Imagine que a OI decidisse vender o IG e o governo brasileiro entrasse no jogo, proibindo a transação. a OI vendeu o IG ano passado para o grupo português ongoing, que também é dono do jornal brasil econômico. o governo brasileiro, que tem 13.1% da OI, via BNDES [e bem mais via fundos de pensão], nem se manifestou. o CADE aprovou a transação com restrições mínimas. outro grupo que estava interessado no IG era yahoo e, se a transação tivesse sido feita com eles, é quase certo que o governo também não estaria nem aí.
e nem deveria estar, porque a dinâmica de negócios na web não tem muito a ver com o que o governo deveria estar acompanhando em tanto detalhe e tentando, como quase sempre acontece quando o governo está muito perto, atrapalhar. o brasil tem grandes grupos nacionais de mídia, na web e fora dela, que competem –e muito bem, por sinal- com operações globais presentes no país, como yahoo, msn e este TERRA [que é 100% da telefónica, se você não sabia]. além de criar as condições para que haja ampla competição e respeito pelos usuários, o que o governo tem que fazer é sair da frente, a menos que haja alguma ameaça radical à vista.
mude de geografia: na frança, yahoo estava fazendo uma proposta para comprar o controle do site dailymotion por US$2oo milhões. dailymotion, considerado o “youTube francês” tem situação similar à do IG antes da entrada da ongoing, pois pertence à operadora orange, onde o governo detém 27% das ações. até aí, nada de novo: governos do todo o mundo, ao desregulamentar mercados de telecom no fim do século passado, ficaram com parte do capital de antigas estatais, para vetar operações onde o interesse nacional estivesse em risco. o passo surpreendente? o governo francês proibiu a orange de vender dailymotion para yahoo, dizendo que "…dailymotion est une des rares sociétés de contenus que la France ait réussi à faire émerger sur le web ces dernières années, c’est une vraie perle, et qui en plus ne perd pas d’argent. ce serait quand même dommage de la laisser filer"… o site é um dos raros negócios de classe mundial que surgiram na frança, é lucrativo e não dá pra pensar em estrangeiros no controle.
o curioso é que a orange, uma companhia de telecom, estava atrás de investidores que pudessem levar dailymotion para o cenário global e, sem encontrar na frança, foi procurar fora. competir com youTube, como qualquer um pode imaginar, não é um problema simples. companhias que podem se arriscar fazer isso têm muitas prioridades e não se sabia, até este incidente do dailymotion, que yahoo estava disposto a tentar. e a partir de um site francês, tendo o governo de lá como sócio, o que é uma demonstração de muita coragem e confiança no potencial do negócio. ou de que a marissa mayer endoidou de vez.
volte e pense no valor da transação: US$200 milhões pelo controle acionário. isso quer dizer que o site todo vale no máximo US$400 milhões, se tanto. se a orange não tem condições de empreender o serviço entre os primeiros do mundo, porque não trazer alguém, como sócio, que se arrisque a tal? um dos maiores da web, não por acaso em busca de novas formas de competir?… quando uma empresa decide trazer sócios para [ou vender] um negócio, busca competências que não têm e não quer investir sozinha para ter, no primeiro caso, ou decidiu que o negócio não casa com suas estratégias, no segundo. ninguém faz o caminho inteiro até uma proposta de investimento de US$200 milhões só para conversar ou se divertir.
ao proibir a transação, o governo complica o ambiente de negócios web francês e instala uma dúvida na cabeça de investidores e empreendedores que pensam em inovar em seu território: até que ponto, ao empreender lá, há liberdade para fazer alianças e negócios com outros empreendimentos de todo o mundo? pelo visto, muito pouco, porque pode ser que o governo resolva intervir, também, onde não detém parte do controle. até porque intervenção do estado nos negócios, lá, tem precedentes: google foi condenado a pagar €5oo,000 à bottin carto, mais uma uma multa de €15,000 por práticas anticompetitivas, há 3 meses. a razão? bottin vende mapas e google “dá” mapas, segundo o juiz da causa, atacando google maps direto no modelo de negócios. mas google não “dá” mapas; o modelo de negócio é multifacetado e depende de terceiros que pagam a conta, atraídos por usuários ou seus comportamentos [e dados]. waze faz a mesma coisa para trânsito e também depende de terceiros [que compram dados de tráfego, como TV, e anúncios] para girar. a frança nunca teve nenhuma empresa de GPS, senão waze poderia estar no mesmo problema de google. falando nisso, quem vende, exclusivamente, anúncios de waze na frança?… a orange, dona do dailymotion.
as evidências a favor da intromissão de governos nos negócios e mercados não são boas, muito menos em ambientes mais dinâmicos do que a tradição de intervenção estatal direta, como petróleo. que no brasil, por sinal, deixou de ser um monopólio estrito em 1995. ao se meter em mercados de geografia global e velocidades que surpreendem investidores e empreendedores experientes , o governo da frança dá um exemplo do que não fazer na rede. ao invés de controlar, criar oportunidades e sair da frente daria muito mais resultados. e aumentaria muito a probabilidade de companhias francesas de classe verdadeiramente global na web, do que ainda não há exemplo para citar aqui, ainda. e a frança tem um plano de 3 pontos, novinho em folha, para “faire émerger des entreprises numériques de rang mondial”, com a criação de quinze sistemas locais de inovação parecidos com o porto digital e investimento estatal de centenas de milhões de euros nos próximos anos.
se o brasil for importar algo da frança, que sejam ideias do plano, que fazem muito sentido. e não ações atabalhoadas de burocratas que ainda não entenderam que a rede é um espaço de negócios global e que, no fim, eles nunca terão o controle do que pode e vai acontecer. até porque, com eles, nunca acontecerá na frança…