este blog, no 30 de abril, teve um número recorde de comentários [mais de 100, e isso porque o sistema de publicação “travou”] quando discutiu a oportunidade de reorganização das cidades -e das nossas vidas, em geral-criada pela explosão dos preços do petróleo. àquela altura do campeonato, o barril do líquido mais precioso e mais viciante de uma humanidade movida a automóveis estava ao redor de US$120. hoje, passou dos US$139 e derrubou todas as bolsas do planeta, piorando um cenário onde os eua estão desempregando, grandes bancos mundiais estão falidos e o ambiente, ao nosso redor, está mostrando francos sinais de colapso.
a confusão que o blog causou se devia a uma única asserção: a de que a correlação entre o preço do petróleo e da gasolina é quase absoluta, o que é -não por acaso, mas por leis da química e da economia- uma verdade universal. se o preço do óleo dobra, a gasolina tinha, necessariamente, que segui-lo. o que nos levava a concluir que a gasolina brasileira, com petróleo a US$120, deveria estar sendo vendida, nas bombas, a R$5. hoje, o preço justo [pelos valores do mercado internacional e considerando que a petrobrás é uma empresa que tem acionistas privados, com ações na bolsa…] da gasolina deveria estar ao redor de RS6.50.
e isso pode só a metade do caminho para o brejo: grandes nomes da indústria mundial estão trabalhando com cenários que sugerem o preço do barril de petróleo ao redor dos US$200, o que nos levaria a um cenário de promoção de menos -e não de mais- consumo de tudo o que significar movimento de átomos -e não de bits- ao nosso redor. de sustentação, ao invés de desenvolvimento. de um outro planeta, enfim [e talvez já tarde demais].
este blog trocou a tecnologia e o artigo de abril sobre petróleo a US$120 sumiu [e não consigo apontar pra ele]. como agora trata-se de mera história, ele pode ser lido a seguir… pra gente pensar no que vai fazer SE o barril chegar, mesmo, a US$200 e a gasolina [se o governo deixar de subsidiá-la] pra algo como R$10 0 litro.
—texto original de 30 de abril de 2008: gasolina, cidade e rede
nosso último aumento dos combustíveis foi em 2005, coisa da ordem de 10%. de lá pra cá, quem governou o preço da gasolina, na bomba, foram os micromovimentos de um mercado de distribuição quase monopolista em algumas regiões do país, cujo combustível é fornecido por um monopólio estatal que tem ações na bolsa. ao mesmo tempo, de 2005 pra cá, o preço internacional do barril de petróleo duplicou, saindo de 60 para 120 dólares. e há, na opep, a associação dos exportadores de petróleo, quem consiga imaginar o barril de óleo a 200 dólares. coisa de louco.
a correlação entre o preço do petróleo e o da gasolina é muito alta, o que nos faz imaginar que algumas forças extra-mercado andaram trabalhando, no brasil, para manter os preços da gasolina, na prática, congelados. estivessem seguindo o preço do petróleo, as bombas deveriam estar vendendo gasolina aí pelos R$5 o litro. deve ser mais ou menos por isso que a reunião de ontem, no planalto, não terminou. deveria, dela, sair uma decisão governamental sobre o aumento dos combustíveis. mas brasília, dona do monopólio de exploração e refino, quase monopolista em distribuição, não deve estar querendo diminuir suas altas margens de aprovação popular com uma notícia tão ruim quanto um primeiro aumento da gasolina, seguido de muitos outros, para equilibrar o preço do derivado ao do principal. até em respeito aos acionistas não governamentais do monopólio petroleiro.
aí é onde deveria entrar a responsabilidade dos gestores públicos, combinada com um alto grau de coragem cívica e muitas pitadas de inovação pra dizer que… SIM, dá pra usar a crise crônica do petróleo para resolver o problema dos transportes nas grandes cidades. nelas todas, pois não é só são paulo que está impossível. quem passa muitas horas no trânsito de lá sabe que o lugar JÁ entrou em colapso. mas outros lugares, outrora quase bucólicos, estão virando um inferno. imaginando que se dobrasse o preço da gasolina num período de tempo em que, simultaneamente, se melhorasse significativamente a quantidade e qualidade de transporte público e, concomitantemente, a distribuição dos locais de trabalho, habilitada por computação e comunicação de muito melhor qualidade do que temos hoje, muito menos gente precisaria ir pra rua pra trabalhar LONGE de casa.
uma boa parte do trabalho, atrás do qual atravessamos cidades inteiras e perdemos quase tanto tempo no trânsito quanto no escritório, pode ser feita de forma remota. principalmente o trabalho intensivo em informação e conhecimento. este blog não é escrito num escritório do terra, muito menos perto de onde os servidores do terra estão. e eu nem sei, nem preciso saber, onde estão. o mesmo vale para uma infinidade de funções que exercemos nos atuais locais de trabalho, longe de casa, horas além da nossa vizinhança.
a solução para as grandes cidades não é mais viadutos, avenidas mais largas ou rodízio. e, depois de um certo ponto, tampouco é muito mais transporte público. a verdadeira solução é a diminuição da necessidade de movimentar pessoas, pela via do aumento da capacidade e qualidade de mecanismos de interação à distância. não necessariamente para que trabalhemos em casa. mas podemos trabalhar, por exemplo, em “centros de trabalho” perto de casa. lugares onde trabalhadores de várias empresas [além de frilas e autônomos] compartilham espaço e infra-estrutura, perto de onde moram, da escola de seus filhos, da padaria, do bar e da academia, região de onde talvez precisem se mandar para o “escritório”, quem sabe, uma vez por semana. ou, se fizerem seu trabalho muito bem, duas vezes por mês…
se as forças reais de mercado começarem a determinar o custo de movimentação de muitas dezenas de milhões de pessoas, nas grandes cidades do brasil [e do mundo, e aí são bilhões…], é muito provável que consigamos, em pouco tempo, reordenar nossas necessidades de movimento. de tal maneira que nosso trabalho possa ser realmente mais amigável, em todos os sentidos. porque não passaremos mais tanto tempo nos ônibus, trens, táxis e automóveis. porque não chegaremos no trabalho detonados. porque não detonaremos a atmosfera e o ambiente nos movendo sem necessidade… porque teremos muito mais tempo para viver.
uma outra vida, mesmo nas grandes cidades, é possível. para muita gente. é só repensarmos os métodos, processos, mecanismos e locais de trabalho, ao redor de uma rede outra que não a das vias públicas. a rede de comunicações que já está aí, elevada a uma outra escala de universalização, quantidade e qualidade dos fluxos de dados e capacidade de processamento, pode muito bem vir a ser o novo conjunto de vias através do qual rearticularemos boa parte de nossas vidas. inclusive, e principalmente, o trabalho. e pode não faltar muito. gasolina a R$5 vai ser uma, digamos, mão na roda pra isso começar a acontecer.