latitude e privacidade

image juliana carpanez, do G1, produziu uma reportagem muito legal sobre o novo serviço de google, latitude, que anuncia para o mundo [se você permitir] onde é que seu celular está.

o esquema tem óbvias vantagens e desvantagens nem tão óbvias assim. para montar a conversa, juliana entrevistou andré lemos, bia kunze, ethevaldo siqueira e o autor deste blog. vá lá no G1 ver o trabalho dela, que mostra muito bem um apanhado das respostas dos entrevistados.

abaixo, a partir das perguntas de juliana, as minhas respostas, na íntegra. leitores habituais do blog hão de notar que, ao contrário do texto corrente aqui, o material enviado para o G1 usa a grafia normal do português [como eu escrevia quando estava por lá], com maiúsculas e tudo mais…

Juliana Carpanez, G1: Com a ferramenta do Google, o usuário tem controle sobre sua privacidade (ele pode optar por não mostrar a determinadas pessoas onde está). Ainda assim, você considera o serviço invasivo? Por quê?

Silvio Meira: Imagine que empresas -e pessoas- interessadas na sua localização tenham um pouco mais do que apenas interesse, tenham algum tipo de poder, ou capacidade, para impor que sua localização seja conhecida por elas… Daí, de que adianta você "poder" controlar sua privacidade se, de fato, não "poderá"? Isso pode acontecer em casa, nas empresas, na escola, nos relacionamentos…

JC, G1: Com esse serviço, o usuário só será localizado por pessoas conhecidas (que, teoricamente, não representam uma ameaça à segurança). Dessa forma, acredita que só deve se preocupar com o uso do Google Latitude aquele que tem algo a esconder (por exemplo: mente para o chefe ou para a esposa sobre seu paradeiro)?

SM: O argumento "só quem tem algo a esconder" é equivalente a dizer [segundo Daniel Solove, em ‘I’ve Got Nothing to Hide’ and Other Misunderstandings of Privacy] que todos têm algo a esconder; quem pensar que não tem que se imagine fotografado nu, na privada, e a foto publicada no G1. Assimetria de informação [nem eu nem ninguém que se relaciona comigo sabe de tudo um do outro] é parte essencial da infraestrutura de relacionamento da humanidade. Privacidade é um assunto muito sério e essencial para todos e devemos nos preocupar -sempre- com ela antes que a percamos e tenhamos que lutar para recuperá-la.

JC, G1: Por enquanto, esse tipo de serviço ainda é uma novidade e muitos resistem a ele, principalmente por causa da privacidade. Mas você acredita que, com o tempo, as pessoas se acostumarão com essa forma de monitoramento e se preocuparão menos com a privacidade (assim como aconteceu com as redes sociais, onde os usuários freqüentemente expõem muitas informações pessoais a seus  conhecidos)?

SM: Eu acho que muita gente vai se surpreender, no médio e longo prazo, com a volta à tona de suas inconfidências juvenis na rede. Há um texto meu no G1, onde cito Viktor Mayer-Schönberger [este link, de 2007], que defende a tese de que os sistemas de informação [como as redes sociais e os bancos de dados do governo sobre nossas histórias e vida] devem, necessariamente, esquecer. Acontece que as tecnologias para captura, publicação, armazenamento, replicação, busca e disseminação de informação, combinadas na rede nos últimos anos, criaram uma nova capacidade: a incapacidade de esquecer. Nunca, em nenhuma época, ninguém teve tanta informação sobre tantas pessoas e seus hábitos como certas empresas -e sistemas de governo- estão começando a ter, na rede. Provavelmente mais tarde do que cedo, as pessoas vão se preocupar com sua privacidade.

JC, G1:  Que tipo de utilização esse serviço terá, se ele for além do monitoramento gratuito de amigos? Acha que ele pode ser realmente útil para seus usuários?

SM: Sim, muita gente vai querer saber por onde andam seus filhos, empresas de transporte [de todos os tipos, inclusive taxi] vão querer saber onde estão seus veículos, vamos querer saber onde estão nossos celulares e laptops, mas isso pode ser feito por serviços de localização vários, e não necessariamente por este, de Google. Localização, em escala e de qualidade industrial, está aí há muito tempo e já é usado por empresas de segurança, transportes, governo… A "novidade" do serviço do Google é tornar uma pequena parte das funcionalidades disponíveis em serviços, digamos, profissionais, com uma precisão de localização bem menor, para um número potencialmente muito maior de pessoas.

