inovação e trabalho

os efeitos da escolha e posse do novo ministro brasileiro de ciência e tecnologia já se fazem sentir pelo mundo. o ministro, como deputado, tentou banir inovação no aparelho de estado, submetendo à câmara o projeto de lei 4502, de abril de 1994, para proibir a adoção, pelos órgãos públicos, de inovação tecnológica poupadora de mão-de-obra. ainda bem que o projeto foi arquivado, ao invés de se tornar lei. tivesse sido aprovado à época do correio a cavalo… até hoje não haveria SEDEX. nem correio aéreo. internet, então, nem pensar. e ninguém poderia teclar [ou tocar] seus próprios textos, estaríamos à mercê de um exército de esteno-datilógrafas para tal. pelo menos no serviço público. quiçá [lembra da palavra?…] no brasil todo.

mas o ministro não está só. nouriel roubini fechou 2014 com um texto em que pergunta pra onde vão os trabalhadores? roubini é um conhecido professor de economia da NYU e foi um dos assessores da casa branca [governo bill clinton], que tem uma tradição de assessoria mais competente do que a maioria dos palácios do planeta [quer se concorde com eles ou não].

a pergunta de roubini, na verdade, é… inovação cria ou destrói trabalho? a resposta é conhecida e roubini não a desconhece: inovação cria trabalho [novo] e destrói trabalho [velho]. nada que um schumpeter não tivesse publicado em 1939 [em business cycles] e não soubesse muito antes, e que keynes não tivesse avisado já em 1930, em technological possibilities for our grandchildren, onde o economista de cambridge dizia [mais ou menos] que… a velocidade e intensidade de eliminação de trabalho causada por uma onda de inovação é [muito] maior que a velocidade e qualidade de reeducação do capital humano afetado [para aproveitar a próxima onda]. keynes avisava, ao definir technological unemployment, ou desemprego tecnológico, que os efeitos não duravam pra sempre, eram parte das transições entre fases da economia, provocadas por ondas de inovação.

a grande onda de inovação contemporânea é a digital, que vem mudando as formas como o mundo muda há cinco décadas, já, sem dar sinais de arrefecimento e apontando para um futuro de mudanças mais radicais.

por trás –e sustentando- cada uma destas décadas de inovação, onde as anteriores servem de base e escada para as próximas, está  uma lei da engenharia, e não da física, como alguns pensam. gordon moore, um dos fundadores da intel, publicou um texto em 1965 [Cramming more components onto integrated circuits] no qual previa que a complexidade [e a resultante capacidade e performance] dos circuitos eletrônicos integrados [CIs] poderia ser dobrada a cada dezoito meses. hoje, a gente poderia ler a lei assim: é possível dobrar a capacidade [e/ou performance] do hardware a cada 18 meses, pelo mesmo preço. moore, em 1965, previu que isso iria criar uma era de computadores nas casas, eletrônica portátil, controles nos automóveis… tudo o que a gente vê por aí, hoje. se você e eu temos internet em casa, hoje, é “por causa” da lei de moore. se os custos [pense na lei, ao contrário: os custos de um circuito de mesma complexidade caem pela metade a cada 18 meses…] dos insumos de hardware da rede, hoje, fossem os mesmos do começo da internet comercial em 1994, casas ainda teriam linhas discadas. e, consequentemente, nada do que fazemos, hoje, na rede, estaria sendo feito. na rede, pelo menos. estaríamos nas filas das agências bancárias, sendo atendidos nos caixas, pagando boletos.

olhando do lado das corporações, a informatização de seus processos internos [primeiro, na décadas de 70 e 80] e a conexão com outras corporações e pessoas [as décadas de 90 e 00] levou, certamente, a uma franca diminuição no número de trabalhadores do setor, como mostra a figura abaixo [para os bancos]…

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…combinada com o aumento expressivo do número de transações em que o lado do banco não tem um agente humano como parte, como mostra a imagem abaixo, de um relatório da febraban que leva em conta os últimos cinco anos consolidados de atividade do setor. o número de transações bancárias no país, em todos os canais, subiu de 23.6 para 40.2 bilhões de 2009 a 2013; a porcentagem de transações nas agências caiu de 14% para 10%; o número total de transações cresce a 14% ao ano, como um todo; mas, neste período, as agências só viram suas transações crescerem 1%. isso quer dizer que os bancos podem [e devem] estar contratando gente para fazer quase qualquer outra coisa [como sistemas de informação, móveis inclusive]… menos para atender pessoas nas agências. aliás, o investimento dos bancos em tecnologias de informação cresceu 9% ao ano no período considerado no gráfico abaixo. e móvel, dinheiro e contas no seu celular, vai pegar pra valer.image

pena que não haja mais dados pra gente pensar o fenômeno de forma mais detalhada sem uma pesquisa muito profunda a fontes básicas de informação. por exemplo… quantos dos trabalhadores de TICs, no brasil, estão direta ou indiretamente associados aos bancos e suas atividades, já que os bancos correspondem a 18% dos investimentos em TICs?… não sabemos. mas sabemos que um tsunami digital, de muito mais mudanças, vai afetar todos os setores da economia de forma ainda mais radical, daqui pra frente, do que vem fazendo até aqui.image

