Reportagem recente da revista época pergunta se a "internet faz mal ao cérebro" e cita um número de estudiosos que aponta, entre os efeitos da rede, um aumento da distração, dispersão e um emburrecimento da população. entre os proponentes de tal avaliação do estado de coisas em rede está mark bauerlein, da emory university, autor de The Dumbest Generation: How the Digital Age Stupefies Young Americans and Jeopardizes Our Future (Or, Don't Trust Anyone Under 30), publicado em 2008.
talvez o argumento central do livro seja que, apesar das oportunidades de educação, aprendizado, ação política e atividade cultural nunca terem sido tão grandes como agora, exatamente por causa da rede, os candidatos a aprendiz [os mais jovens, na perspectiva do autor e do texto] se conectam apenas entre si, para uma espécie de "socialização da imaturidade", ao invés se servirem do ambiente da web para conexão com pais, professores e outros adultos relevantes. segundo bauerlein, o resultado é que…
…instead of using the Web to learn about the wide world, young people instead mostly use it to gossip about each other and follow pop culture, relentlessly keeping up with the ever-shifting lingua franca of being cool in school.
…ao invés de usar a web para aprender sobre o grande mundo ao redor, os jovens usam a rede para fofocar uns sobre os outros e seguir a cultura pop, a todo tempo se mantendo atualizados com a sempre mutante língua franca que os torna "legais" na escola.
sei não. mas imagine que bauerlein esteja certo e os jovens estejam mesmo "emburrecendo" por causa da web e das redes sociais. bauerlein concorda que nunca se leu e escreveu tanto quanto hoje. segundo ele, o "problema" é que eles estão lendo e escrevendo as "coisas erradas": lá nos EUA a rede deveria estar sendo usada para ler mais shakespeare, milton, a grande literatura americana e discutir os problemas da sociedade e economia. mutatis mutandis, o adolescente local em rede deveria, ao fim do ensino médio –e só porque está na web, ter terminado grande sertão: veredas, de guimarães rosa, o romance d'a pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, de ariano suassuna e a história da matemática de carl boyer. de preferência, claro, em inglês.
tal expectativa é completamente infundada. não só para a web, mas para qualquer outra "tecnologia". imagine prover telas, pincéis e tintas a seja lá que grande grupo for e espere pra ver se acontece algum picasso ou léger em poucas semanas ou mesmo alguns anos. mesmo que haja um processo de educação e aculturação, de mudança de comportamento, um conjunto de movimentos que possa levar a graus de interesse e desenvolvimento de competências capazes de fazer nascer um chagall, isso nem sempre –ou quase nunca- acontece.
como se não bastasse, como os mais jovens se conectariam aos mais velhos –para aprender, ou aprender mais, se estes demoraram muito a chegar na rede? será que eles [adultos a quem os jovens deveriam prestar atenção] perderam o ponto de entrada [faceBook, tecnologia feita por jovens para jovens, era só para estudantes no princípio] e, por conseguinte, a linguagem?
eons, a rede social para idosos, não é exatamente quem está ditando as regras e padrões de comportamento agora [nota de 07/2013: eons.com, a rede social para idosos, faliu]. e as empresas e escolas, instituições em geral, assustadas com a democracia das redes sociais, uma espécie de 1968 online, resolveram se esconder do "problema" e o fizeram por muito tempo. e estão muito atrasadas no aprendizado da nova "linguagem".
resultado? os jovens saíram na frente e estão à frente, onde vão continuar por muito tempo. e isso é muito bom, sejam quais forem as consequências.
no processo de introdução de novas tecnologias de amplo impacto social, há uma mudança radical no espaço-tempo, na forma, conteúdo, significado e entendimento do que é feito e criado, do que acontece ou deixa de. e leva anos, muitos talvez, para que o equivalente [na web ou nas redes sociais] à pintura acima ser reconhecido como a expressão de um gênio, mesmo que apenas no novo contexto cultural induzido pelas novas tecnologias. e ainda mais tempo para que seja, de fato, uma obra prima em qualquer contexto.
estamos vivendo uma reinvenção do contemporâneo. em modo beta.
a reportagem da época e os argumentos de bauerlein e outros precisam levar em conta uma mudança como a que estamos vivendo na rede tem impactos muito maiores do que percebemos de dentro do espaço-tempo da mudança. pela própria natureza da coisa, não conseguimos entender o que está acontecendo antes de chegarmos em alguns arranjos mais estáveis dentro do processo. ao mesmo tempo, tendemos a superestimar o impacto das tecnologias no curto prazo e subestimar o mesmo efeito no longo, aforismo conhecido como a lei de amara.
em um outro texto, bauerlein dá conta de uma outra mudança induzida por tecnologia que já começou a grassar nos estados unidos e que, em breve, vai rolar pelo resto do mundo: as escolas de indiana, entre outros estados, vão deixar de insistir na escrita cursiva [caligrafia já dançou há tempos] e partir para o teclado e o toque. bauerlein cita estudos que parecem garantir que construir as letras à mão [o cursivo] ajuda no processo de leitura e escrita. pode ser. mas como insistir que as crianças aprendam a ler e escrever de forma cursiva se, logo depois, esta "tecnologia" é descartada?
estamos numa encruzilhada. os velhos métodos já não funcionam mais, pois o mundo aqui fora da da escola "passou" por ela. ao mesmo tempo, ainda não conseguimos entender o suficiente do presente para formatar os métodos e processos, juntamente com as tecnologias, que vão servir de base para aprender, no presente, o que vai ser essencial para o futuro.
talvez não reste nenhuma outra alternativa a não ser tentar, errar e aprender. agora, enquanto o futuro ainda é recente. caso contrário, é olhar para o que o futuro parecia ser, no passado. a imagem abaixo, de 1910, tentava prever o que seriam as salas de aula do futuro, no ano 2000. vai ver que elas não são nem isso. e aí não é de assustar que os alunos, os "jovens", prefiram redes sociais e games. aqui pra nós, se eu fosse eles, estaria lá também. e estou.
PS: lá em 1968, nelson rodrigues [um dos mais competentes e deliciosos reacionários de todos os tempos] escrevia uma crônica [em maio… "eis o fato novo na vida brasileira: –o culto da imaturidade"] onde desancava o "novo" teatro, os "jovens" diretores da época [como zé celso] e sua visão de mundo e da encenação, botava a plateia no rolo e dizia que, naqueles tempos, o tempo exigia das pessoas plena imaturidade, que "neste final de século, a imaturidade é a musa perfeita, sereníssima, universal" e que, por fim "a inteligência está liquidando o teatro brasileiro". vai ver, o grande recifense teria razão hoje: a inteligência [juvenil] está liquidando a internet…