relatório do pew internet project [PIP] sobre o futuro da rede, publicado no fim do ano passado, chegou a seis conclusões. para tal, mais de mil especialistas, teóricos e práticos das tecnologias e vida na rede foram consultados. este blog está comentando os achados do projeto e tentando imaginar o cenário equivalente no brasil. o primeiro da nossa série foi sobre MOBILIDADE, o segundo sobre PRIVACIDADE e TRANSPARÊNCIA e o terceiro sobre o futuro das INTERFACES.
hoje, vamos falar sobre propriedade intelectual. o PIP prevê que... Those working to enforce intellectual property law and copyright protection will remain in a continuing arms race, with the crackers who will find ways to copy and share content without payment… na próxima década continuará a disputa entre os donos de copyright e defensores de propriedade intelectual, de um lado, e crackers [e/ou piratas] do outro; a cada nova barreira contra disseminação de conteúdo imposta pelos primeiros, os segundos desenvolverào contra-medidas capazes de desbloquear o "material" e disseminá-lo sem pagamento de direitos, na rede.
em suma, o PIP prevê que o estado de coisas da rede continuará como hoje. eu acho que não. escrevi muitas coisas, no passado recente, sobre a "pirataria", ou sobre o conflito entre o passado e o presente dos modelos de negócio de conteúdo e sua distribuição. vamos dar uma olhada nos últimos quatro textos.
em 05.08.08, saiu pirataria: chegou pra ficar: lá, comentamos que… agora é oficial: a pirataria chegou pra ficar. estudo que acaba de ser publicado pela MCPS-PRS [aliança inglesa que representa os donos do copyright de mais de 10 milhões de títulos musicais] e bigChampagne [de medição de audiência online] mostra que, mesmo quando o preço de um bem digital chega perto de zero [caso do último álbum do radiohead, cujo preço podia ser escolhido pelo usuário], a vasta maioria das cópias que circula na rede vem de sites piratas.
dizendo de novo: mesmo quando o preço de um bem digital é ZERO, boa parte de sua distribuição é feita de forma não autorizada pelo proprietário. isso significa, entre várias outras coisas, que as plataformas de distribuição de conteúdo da indústria estão fora de sintonia com os mecanismos de busca, acesso e consumo do público, mesmo que ambos estejam na rede. mas de que adianta seu preço ser zero e seu material não aparecer na busca do limewire ou vuze?
em 12.08.08, saiu a parceria estúdio-pirataria, onde se dava conta que… estúdios japoneses de anime [mercado de US$20B por lá] estão testando youTube e outros sites de compartilhamento de conteúdo como forma de ampliar sua interação com espectadores e usuários. kadokawa, a galera que faz haruhi suzumiya, está gastando US$1M para descobrir como é possível [se é que é] fazer um mashup de suas operações comerciais com o material gerado por fãs na internet.
ou seja: será que dá pra diminuir o conflito com meus próprios consumidores e tratá-los como parte da minha [ou da nossa!] ecologia de valor? principalmente quando eles podem estar fazendo coisas que eu nunca 1] pensei; 2] saberia fazer nem 3] distribuir na velocidade e custo que eles fazem?… para trazer os fãs pra "dentro" de casa, tenho que mudar mais do que minha disponibilidade de encontrá-los no meio do caminho entre produção, distribuição, combinação, redistribuição e consumo: tenho que oferecer uma plataforma segura, do ponto de vista de propriedade intelectual e sua gestão, que não exponha fãs e colaboradores bem intencionados ao risco de, de repente, estarem sendo processados por infringir direitos [se o "dono" da coisa não gostar da minha "arte", por exemplo].
pra isso, naquele mesmo texto, se comentava que o… problema de compartilhamento e recombinação tem solução trivial. é só usar o modelo de proteção e autorização definido pelo creative commons, que permite ao autor estabelecer o nível de proteção que deseja para seu trabalho. quanto mais gente publicar seu material usando um mecanismo transparente como o de creative commons, mais coisas poderão ser feitas de forma inovadora, na rede, sem que seja necessário licenciar todo o material de base primeiro. e permitindo o compartilhamento de receita [se houver] depois.
ou seja: existe uma proposta prática e fácil de ser aplicada para tratar conhecimento não como ponto de chegada ou produto final, mas como ponto de partida e parte de um processo, para sempre inacabado. mas muito pouco tem sido feito, pela indústria, para discutir o assunto nestas bases. e menos ainda para disponibilizar [excetuando os indies, que não são "a" indústria] conteúdo desta maneira.
em 16.10.08, saiu… pirataria: a guerra, os lados e os dados, onde se expunha o muito duvidoso valor dos dados usados mundialmente no combate à pirataria. de acordo com o texto de outubro neste blog… a indústria [lá nos eua] diz, há anos [décadas!], que o número de empregos perdidos nos setores afetados por pirataria de áudio e vídeo é um mitológico "750.000". julian sanchez descobriu a fonte: trata-se de um chute, radical, feito em -imagine!- 1986 pelo secretário de comércio do governo reagan, malcom baldridge, e publicado pelo christian science monitor. segundo balridge, o impacto de pirataria em toda a indústria americana [na época] seria… "anywhere from 130,000 to 750,000 [jobs]". e isso era de bolsas louis vuitton falsificadas até vídeos copiados sem autorização. o número foi pro limite e referem-se a ele, agora, como se fosse a quantidade de postos de trabalho afetados pela pirataria sobre a indústria de mídia.