JC, G1: Assim como os usuários aprenderam (ou ainda estão aprendendo) boas práticas no uso de telefones celulares e internet, o mesmo deve acontecer com esse serviço de localização, se ele se popularizar. Por isso, propomos um exercício de futurologia de como será o uso adequado da ferramenta (naquela linha de "netiqueta"). Abaixo, as situações e gostaria que você dissesse qual sua opinião sobre como proceder em cada caso.

JC, G1: Em que situações o usuário deve deixar o localizador ativado?

SM: Quando realmente quiser ser encontrado. Para muitas pessoas e seus grupos, pode ser sempre; para outras, nunca… Eu acho que localização, na verdade, deveria ser um botão de emergência, para ser usado em situações bem particulares.

JC, G1: Em que situações ele precisa desativá-lo?

Em todas as situações em que a informação sobre sua localização, disseminada para o conjunto de pessoas que pode ter acesso a ela, for comprometer sua privacidade ou a assimetria de informação que lhe protege e às suas histórias. Imagine que você está atrasado para um compromisso e diz pra alguém, X, que está num engarrafamento; X conhece Y, que tem acesso à sua localização… X liga pra Y e por acaso descobre que você, na verdade, dormiu demais… Você vai precisar desligar a informação sobre sua localização em MUITAS situações.

JC, G1: Em que casos alguém (familiar, amigo, colega de trabalho) pode efetivamente cobrar que um usuário do Google Latitude deixe o serviço habilitado?

SM: No meu entender, quase nunca… pelo menos no caso de pessoas emancipadas. Consigo imaginar meu filho de sete anos tendo um localizador ligado… com uma interface não invasiva que me avise se ele sair da rota [onde deveria estar]. Fora isso…

JC, G1: Se o usuário deixar o localizador desativado e for cobrado por isso (mulher, chefe…), o que deve dizer?

SM: Que o serviço estava fora do ar, que seu celular estava com problemas… tudo o que já se diz quando alguém liga e você não quer atender. Uma operadora, por aqui, tinha um serviço que avisava, pra quem lhe ligava quando o celular estava fora do ar, quando você entrava na cobertura ou ligava o celular… Popularidade do serviço? Zero. Isso diz muito sobre o que dizer se você não for localizado…

JC, G1: O localizador do Google permite que o usuário mostre estar em um lugar onde não está. Em que tipos de situação essa ferramenta deve ser usada?

SM: Isso é tecnologia a serviço da mentira… deve ser usada apenas por gente que precisa esconder sua localização e, por outro lado, tem uma memória muito boa e muita sorte. Mudar de um ponto, em São Paulo, para outro, muito longe, às vistas de quem está lhe observando de longe… vai parecer teletransporte. Por outro lado, chegar em casa e o serviço estar lhe mostrando no trabalho vai dar uma bandeira monumental.

JC, G1: Um amigo permite que você veja a localização dele, mas você não quer que ele saiba a sua (o equivalente a não aceitar um pedido de "amizade" no Orkut). O que fazer nessa situação? Se explica, aceita ou simplesmente deixa quieto?

SM: O mesmo que acho que a maioria das pessoas já faz nas redes sociais… Um monte de gente quer se relacionar com você e você… bem, escolhe com quem se relacionar, ficando quieto em boa parte das vezes. O silêncio, na maior parte dos casos, é uma ótima explicação.

JC, G1: Se o usuário mente sobre sua localização, deve desativar o serviço ou fazer com que o localizador mostre o lugar onde ele disse que estaria (ou seja: o localizador deve "compactuar com a mentira)?

SM: É muito difícil mentir consistentemente, por muito tempo, pra muita gente. Já é muito complexo, por um número de razões, mentir sobre onde se está. Imagine controlar a tecnologia que habilita a mentira de forma consistente. Dia destes eu vi uma pessoa, num banheiro de aeroporto, dizer pra outra que estava no escritório… exatamente quando anunciaram bem alto o embarque de um vôo… pense no problema. Não vai dar muito certo não…

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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