e você perguntaria… mudanças ainda mais radicais?… e eu diria… sim. sabe por que? porque só agora uma primeira geração de professores, nas principais economias do mundo, está começando a ensinar programação de computadores no ensino fundamental e médio. está começando mesmo: em 2012, apenas 1.4% dos alunos do ensino médio dos EUA fizeram os testes avançados de qualificação em computação. quando uma boa parte dos professores, em todas as escolas, tiver uma experiência digital de classe mundial, nós teremos um sistema educacional muito melhor preparado para formar pessoas nos princípios e aplicações do que só uns poucos sabem, hoje, comparado com o que poderia ser o conhecimento global sobre informática.

pra comparar o impacto que isso vai ter, no futuro próximo, com algo que você conhece, lembre-se que o fato de leibniz, newton e outros terem sistematizado o entendimento do cálculo, no século XVII, não resultou num entendimento global imediato daquele conhecimento, muito menos sua aplicação na resolução de problemas. foi preciso décadas de aprimoramento, de treinamento de pessoas, de erros e aprendizados, criação de métodos e escolas, para que cálculo se tornasse parte do dia a dia, mesmo que você não o veja [explicitamente] por aí.

com informática, especialmente programação, o impacto poderá ser muito maior. aprender a programar pode ser tratado como aprender uma outra língua. e as aplicações práticas são imensas, mesmo para linguagens bem simples e contextos idem. vá tentar ifttt, por exemplo: um livro de receitas digital pra sua rede, onde você pode escrever suas próprias receitas e copiar, modificando, as dos outros.

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simples, rápido e prático, ifttt é útil pra muita coisa e um exemplo ainda rudimentar do que pode ser programar a rede, e não um computador. no longo prazo, todo mundo vai programar. e isso vai aumentar, radicalmente, o impacto das ondas de inovação de informática, não só em informática, mas em mobilidade, logística, saúde e muito mais, sem falar na próxima grande revolução digital, a de genética. os próximos cem, os próximos mil anos, os próximos um milhão de anos, o looongo prazo, vai ser muito interessante. e não faltará trabalho -e emprego, pra quem ainda quiser um- para os que estiverem capacitados, e permanentemente se recapacitando, para fugir do technological unemployment de keynes. esta fuga deveria ser um bom e prioritário problema da agenda de políticas públicas de primeira classe de governos e suas agências, no curto, médio e longo prazos.

se os agentes de políticas públicas não criarem e conseguirem manter, funcionando e atraentes, sistemas de educação em todos os níveis, para quem ainda não entrou no mercado de trabalho e para quem já está lá e pode sair a qualquer momento, tirado de seu emprego por alguma inovação… é claro que a resposta a roubini será que quem teve seu trabalho destruído por inovação está fora do mercado por muito tempo, a menos que empreenda sua própria reeducação para os novos níveis de competência exigidos no novo mercado. podemos antever que nem todo mundo saberá o que e como fazer, e muito menos como financiar tal mudança. aí está um papel primordial do que ainda vai restar de estado nacional no futuro: cuidar das pessoas ao seu alcance. principalmente, educar as pessoas que lhes pagam impostos, direta ou indiretamente. todas as pessoas.

e isso –educar gente- se resolve no longo prazo, e não com um discurso, um mandato, um bordão. como se costuma pensar por aqui, por sinal, e há muito. e agora.

é bom não esquecer um dos ditados mais famosos de keynes: “in the long run we are all dead.” enquanto não chegamos lá, lembremos ulrich beck, uma das primeiras grandes perdas de 2015: o filósofo alemão dizia que uma das principais características da vida contemporânea é que vivemos num mundo fora de controle, por força da conectividade global que começou a se estabelecer há séculos e que forma, hoje, o mundo conectado, global. mas este global é sintático; os significados ainda não foram entendidos por todos, em seu lugar. ainda menos por uns poucos, em lugares distintos. em tal cenário, diz beck, a criação de riquezas envolve, sempre, a criação de –e não só o correr- riscos.

evoluir, portanto, é correr o risco de criar riscos. a alternativa é proibir a ida para o futuro, enterrando todo mundo –ou uma parte dele- para sempre, no presente. ainda bem que, pelo menos vez por outra, o bom senso vence. até aqui. o projeto do ministro, arquivado, está na imagem abaixo. ele deve ter aprendido muito, nestes 21 anos. inclusive que há uma conexão entre inovação e trabalho, pois inovação é trabalho. todo o trabalho que ainda há para ser feito não é resultado de tentar preservar o passado no presente, mas de sair do presente para o futuro, trazendo, antes dos outros, o futuro para o presente. tomara que este seja o motto do país e de seu ministério de ciência, tecnologia e inovação.

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