aqui no brasil, não ficamos atrás na manipulação de dados ou na citação de números sem qualquer credibilidade. no mesmo texto… [segundo o conselho nacional de combate à pirataria]… o país perde, por ano, com pirataria, R$30B em arrecadação de impostos [e de acordo com o depoimento de um dos deputados que apóiam o fórum nacional contra a pirataria]… "só no ano passado o prejuízo foi de 700 bilhões de reais, quase um terço do PIB do Brasil"… um terço do PIB em pirataria? e com uma carga tributária de quase 40%, o imposto perdido não teria sido quase R$300B?…
o artigo de 16.10.08 concluia que… claro que precisamos formalizar muitos dos nossos mercados. mas porque será que na finlândia, um dos países mais educados do planeta, a pirataria de software é de 25%? e porque será que lá mesmo, apesar de apenas 15% das pessoas reconhecer que copia música da internet, 85% do tráfego de saída das universidades corresponde a P2P?… será que isso tem a ver com os modelos [atuais] de negócio de software e música? aqui, agora, precisamos de uma discussão inteligente [e usando dados reais, confiáveis] sobre o que formalizar, pra que formalizar, pra atender que interesses, quando, e se isso é ou não o melhor para fazer agora. é preciso até entender, de perto, qual a função da pirataria no mercado. além de termos que lembrar, a todos os envolvidos, que em tempos onde as tecnologias de suporte estão mudando muito radical e velozmente, como é o caso dos setores da indústria "de mídia" agora "protegidos" pelo pro-ip americano [e só lá, por enquanto], congelar o passado em legislação e ação federal é suicídio puro. de postos de trabalho, de receitas e impostos, no futuro.
resumindo e olhando pra previsão do PIP, sobre a continuada guerra entre quem tem copyright e quer ser remunerado por ele e quem está na rede, em banda larga, e tem acesso a tudo, num click: não se trata do fim da propriedade intelectual e ponto final. se este fosse o caso, não haveria uma outra guerra, a de patentes, no ar. só em 2008, a IBM registrou 4.186 patentes nos EUA, recorde da companhia em todos os tempos e mais de tres vezes o registro da microsoft. no total, foram concedidas quase 160 mil patentes nos EUA em 2008.
a "pirataria" a que todos, inclusive o PIP, se referem com frequência é de música, vídeo e software. e ela existe, em boa parte, hoje, porque seu modelo de negócios ainda está em boa parte baseado no suporte físico para entrega do conteúdo ao comprador. e tal suporte físico foi, literalmente, evaporado. quem entendeu isso não está sendo pirateado… veja o caso de google. tudo o que vem de lá é software como serviço, na rede. mesmo que você instale alguma coisa, como gmail no seu celular, só traz a interface, pois as funcionalidades por trás dela estão na rede.
esta quarta previsão do PIP, caso se confirme, é preocupante. vai significar que, daqui a doze anos, ainda teremos uma boa parte das coisas que deveriam estar na rede circulando por aí sobre suportes físicos falidos. aliás, tem coisa que, mesmo já estando na rede, hoje, não deveria durar muito, como venda de música como "arquivo". música e vídeo [e software] tem que passar a ter um tratamento negocial similar à assinatura de um serviço, temporário ou permanente, ao invés de serem distribuídas como arquivos que podem se perder no seu drive, celular ou onde forem armazenadas. uma vez assinadas, o provedor cuidaria para que o conteúdo pudesse ser usado a seu bel prazer, de acordo com direitos que você adquiriu.
mas isso pode levar tempo. e aí nós chegamos ao último dos quatro artigos recentes que o blog publicou sobre o tema, em 12.11.08: inovação aprendendo com… pirataria? o texto começava dizendo que… pode ser, pode ser. quase certamente sim. recentemente, neste blog, tratamos dos números da pirataria no mundo [e no brasil], e vez por outra temos falado de luta entre o lado de lá [do modelo fechado de propriedade intelectual] e o lado de cá [dos modelos flexíveis, ou abertos, de copyright]. desta vez vamos falar do mesmo assunto de uma forma, digamos, mais radical: o que pirataria tem a ensinar pra inovação?… visto por um outro ângulo, lutamos contra os piratas ou aprendemos com eles?
este texto trata de uma conferência de matt mason, autor de the pirate’s dilemma, livro em que ele… tells the story of how youth culture drives innovation and is changing the way the world works. It offers understanding and insight for a time when piracy is just another business model, the remix is our most powerful marketing tool and anyone with a computer is capable of reaching more people than a multi-national corporation… ou seja, onde se historia como uma cultura jovem e de jovens muda os processos de inovação e por onde se muda os modelos de negócio do mundo… e onde se propõe a idéia de que pirataria é só mais um modelo de negócios, onde remix é um dos mais poderosos instrumentos de marketing e onde qualquer um com um computador [nota: computador, hoje, é o mesmo que computador ligado à rede] é uma multinacional.
o resumo da conversa de mason, que eu sugiro fortemente que você vá ler [tá resumida e comentada em sete parágrafos, no blog], é simples e radical: pirataria é só mais um modelo de negócios, com suas próprias noções de mercado, cliente, ecologia de valor e todo o resto. pirataria sempre existiu e existirá sempre. e combatê-la -em áudio, vídeo, software- tem a ver com a melhora da sua oferta, e não com a perseguição aos piratas, especialmente quando eles estão vendendo a mesma coisa que você vende, com a mesma qualidade, por 1/10 ou 1/20 do preço. ou distribuindo de graça. o resto é conversa. e tomara que, neste ponto, o PIP tenha errado muito e todo mundo se mude mesmo pra rede, inclusive -e principalmente- do ponto de vista dos modelos de negócio.