lá atrás, energia se tornou eletricidade, disponível na tomada, e não queremos saber como nos chega. usamos, pagamos e pronto.
da mesma forma, processamento de informação vira informaticidade: interfaces especificadas e entendidas, escondendo funções e procedimentos que queremos, sim, saber o que fazem. suas propriedades são mais complexas do que os fluxos de corrente [da “energia elétrica”] que produzem calor, luz e movimento. mas, uma vez a par dos significados por trás das interfaces e tendo acesso remoto, confiável, de alta performance e barato, não precisamos, para usar tal informaticidade, de departamentos de tecnologia do lado de cá da rede.
e isso é uma boa notícia para todos. primeiro, para o pessoal “de tecnologia”, que vai trabalhar onde os problemas “tecnológicos” estão, e onde é mais interessante e divertido estar: lugares como amazon s3 [armazenamento online], netvibes.com [ecologia de informação] e salesforce.com [cadeia de valor de processos de automação de negócios]. todos são exemplos de informaticidade, atrás do conector, sem que o usuário pense em segurança, performance, updates, backup… problemas lá do pessoal “de tecnologia”.
software-como-serviço é outro nome que se dá a informaticidade; mas esta é bem mais que aquela: inclui hardware-como-serviço, rede-como-serviço e, quase de brincadeira, serviço-como-serviço, quando não temos que fazer o serviço que deveríamos, pois tal poderia ser realizado compondo outros, já disponíveis na rede.
por outro lado, quem ficar do lado de cá do conector terá que se concentrar no que é essencial para o negócio: informação. durante muito tempo -quase todos estes sessenta anos- os interesses informacionais dos negócios estiveram subjugados às competências, humores e modismos de seu pessoal de “tecnologia”. apesar do chefe, lá, atender pelo título de chief information officer, que significava, de fato, chief information technology officer. com a tecnologia escondida na informaticidade, o pessoal “de tecnologia” que restar será o que der conta, enfim, da informação.
a agenda dos “novos” cios, nos negócios, será pautada na criação, manutenção, implantação e operação de políticas e estratégias de informação, cobrindo o ciclo de vida de informação no negócio, de criação ou captura até terminação, passando por processamento, armazenamento, preservação, apresentação… para o que precisarão desenhar sistemas de informação, parte da funcionalidade dos quais, breve, será provida pela informaticidade da rede, através da composição de funções disponíveis em muitos fornecedores. e o resto, que tivermos que definir e escrever nós mesmos, será em boa parte complementos e conexões de coisas que outros irão nos fornecer como serviço.
em algum lugar, lá atrás, estarão, a suportar tudo, as tecnologias de informação. gozando pela primeira vez, em sua curta história, da imunidade do anonimato. algo me diz que, neste novo mundo, as coisas serão muito mais calmas e que, por isso mesmo, poderemos inovar muito mais.
[o texto acima foi publicado em agosto de 2006 {com o título informaticidade se escreve com “i” de inovação} em blog.meira.com. o texto serve, aqui, como introdução, longa, para um parágrafo que saiu na forbes, esta semana, comentando o anúncio da microsoft sobre sua estratégia de serviços online.]
segundo a forbes [num link que, quando este texto foi corrigido em 2020, já não existia mais…]…
Next year Microsoft will open a 100-megawatt data center (these facilities are measured in power usage now, not in numbers of servers) in Chicago, bigger than anything Google has running…
…ou seja… o tamanho de datacenters passou a ser medido em termos de seu consumo de energia… e certamente estamos começando a chegar mais perto da minha definição de informaticidade.
mas ainda falta muita coisa: de acordo com debra chrapaty, que toca os datacenters da msft, 15% of all future computing resources in the corporate data centers will be just for developers working in Azure. “When you look at G[oogle], what they’re doing is really just search and mail. That’s two of a myriad of things going on here,” she says. “We put more servers in, every month, than Facebook has.” pra fazer este “future” funcionar, a microsoft já gastou US$3B em datacenters [o último a ficar pronto foi o de quincy, wa., com 300.000 servidores e 27MW de consumo] e está disposta a [e precisa] gastar muito mais [até porque uma regra de três simples põe perto de um milhão de servidores no datacenter de chicago…]. google também, e a amazon idem. e tomara que gastem mesmo.
informaticidade vai ser a norma somente se e quando tivermos abundância de processamento e pervasividade de conexões, combinado com simplicidade radical no uso das funcionalidades disponíveis. aí, informática vai ser informaticidade e nós vamos ter, de vez, convergência de computação, comunicação e, claro, de sistemas de informação. tipo as fotos de seu celular armazenadas direto na rede. tipo seu PC com disco virtual simples, seguro e de fábrica, como parte de sua conta telefônica, transparentemente… tipo todo seu ciclo de vida [ou seja, a informação sobre ele] administrado de forma simples e fluida, da mesma forma como se liga uma luz ou um liquidificador. ainda vai levar algum tempo, mas vamos chegar lá.
os quase-giga datacenters são só uma pequena parte do que vamos precisar pra ter informaticidade nas casas, empresas, ruas, celulares… teremos ainda que reescrever, na rede e pra rede, quase todo o software que usamos, pessoas ou empresas. neste processo, havia uma carta fora do baralho, exatamente a microsoft. ao anunciar uma estratégia para computação na rede [ou “cloud computing“] ray ozzie manda avisar a todo mundo -competidores principalmente- que a galera que domina os desktops mundo afora tem algo a oferecer, na rede, como continuidade de sua estratégia e dominância dos últimos, pelo menos, quinze anos.
competição é isso aí. tomara que, no fim desta rodada, haja mais alternativas, melhores serviços e menores custos pra todos os usuários. até porque, dentro da próxima década, vai fazer pouca diferença se você usa a rede de um laptop ou celular e teremos, no ar, de três a quatro bilhões de usuários. boa parte do planeta. conectada, cada vez mais, por informaticidade. informática tão simples quanto eletricidade.